
Ela já ganhou prêmio de inovação com bolinho de tilápia, já inventou um picolé de proteína do peixe e agora dá um salto para uma das biotecnologias que estão mudando o mundo, a edição gênica. A Brazilian Fish, empresa que atua verticalizada na cadeia da tilápia – do laboratório ao consumidor do peixe –, com sede em Santa Fé do Sul, no interior de São Paulo, desenvolveu a primeira tilápia geneticamente editada do país.
A empreitada foi uma ideia de Antonio Ramon do Amaral Neto, médico veterinário e diretor da Brazilian Fish, fundada em 2007 e pertencente ao Grupo Ambar Amaral, que desde 1983, se dedica à criação de gado da raça nelore. Enquanto a pecuária na empresa se consolidava, na década de 1980 o Brasil dava os primeiros passos rumo ao melhoramento genético bovino, com as ferramentas tecnológicas da época: os programas por meio da seleção e cruzamento dos melhores animais dos rebanhos, em busca de características desejáveis como maior ganho de peso, precocidade, habilidade materna, entre outros.
Nos anos 2000, os cientistas começam a identificar marcadores moleculares do nelore, por exemplo, qual qual gene carregava a característica de maciez da carne. Em 2016, pesquisadores da Embrapa concluíram o mapeamento genético completo do genoma da raça e a partir daí a genômica entra como ferramenta em vários programas de melhoramento, como o da USP, ABCZ (Associação Brasileira dos Criadores de Nelore) e da própria Embrapa. Sem os ganhos de produtividade do melhoramento genético, provavelmente o brasileiro não teria experimentado uma oferta maior de carne bovina. E história do Brasil como maior exportador de carne do mundo poderia ser uma incógnita.
Não por acaso, foi a evolução do nelore criado pela sua família, que levou Ramon a apostar na melhoria genética das tilápias que cultiva. Apesar de ser impossível comparar as criações de peixe e de boi, o melhoramento genético pode impulsionar a produtividade, ganho de peso, reduzir o tempo de produção e aumentar a oferta do produto no mercado.
Para a Brazilian Fish a tecnologia, agora de edição gênica, pode tornar a tilápia mais acessível para os consumidores. A empresa está entre as três maiores do país neste setor, possui duas fazendas de criação, unidades frigoríficas, além de fábricas de ração e até processamento de escamas. E hoje exporta para países como o Japão, um dos mercados mais exigentes do mundo.
Não à toa, nesta semana Ramon está em Boston (EUA), participando da The Seafood Marketplace for North America, mais conhecida no mundo como Seafood Expo North America, um dos principais eventos comerciais voltados para compradores em diversas categorias de mercado, incluindo varejo, restaurantes, catering, serviços de alimentação e processamento.
Por isso, em 2024, com investimento de cerca de R$ 100 milhões, a empresa se juntou com o Center for Aquaculture Technologies (CAT), uma organização de pesquisa americana dedicada a aprimorar a produtividade, eficiência e sustentabilidade na aquicultura, sediada em Los Angeles, nos Estados Unidos, para criar tilápias geneticamente editadas e tornar a espécie a proteína do futuro.
A edição gênica é uma ferramenta do melhoramento genético, que encurta o tempo de seleção dos melhores animais, ao contrário do melhoramento convencional. Embora muitos países já tenham as ferramentas de edição gênica para bovinos, como EUA, Reino Unido, China, Argentina e o Brasil, a técnica ainda não totalmente implementada.
Mas, no caso do peixe, Ramon acredita que a técnica vai revolucionar a tilapicultura, como o melhoramento genético até agora revolucionou a carne bovina, mas em um tempo muito mais curto. Confira o que ele disse na entrevista a seguir:
Como surgiu a ideia de fazer uma tilápia geneticamente modificada?
A minha família está no agronegócio há mais de 40 anos, criando gado nelore, principalmente. E a gente percebe o tanto que o bovino evoluiu por conta de melhoramento genético, e o mesmo pode acontecer com peixes. Eu percebi isso há três anos, quando tive contato com a técnica da edição, com a equipe do CAT.
Lembro que na época pensava “se esse projeto tivesse 10% de sucesso, nós iríamos mudar a história da tilápia no mundo”. E os resultados têm sido positivos. Todo mês uma equipe de cientistas do CAT vêm para a minha propriedade, onde os animais estão sendo editados, para fazermos testes. Se as coisas continuarem assim, esperamos que os primeiros animais produzam e se reproduzam em uma prole ideal para ir para o frigorífico e o consumidor começar a ter essa percepção de redução de preço, no mínimo entre 18 e 24 meses.
Podemos dizer que a edição gênica torna a tilápia em uma super tilápia?
Sim. Estamos criando tilapias para serem melhores em três categorias. A porcentagem de filé produzido, a quantidade de ração que o peixe ingere e o tempo de abate.
Hoje, o rendimento da tilápia é de 33% e queremos aumentar para 42%. Além disso, o peixe consome 1,5 kg de ração para ter 1kg de carne posteriormente. A nossa ideia é reduzir o consumo para 1,2 kg e manter o resultado de carne. Ou seja, o piscicultor vai gastar menos ração para fazer o mesmo peixe.
E agora entra a questão do tempo. Queremos reduzir o período de um ano entre o nascimento e o abate para 10 meses, novamente, gastando menos. Esses três fatores vão fazer com que o peixe seja, no mínimo, 25% mais barato para o consumidor.
A Brazilian Fish é conhecida por criar produtos inovadores na piscicultura, como o mais recente picolé de tilápia. Por que tanto investimento nessa proteína?
Eu me formei em medicina veterinária, mas sempre gostei de tecnologia, de automação, de fazer diferente. Na época que ainda era estudante, fiz um estágio na área de piscicultura e me apaixonei. Foi quando convenci meu pai a incluir o cultivo de peixes na empresa, no Grupo Ambar Amaral. Então, desde que foi fundada, em 2007, a Brazilian Fish é a “maluca do peixe”, porque estamos sempre inovando para tentar aproximar a tilápia do consumidor.
Por isso investimos tanto em biotecnologia, e produzimos filés de tilápia e outros cortes, pratos prontos à base de tilápia, aperitivos, como a coxinha e a pururuca de tilápia, e o picolé. É para tentar tornar a proteína mais acessível. A medicina fala que é um peixe que pode ser consumido todos os dias de tão benéfico que é, mas o brasileiro não come porque é caro.
Quais são os próximos passos da Brazilian Fish?
A gente vai continuar inovando. Por aqui é sempre assim “ah, conseguimos melhorar isso aqui? Conseguimos. Agora vamos ver se dá para o peixe ter ômega 6”. Ou seja, enquanto ainda der para melhorar mais, nós vamos atrás. Por exemplo, teve uma época que tentaram dizer que o Saint Peter era uma tilápia do couro vermelho. Até existe a tilápia do couro vermelho, mas ela não é como o St. Peter. Mas chamou atenção porque visualmente ela é bonita, mas não tem o desempenho que a preta tem.
Então, já pensei “Por que não fazer uma edição gênica na tilápia preta, que tem o desempenho que a gente quer, mas com o couro vermelho?”. Tudo isso para explicar que nós não vamos parar.
Em que pé o Brasil está quando se trata de tecnologia na piscicultura?
O melhoramento genético na piscicultura brasileira não avançou quase nada. O material genético que a gente tem hoje, com a nutrição que é conhecida, não tem mais a entregar em termos de rendimento. Simplesmente não evolui. A genética simplificada até evolui, mas são passos muito lentos.
Existem algumas características dos bovinos que conhecemos e sabemos que será transmitido para a prole. Na tilápia a gente não tem isso. Será que o tamanho do globo ocular tem a ver com o rendimento da carcaça? Não sabemos. Então, para avançar, dependemos de pesquisa, tecnologia e software. Com mais investimento em edição gênica, podemos transformar a tilápia como transformaram a carne bovina.