Desde que se noticiou a existência da Covid-19, a (des)influência nas redes sociais se tornou mais evidente do que nunca.
Com a Covid-19, perdemos 1,77 milhão de vidas, 495 milhões de trabalhos, 55 países se encontram em crise alimentar e 183 milhões de pessoas se encontram vivendo em situação de insegurança alimentar aguda. Com os conflitos pré-existente e novos, e contínuas perseguições, bateu-se o recorde de 80 milhões de pessoas forçadas a se deslocarem de suas casas. Prevê-se que em 2021 o número de pessoas deslocadas no mundo será de 97,3 milhões.
Em relação à violência doméstica, acredita-se que houve um aumento de casos em 20% ou mais, estatística difícil de alcançar exatidão, uma vez que permanecer em quarentena junto de seu abusador, dificulta e até mesmo impossibilita a denúncia.
Quando o assunto é desigualdade social e racial, estas foram escancaradas durante a pandemia, não só no Brasil, mas nos EUA e na Europa. A mortalidade da pessoa preta é muito mais alta antes e durante a pandemia, do que a da pessoa branca. No Brasil a cada 10 pessoas que relatam sintomas do vírus, 7 são pardas ou pretas. Necessita-se considerar as determinantes sociais e de saúde, uma vez que a população preta e periférica tem acesso e condições de saúde muito mais precárias que a população branca. Além do mais, é a maioria da população preta que trabalha em condições precárias, não podendo fazer “home office” tendo que sair de suas casas para ganhar o pão de cada dia, usando o transporte público inadequado. Sobretudo, neste ano, a população preta não somente lidou com uma pandemia, mas se viu forçada a lidar e encarar o preconceito racial daqueles que mais lhe devem proteção.
Esses foram alguns dos fatos potencializados pela Covid-19. Fatos que nem um dia se quer, ao acessar as redes sociais, pude identificar na realidade exposta por perfis da grande maioria dos influenciadores digitais. Nem uma conversa, um incentivo ou compartilhamento responsável por parte deles. Com centenas de milhares à milhões de seguidores, eles continuam vivendo suas vidas como se não exercessem influência alguma, ou melhor, influência com responsabilidade alguma. Se o ano de 2020 foi duro para o mundo, para os (des)influencers nada mudou. Repetitivamente, como se vivessem no filme “O Show de Truman” (sem a parte em que finalmente descobrem viver uma realidade forjada), compartilharam incessantemente posts sobre os assuntos unânimes dentre as mídias sociais: o corpo, o look, a maquiagem, a casa, o carro e as variadas “publis”.
Sabemos que estes são alguns dos tópicos escolhidos por influencers como trabalho e eu mesma me interesso por alguns deles, mas o momento em que vivemos pede mais de nós, pede mudança e pede a inversão de prioridades. E a prioridade agora é o senso comum, ou melhor, o senso incomum, o senso crítico. Porque afinal o senso comum associa-se aquele conhecimento que não passa por reflexão, sendo aceito pela maioria das pessoas sem questionamentos. E é exatamente isso que a gente precisa mudar, precisamos priorizar o que realmente importa, o que realmente tem valor, ser audiência de influências positivas, influências que abrem as portas para a reflexão e questionamentos ou que simplesmente se doam, sem filtros. Influências para o bem e para o que é de verdade.
Com tudo que vivemos em 2020 tive a esperança que a (des)influência viraria influência, que os looks tomariam seu lugar após um compartilhamento real e necessariamente alarmante sobre a situação que enfrentamos, que os corpos sarados aguardassem um pouco para antes dar o exemplo de saúde básica e conduta social na era do vírus, ou que uma mensagem de coragem e afeto pudesse vir junto com a dica de como arrumar o cabelo.
O mundo dos (des)influencers está restrito a eles e mais nada. Como já ouvi de alguns “o mundo tem problemas demais, aqui quero fazer as pessoas felizes”. O que talvez não se entenda é que a felicidade reside em viver e lidar com a realidade, e esta é composta de verdade, por mais dura que essa possa ser. Pensar que em meio a uma pandemia, em que milhões de pessoas estejam sofrendo, carentes de empatia e solidariedade, estas estejam recebendo conteúdos impiedosamente fabricados para uma inatingível realidade forjada, isso sim é um grande problema, e isso não é “fazer pessoas felizes”, mas sim infelizes e insatisfeitas, e com questões seríssimas relacionadas a saúde mental, como a distorção da autoimagem, depressão e ansiedade.
2020 foi o ano do vírus, mas 2021 será o ano da vida, da cura. Se vacine, fique imune, não somente contra o vírus, mas contra toda essa (des)influência digital. Para 2021, eu desejo a todos senso crítico, reflexão e autoconhecimento. Que você possa achar em você mesmo a influência que busca no outro, que você seja a mudança que espera encontrar ao correr os dedos pela tela do seu celular, que você invista seu tempo na sua própria vida, na sua felicidade, na sua educação e na sua saúde e bem-estar. Que você seja a sua própria versão de sucesso.
Roberta Alimonda é advogada, ativista dos direitos humanos, mestre em Resolução de Disputas Internacionais (MIDS L.L.M) pela Universidade e Instituto de Pós-Graduação de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento de Genebra (IHEID)
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