“A laranja é uma das poucas frutas que o consumidor mundial tem acesso todos os dias do ano”, diz Marcelo Abud, CEO da Citrosuco, a maior exportadora global do suco da fruta, com sede em Matão, no interior paulista que, não à toa, dos cerca de 52 mil hectares de área 15 mil hectares são de laranja, o que equivale a quase 30% do município.
Mas Matão não é o único com tal peso para a fruta. O Brasil tem 56 mil propriedades rurais e uma área cultivada de 568,1 mil hectares, dos quais 387 mil estão na dobradinha São Paulo-Triângulo Mineiro, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). “Hoje, mais do que antes, o suco de laranja entra na demanda do consumidor que busca por saudabilidade, que está mudando de hábito e que escolhe”, afirma Abud, que está no cargo desde julho do ano passado. Na edição 112 da Forbes, lançada em setembro, ele fala sobre esse novo consumidor global.
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Administrador, o executivo chegou na Citrosuco depois de uma longa carreira em empresas da indústria cervejeira, entre elas a Ambev, no Brasil e no exterior. Abud tem 48 anos e já morou em 15 diferentes lugares. Sua entrada na Citrosuco faz parte de um movimento de empresas do agro que buscam um arejamento em suas lideranças – que muitas vezes não conhecem o chão dessa fábrica a céu aberto –, mas que tem qualidades que fazem disso um detalhe.
Abud afirma que a primeira vontade que o empurrou para a Citrosuco foi a de voltar para o Brasil; a segunda era estar em um setor de relevância para o país. Ele conta que quando recebeu o convite da Citrosuco, depois de dois anos na Lavoro, uma das maiores distribuidoras de insumos agrícolas agrícolas da América Latina e onde realizou oito aquisições no país, “já conhecia há algum tempo, admirava o grupo Votorantim, que é dono de um projeto de longo prazo e ambicioso para o setor da laranja.”
De fato, o negócio Citrosuco não é pequeno. A empresa, que pertence ao grupo controlado pela família Ermírio de Moraes, faturou R$ 52,9 bilhões no ano passado em suas várias frentes de negócio, que também inclui cimento, metais e mineração, siderurgia, energia, celulose e financeiro. O grupo não divulga os faturamentos por setor, mas a estimativa é que os negócios com a laranja representam cerca de 10% da receita total. Para o Ebtida ajustado (que exclui lucros e despesas não recorrentes) o valor foi de R$ 356 milhões em 2022, equivalente a 4% do portfólio geral da Citrosuco.
“O mercado da laranja é apaixonante e o Brasil é protagonista. Vi um projeto muito ambicioso pela frente, de diversificação tecnológica e de inovação”, afirma Abud sobre sua decisão de aceitar o cargo. “A laranja é um setor onde a gente consegue criar valor, liderar e ao mesmo tempo fazer o Brasil crescer economicamente.”
No ano passado, somente as exportações de suco de laranja geraram ao país cerca de US$ 2 bilhões ou R$ 10,6 bilhões, para 1,029 milhão de toneladas, segundo o Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária). Anualmente, a citricultura do país movimenta US$ 14 bilhões e recolhe em impostos cerca de US$ 190 milhões. “Há um mundo de oportunidades”, diz o executivo, que conta que entre o namoro e o casamento com a Citrosuco foram quatro meses. Hoje, apenas 20% de seu tempo é dedicado ao escritório. O restante é gasto no campo, nas fábricas, ou mesmo se não for aí o tempo é sempre de algum cliente.
Os números superlativos da Citrosuco
Abud está à frente de números superlativos na Citrosuco. O grupo possui cerca de 80 mil hectares de terras, além das propriedades parceiras que entregam a fruta em duas unidades industriais no Brasil (uma fica nos EUA). O que parece simples, que é esmagar a fruta, extrair seu suco e colocar no copo do consumidor, vem ganhando complexidades nas quais a empresa, que já está no topo, não quer perder o passo. É essa a missão do executivo: apertar o passo em processos verticalizados, na prospecção do mercado de carbono, nas políticas de diversidade e gênero, no avanço da digitalização, no melhoramento genético e sanitário da fruta e, claro, atender a um consumidor que vem mudando seus hábitos alimentares.
A área de cultivo da Citrosuco está espalhada por 26 fazendas. Uma parceria fechada com a TIM há dois anos resultou na cobertura total das propriedades com sinal 4G, dando início ao movimento de conexão de máquinas e equipamentos. Alexandre Dal Forno, diretor de desenvolvimento de mercado IoT & 5G da empresa de telefonia, diz que a parceria com a Citrosuco é a maior em São Paulo. “É também uma referência de como construir conectividade”, afirma Dal Forno.
A TIM faz parte da ConectarAgro, instituição que reúne empresas, produtores e entidades para aumentar a conectividade no campo. Atualmente, estão ligados ao ConectarAgro propriedades que juntas reúnem cerca de 14 milhões de hectares com máquinas conectadas e cerca de 29 milhões de hectares cobertos por sinal 4G.
“Hoje temos telemetria em todas as fazendas e isso mudou a maneira de trabalhar. O investimento em tecnologia nos permitiu criar uma base de dados. E avançar, como estamos fazendo com o monitoramento de cada pé de laranja”, diz Abud. Trocando em miúdos, a tecnologia radiografa cada pé da fruta e acompanha o que ocorre com ele, dando previsibilidade a cada talhão de cultivo. “Em determinada fazenda, talhão e região, a gente consegue racionalizar, por exemplo, fatores climáticos que influenciam na colheita. São os algoritmos do banco de dados que trazem essas possibilidades.”
A empresa quer, nos dias atuais, apertar o passo da digitalização dos produtores rurais que entregam laranja à Citrosuco, cerca de 60% de sua demanda industrial. “É um processo que está começando e é natural que ganhe ritmo porque digitalizar a citricultura vai trazer muitos benefícios ao setor.” Os drones, por exemplo, vêm sendo usados há quatro anos para monitorar os pomares. O rendimento da colheita no ano passado cresceu 15%, segundo a Citrosuco. “Isso significa economia de tempo, de insumos, de horas de trabalho”, diz Abud. “Estamos monitorando tudo e vamos ter números cada vez mais consistentes a cada ano.”
Dados de sustentabilidade no campo, principalmente de toda a sua cadeia de fornecedores, pode ajudar a empresa a robustecer seu programa de descarbonização, dando a possibilidade de cumprimento do escopo 3 da metas de redução de emissões de GEEs (gases de efeito estufa). Lembrando que os escopos 1 e 2 do GHG Protocol, sobre as metodologias, estão relacionadas às ações internas e diretas, enquanto o escopo 3 diz respeito às fontes externas a uma organização específica, como as da cadeia de abastecimento, por exemplo.
“No ano passado, reduzimos em 7% as emissões e a meta é nos tornarmos credores de carbono. Vamos diminuir 28% nos próximos dois anos”, afirma. “Hoje, já conseguimos capturar 400 mil toneladas de CO2”. Embora não haja venda de crédito nos dias atuais, o executivo afirma que há um esforço na companhia para entender “melhor como a gente pode monetizar isso no futuro”. A Citrosuco vem fazendo inventário de carbono desde 2015. As lavouras de laranja são culturas que podem ter uma vida que vai a meio século, daí seu potencial de estocar e monetizar carbono em um mercado regulado.
Mas, mais do que a construção de um mercado de carbono, a tecnologia vem ajudando a empresa a enfrentar um dos maiores inimigos do setor, o greening, uma doença causada por uma bactéria implacável porque não há cura para as plantas doentes. “A tecnologia leva à aplicação racional de produtos, refinando a nutrição e o manejo das plantas. E o que vemos é que no cinturão de São Paulo há um índice de infecção menor dos pomares”, diz Abud, que destaca o caminho seguido pelo Brasil de uma forte pesquisa colaborativa para enfrentar o greening.
A doença também é um pesadelo para os produtores de laranja da Flórida, nos EUA, muito mais afetados que os brasileiros e menos abertos, afirma Abud. “Trabalhamos com universidades e institutos da Europa, da China, Brasil e do resto do mundo e isso conta na busca por resolver um desafio.” Identificada no Brasil em 2004, a incidência de greening no ano passado era de 22,4% dos pés da fruta no cinturão SP/MG, segundo o Fundecitrus ( Fundo de Defesa da Citricultura).
Nos últimos meses têm sido recorrentes as notícias sobre um avanço da doença em pomares. “Por isso testamos manejos, novos produtos, a gente desenvolve biológicos e fazemos o melhoramento genético da laranja, em busca de variedades mais resistentes ao greening e outras pragas”, diz Abud. “Por isso investimos, como foi com os subprodutos da laranja, em busca da agregação de valor.
O executivo se refere à criação da Evera, no final do ano passado, um projeto que foi amadurecendo na última década, para utilizar subprodutos, como o bagaço que antes ia apenas para a ração animal, folhas, flores e sementes, para que serem transformado em ingredientes utilizados na indústria de alimentos. Os investimentos foram de cerca de US$ 10 milhões na última década, em pesquisas, desenvolvimento e na estrutura inicial de produção, com previsão de faturar US$ 150 milhões por ano.