Este tem sido o chamado. Porque 2021 começou há pouco, mas já revelou sua intensidade arrebatadora. A aceleração é tamanha que se tornou clichê. Em meio ao caos, a decisão de deixar as demandas espernearem como crianças que resistem ao sono no meio da noite veio primeiro por intuição de sobrevivência: é preciso urgentemente buscar a tranquilidade. Precisamos correr para parar.
Ou nos tornaremos menos relevantes que robôs vivendo no piloto automático. Obedecendo convites de zoom como se fossem chefes do século passado.
Criar é empreender – e vice-versa. Que para isso é preciso ter atitude, disposição, fazer, fazer e fazer, está claro.
Mas empreender é também sobre silêncio, tempo sem ponteiros e agenda vazia. Sobre isso não ouço falar muito. Até porque é preciso falar menos para escutar vozes dissonantes.
Frear quando se está em alta e crescente velocidade é quase um ato de rebeldia. De resistência. De militância em defesa dos princípios de um trabalho de qualidade e inteligência.
Mas se você quer que sua empresa continue viva e relevante, ouso dizer que vai ter que rever seus conceitos e prioridades.
Aqui no Atelier, decidimos ser rebeldes – e traçamos um plano. A ideia era parar, repensar, reorganizar e colocar todo o time em um ambiente de segurança psicológica e foco.
Mas com tanta coisa pra fazer, vamos mesmo parar, desacelerar, respirar? Não é loucura? Irresponsabilidade?
As primeiras resistências são mentais. A lógica reluta. Lembre da criança sem sono e vá em frente.
Se for esperar pelo contexto favorável para fazer uma pausa na rotina, meu palpite é que ela não vai acontecer nas próximas décadas – como muitas outras coisas na vida da sua empresa. É como esperar pela vontade de praticar esportes. Ela simplesmente não costuma vir, você é que decide fazer o que te faz bem, a despeito da falta de vontade e de tempo, e segue a disciplina.
Então, fizemos testes de Covid em todos os participantes para garantir a máxima segurança e partimos para o interior de São Paulo em direção ao que se tornou a primeira edição da Casa Criativa.
O propósito estava claro, mas a dinâmica foi se lapidando na prática.
A Casa Criativa é um “superagile”. O método de planejar, desenhar, desenvolver, testar, comunicar e ter o feedback ao final – que se tornou popular em grandes organizações em busca de inovação – aplicado de maneira concentrada: em uma semana, com a equipe toda reunida dentro de uma casa espaçosa e aconchegante, em meio a uma paisagem gostosa.
A programação se resume a mergulhar em 3 grandes temas – várias horas seguidas dedicadas a cada um. Trabalho e diversão em equipe. Conversas, planejamento, desenhos de processos, desenvolvimento de ideias, experimentações, apresentações, feedbacks. Tudo isso, sobre a grama e sob o sol, em volta da mesa farta ou onde mais desse vontade.
Entre uma coisa e outra, a regra é: faça o que precisa ser feito e, o máximo possível, entregue-se ao nada sem culpa. Fique à beira da piscina, tomando um suco e contemplando a paisagem. Monte um quebra-cabeça. Ou, sei lá, puxe um assunto aleatório com a pessoa do trabalho com quem não encontrava pessoalmente havia meses. Reflita, sobre qualquer tema, sem ter que chegar a nenhuma conclusão.
Os respiros nos fazem render mais quando voltamos ao cotidiano do trabalho. Uma parada pode ser muito mais produtiva para desatar um nó no processo do que ficar empacado ou empacada numa etapa. Quando retornamos depois de um intervalo, somos capazes de olhar as mesmas questões sob novas perspectivas.
O método é uma combinação de conceitos já conhecidos. Um revival de: 1) foco no assunto, sem dispersão, e 2) o bom e velho ócio criativo. Simples, né?
Como quase tudo o que é simples, o difícil é fazer. Daí é que entra a importância da determinação e do ambiente. De ter uma casa com espaço que convide à interação e à reflexão. De ir mesmo que isso pareça incabível. Acredite: irresponsabilidade é se deixar engolir pelas demandas de um dia a dia insano e limitar a criatividade.
Balanço da Casa: paramos uma rodada e avançamos dez casas.
Quanto mais urgência na vida, mais urgente é parar. Porque o mundo não vai acabar todo dia às sete da noite, embora pareça.
Quem aguenta viver sem tempo pra desconectar e reconectar? O que se cria sem espaço para uma respiração profunda? Não à toa, inspiração tem esse nome.
A Casa Criativa é uma resposta a perguntas como essas. Entra à força no calendário para trazer suavidade. Quando acaba, deixa a lembrança da parada para respirar. A partir da experiência, vamos, aos poucos, aprendendo a nutrir, em meio à rotina, a tal atenção plena. A calma sem lerdeza. O ritmo sem ansiedade. A energia sem desperdício. O foco sem o bitolamento. O trabalho fica mais divertido e, ao mesmo tempo, efetivo. Resultados chegam mais rápido com menos desgaste.
As empresas talvez não possam morar 365 dias por ano numa Casa Criativa, mas estou convencida de que a Casa Criativa pode morar dentro de qualquer empresa que queira levantar os olhos da confusão e enxergar além.
Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo”, co-organizadora do “Fora da Curva 3 – unicórnios e start-ups de sucesso” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional. Praticante de ashtanga vinyasa yoga, considera o autoconhecimento a base do empreendedorismo.
Siga FORBES Brasil nas redes sociais:
Facebook
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn
Siga Forbes Money no Telegram e tenha acesso a notícias do mercado financeiro em primeira mão
Baixe o app da Forbes Brasil na Play Store e na App Store.
Tenha também a Forbes no Google Notícias.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.