Meses atrás o mundo foi pego desprevenido pela pandemia causada pelo novo coronavírus. Escolhi o termo “desprevenido” porque, a despeito da profunda surpresa que certamente todos sentimos ao nos depararmos com a abrupta mudança de realidade gerada pela Covid-19 e seus múltiplos efeitos, o fato é que, a nível global, uma situação dessa magnitude não era imprevisível. Pelo contrário, sinais que apontavam nessa direção estavam espalhados nas mais diversas redes e campos de conhecimento.
Apenas para dar alguns exemplos, é possível citar: inúmeros relatórios de profissionais da área de doenças infecciosas indicavam a emergência de um novo coronavírus a partir dos mercados de animais selvagens na China; estudiosos e observadores de futuro desde o começo do milênio já vinham inserindo em seus cenários uma pandemia com essas características; relatórios variados do World Economic Forum e, até mesmo painéis no encontro de Davos, apontavam o risco de pandemias, a falta de preparo do sistema de saúde global e os altos custos decorrentes. Em resumo, não se sabia o timing exato, mas há um bom tempo os sinais de uma catástrofe mundial de saúde estavam ali, cada vez mais fortes e aparentes.
“Como não vimos e ouvimos os sinais? Como evitar que sejamos pegos desprevenidos daqui para frente, diante de um mundo cada vez mais incerto e complexo?”. Essas são perguntas que começam a ser feitas, na medida que os investidores, profissionais do mercado financeiro, empreendedores e executivos reformulam suas premissas e estratégias de investimento considerando esse novo contexto no qual nos encontramos. Aos poucos, está ficando claro que, em um mundo com e pós-coronavírus, pelo menos duas novas lógicas precisarão ser incorporadas às decisões de investimentos.
A primeira lógica é a orientação ao futuro. O futuro é um campo aberto, não-linear, com alternativas diversas de cenários para diferentes horizontes de tempo. Até o momento, o ser humano não foi preparado e treinado para lidar com a complexidade e a incerteza inerentes a um mindset orientado ao futuro, tampouco adquiriu a capacidade de transcender às limitações da mente para imaginar o que o longo prazo pode vir a ser.
O ponto é que, para se avançar e investir no mundo daqui para a frente, as capacidades de captação, interpretação, antecipação de sinais e construção de cenários alternativos de futuro serão cruciais para tomada a decisão de investimentos. Não estou me referindo as previsões ou intuições, mas sim a um campo interdisciplinar chamado estudos/pesquisas de futuro ou foresight, que reúne conhecimentos, abordagens, frameworks para apoiar o desenvolvimento das competências necessárias para profissionais que querem antecipar e moldar futuros. No mundo pós-Covid, a lógica do foresight tenderá a ser incorporada pelas empresas e pelo mercado financeiro.
A segunda lógica é a incorporação das lentes ESG. Nos últimos anos, vem crescendo no mundo os investimentos que levam em conta as dimensões ambiental, social e de governança de forma integrada à análise financeira. Os investimentos sustentáveis já somam mais de US$ 30 trilhões e representam cerca de um terço do mercado financeiro global. A expectativa em relação a esse tipo de investimento é que, ao incorporar novas informações e variáveis, obtenha-se uma visão mais ampla e sistêmica dos riscos atrelados a um ativo e das suas possibilidades de retorno em diferentes cenários, levando à escolha de investimentos mais resilientes.
Resiliência será um atributo cada vez mais valorizado na avaliação e precificação de ativos, na busca de se investir naqueles com maior capacidade de se adaptar e responder diante de incertezas e crises. Uma evidência disso são os números e resultados trazidos em relatório recente da BlackRock, maior gestora do mundo, os quais mostram que durante a pandemia os investimentos sustentáveis têm tido performance melhor que os respectivos investimentos convencionais. A lógica ESG tende a ser um componente do novo normal das análises e decisões de investimento.
Nos próximos anos, essas duas lógicas combinadas tenderão a remodelar a forma de se pensar a alocação de ativos, abrindo caminho para portfólios concebidos a partir de estratégias orientadas ao futuro e ancorados em ativos resilientes.
Marina Cançado é fundadora da Converge Capital e atua no apoio a famílias com grande patrimônio e junto de gestores e multi family-offices na ampliação da oferta desse tipo de investimento no país. Mais recentemente, mergulhou no campo de estudos do futuro. Em 2018, foi reconhecida na lista Under 30 da Forbes Brasil.
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