Se eu soubesse o trabalho que dava, provavelmente não teria começado. Esta frase vale para muita coisa. Por exemplo, para o apartamento novo, que justamente foi comprado porque estava pronto para morar, mas meu marido e eu nos deixamos levar pelo “já que” e, quando demos conta, estávamos no meio de uma reforma. Vale para a decisão de escrever um livro. Ou de abrir mão de um emprego para empreender. Isso não significa que hoje eu não faria tudo de novo. Faria. Porque junto com as encrencas surpreendentes, vieram também prazeres e conquistas muito além do que podia ser calculado previamente.
Estou concordando com a Camila Achutti, fundadora da Mastertech e uma referência global em liderança feminina na tecnologia, ao refletir sobre a decisão de abrir uma empresa: “A conta nunca fechou. E eu não acho que ela fecha” – como escreveu recentemente em seu Instagram e reforçou no papo que tivemos na Fundação Estudar. Ao dizer isso, ela não está falando de dinheiro, mas de uma decisão que, a despeito de quanto dinheiro venha a gerar, em essência, “não é racional”.
Se passar tempo demais nas contas, nos planos, nos cálculos, nas apresentações, me arrisco a dizer que não vai tão longe quanto poderia. Simplesmente porque não dá para prever o que acontece depois de amanhã antes de viver o amanhã e toda a transformação que ele vai trazer.
Por isso eu sou tão encantada com o ashtanga vinyasa yoga (não estou mudando de assunto, você vai ver). Cada postura da sequência vai te preparando para a próxima. Se assistir à prática completa antes de começar a aprender, é provável que muitas posições pareçam impossíveis. Se pensar que um dia será preciso fazer aquilo, não me surpreenderia que desistisse de praticar antes mesmo de começar.
Este é o ponto: de quanta coisa a gente desiste sem perceber que está desistindo? Porque, consciente ou inconscientemente, nos convencemos de que a conta não fecha e, portanto, deve ser evitada. Mas as melhores coisas da vida não são as incalculáveis? As inusitadas? As que nos exigem crescer de um dia para o outro para dar conta de tanta intensidade?
Nos primeiros meses da minha empresa, no início de 2016, eu estava maravilhada com o quão boa minha rotina havia passado a ser. Isso também não aparecia na conta prévia, cheia de receios e precauções. Não que antes meu dia a dia não fosse divertido. Eu adorava trabalhar nas revistas em que trabalhei. Até por isso me surpreendia e celebrava a diversão intensificada depois de me atirar no universo do empreendedorismo.
Montar o seu negócio é ter a liberdade de colocar em prática o que acredita ser o melhor, nas pequenas e grandes decisões – e assumir a responsabilidade por isso. Vendo minha euforia na nova vida, meu terapeuta me alertou que os dias difíceis, chatos, desafiadores também logo voltariam a fazer parte. Porque a vida é assim.
Claro que em poucos meses, comprovei que ele tinha razão. Lembrei disso na semana passada, quando tive um dia especialmente exigente. Acordei querendo chegar ao final dele. Para piorar, perdi a hora, o que me fez começar de mau humor. Respirei fundo e foquei. Não havia tempo para desperdícios, nem mesmo com cara feia. A maravilha do autoconhecimento é reconhecer os estados internos, seus gatilhos externos e mudar manualmente a chavinha. Sorri intencionalmente até que, lá pelo começo da tarde, se tornasse natural. Fiz uma atividade por vez, lembrando de agradecer mentalmente as oportunidades e de prestar a atenção ao momento presente toda vez que a cabeça queria remoer ou adiantar os ponteiros.
O peso da responsabilidade que tenho hoje é muito maior do que eu seria capaz de prever (e desejar assumir) anos atrás. Da mesma forma, a satisfação que sinto no trabalho supera qualquer alta expectativa que eu poderia ter criado. É de uma natureza mais consistente do que a euforia inicial, uma sensação que, naquela época, eu ainda não conhecia.
Sonhar é fundamental. Mas realizar, sim, é transformador. Só a experiência é capaz de nos revelar nossas reais potencialidades. De nos preparar para o desafio e para o sucesso que vêm a seguir – do tamanho que eles podem ter e que muitas vezes a visão não alcança. Ainda.
Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo”, co-organizadora do “Fora da Curva 3 – unicórnios e start-ups de sucesso” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional. Praticante de ashtanga vinyasa yoga, considera o autoconhecimento a base do empreendedorismo.
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