Na economia digital, dados se tornam o ativo mais importante para o sucesso dos negócios, e, por sua vez, a segurança deles também é uma grande preocupação. Para mostrar a dimensão da relevância dos dados como principal insumo, a publicação inglesa “The Economist”, em mais de uma matéria, já comparou a importância dos dados para a nova economia à relevância do petróleo para a economia tradicional.
Toda a evolução da transformação digital se dá a partir de tecnologias de dados, como Big Data, Analytics e muitas outras. Isso porque os negócios digitais são movidos por informações. Um relatório recente sobre Big Data, feito pela EMC e Capgemini, mostra que 63% dos participantes da pesquisa acreditam que monetizar os dados pode se tornar uma fonte de receita tão relevante para as organizações quanto seus produtos e serviços atuais. E todos devemos ter esse entendimento. Os dados são elementos essenciais para competitividade na nova economia.
Uma das principais formas de monetizar as informações é a criação de produtos e serviços que surgem a partir da sua análise, por isso, a grande preocupação em adquirir dados e protegê-los. Um exemplo bem recente é o anúncio de que o WhatsApp começou a implementar um sistema que permitirá transferências para outras pessoas e pagamentos no cartão de crédito e débito dentro do aplicativo.
Mudanças assim são disruptivas, criam novos modelos de negócio, e, por consequência, tornam-se um desafio para instituições regulatórias do mundo conseguirem acompanhar o ritmo acelerado dessas inovações e seus impactos.
E aqui também cabe o exemplo da atuação do WhatsApp no segmento de meios de pagamento, que movimentou o setor financeiro e chamou atenção do Banco Central (BACEN) e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que pediram a análise do modelo de negócios, já que, cientes da importância dos dados, estão preocupados com o potencial efeito danoso à concorrência e a saúde do segmento como um todo.
Não é de hoje que o BACEN busca formas de regulamentar as plataformas digitais. A atuação do órgão começou no final de 2016, quando avaliou que os marketplaces, aqueles aplicativos que cadastram estabelecimentos comerciais e prestadores de serviço, e os meios de pagamentos digitais (subcredenciadores) representavam um risco sistêmico. Em outras palavras, o BACEN disse que se um marketplace quebrasse comprometeria todo o sistema de pagamentos do Brasil.
Sob este argumento, o regulador obrigou que todos marketplaces e demais subcredenciadores fossem obrigados a compartilhar informações sobre os pagamentos no crédito à Câmara Interbancária de Pagamentos, uma associação em que somente os bancos são associados, além de assinar contratos com as bandeiras de cartão de crédito e credenciadoras que obrigam a nova economia a seguirem as regras desses agentes privados.
A questão é que essa política de grade centralizada institui um arranjo problemático e polêmico, com potenciais riscos para o crescimento da economia digital. Como as bandeiras e credenciadoras que determinam as regras do jogo de cada aplicativo, algumas exigem o compartilhamento de dados estratégicos e sensíveis dos marketplaces e demais subcredenciadores. Nos contratos propostos, tanto bandeiras, quanto credenciadoras, obrigatoriamente teriam acesso às informações dos vendedores e prestadores de serviços cadastrados do marketplace. São informações sobre o perfil desses estabelecimentos, localização e negócio em que atuam.
Se por um lado há o argumento do risco sistêmico, no outro as plataformas digitais têm como um de seus principais ativos justamente esses dados, que são informações valiosas e sensíveis para manter a competitividade frente aos tradicionais agentes do mercado financeiro. Diante disso, há um imenso risco de uso dessas informações de forma anticoncorrencial. E, como na nova economia dados são cada vez mais usados para a criação de novos produtos e serviços, eles são extremamente importantes na estratégia de transformação digital de muitas empresas da chamada economia tradicional, que no cenário atual têm a necessidade de se reinventar rapidamente por verem que alguns produtos e serviços, como é o caso das credenciadoras, aquelas empresas que vendem maquininhas de cartão, serão cada vez menos usados.
Esse não é o único ponto de discussão, mas talvez seja o ponto mais crítico, já que o sistema financeiro brasileiro é um dos mais verticalizados do mundo. Em relatório divulgado no ano passado pelo Banco Central, as cinco maiores instituições do país, o Banco do Brasil, o Itaú Unibanco, o Bradesco, a Caixa Econômica Federal e o Santander, respondem por 84,8% das operações bancárias do país. Além disso, o setor financeiro brasileiro é cada vez mais verticalizado porque esses conglomerados atuam também em diversos outros segmentos, como seguros, cartões de crédito, vale alimentação e credenciamento de estabelecimento (maquininhas), entre outros.
Porém, esse cenário pode mudar, e a chegada de marketplaces e fintechs, que trouxeram aos consumidores opções de produtos e serviços financeiros mais baratos e eficientes, está começando a gerar preocupação dos grandes conglomerados. Esses entrantes no mercado têm características da nova economia, que são agilidade e inovação no DNA, e isso faz com que eles tenham muito potencial para mudar essa concentração bancária e a verticalização.
E para garantir a competitividade do setor, a Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O), que representa marketplaces e subcredenciadores, recentemente notificou a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) ressaltando as possíveis práticas anticoncorrenciais das credenciadores e bandeiras. O movimento resultou na abertura de um procedimento preparatório de Inquérito Administrativo no CADE para investigar o caso. É muito importante que todos os principais agentes do ecossistema digital do país se mobilizem para participar do caso.
Seria interessante também que o BACEN e, especialmente o CADE, analisassem se realmente esses marketplaces e meios de pagamento digital representam de fato um risco sistêmico, se o desenho regulatório proposto não favorece ainda mais a concentração e verticalização do sistema financeiro brasileiro e se não há outras medidas que garantam a concorrência em um segmento tão caro para incluir nosso país na economia do futuro baseada em dados.
Há diversas soluções sendo discutidas entre as plataformas digitais: a liquidação obrigatória em uma conta que garanta a separação dos recursos próprios dos prestadores de serviço de pagamentos daqueles recursos de propriedade dos estabelecimentos sem a necessidade de liquidar pela Câmara Interbancária de Pagamentos, de propriedade dos bancos; o estabelecimento de níveis de certificação aos subcredenciadores por auditoria independente especializada em lavagem de dinheiro; o envio das informações dos estabelecimentos comerciais diretamente para o BACEN ou para um associação imparcial e isenta; e a análise e aprovação pelo órgão regulador dos contratos impostos aos marketplaces e fintechs. Caso contrário, veremos cada vez mais concentração econômica. Ganhar mercado no campo da regulação não pode ser uma opção para o Brasil.
Vitor Magnani é presidente da Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O) e do Conselho de Comércio Eletrônico da Fecomercio/SP. Professor da FIA e especialista em Relações Institucionais e Governamentais para ecossistemas inovadores
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