“Quando dá problema, pode reparar: ou é ego ou é comunicação”. O diagnóstico veio de uma amiga, que observa o comportamento humano, primeiro, por vocação. Depois, por profissão. Fiquei dias pensando sobre isso. Não era a primeira vez que algo assim me fazia refletir. Quando resolvi abrir uma empresa, me baseei em uma hipótese empírica: todos os problemas e soluções, das pessoas e organizações, passam por comunicação. Talvez minha amiga esteja certa e alguns tenham mais a ver com ego. Mas será que até esses não podem ser dissolvidos com uma boa comunicação?
Com os anos, comprovei a hipótese. Comunicação é como o conjunto das veias que leva o sangue, o oxigênio e os nutrientes de um lado para o outro nos organismos. Se há obstrução ou contaminação nessas passagens, dá problema. Ruídos. Mal entendidos. Chateações. Prejuízos. Enfim, tudo o que faz parte do dia a dia de uma empresa. Tanto mais quanto maior ela for.
Uma comunicação mal feita ou a falta dela, pouco a pouco, vai drenando a vitalidade de uma companhia. Deixando-a confusa, apática, sem energia. Até se perder na multidão. Se não tiver socorro, a morte é o caminho natural.
Pode parecer dramático, mas não é exagero. Olhe com honestidade ao redor.
Uma comunicação efetiva não se resume a processos institucionais bem cumpridos, como comunicados internos, newsletters, redes sociais corporativas. Ela começa e termina na maneira como as pessoas se relacionam no cotidiano. Na cultura praticada na empresa. Mais do que na live do presidente, está no exemplo informal das lideranças. E passa necessariamente pelos aspectos a seguir.
1.Escutar. Mas escutar mesmo. Em silêncio e evitando se contaminar por preconceitos mentais. Ouvir o que se fala, prestar atenção ao ritmo, ao tom de voz, aos gestos, à expressão facial. Somos todos humanos e intuitivamente captamos mais do que sabemos explicar se estivermos de mente aberta.
2. Fazer perguntas. Para entender a fundo o que é dito, é preciso tirar dúvidas. Investigar detalhes. Conectar uma ponta que parece solta na história. Perguntas simples costumam ser as melhores (“por quê?” é um bom exemplo). Não importa o quanto as perguntas pareçam desviar do assunto principal. Esqueça o objetivo final da conversa e se entregue ao exercício de compreender seu interlocutor.
Um diálogo atento e comprometido é coisa rara de se ver. O mais corriqueiro são pessoas ansiosas para concluir o que está sob sua responsabilidade (na melhor das hipóteses), com a mente barulhenta de julgamentos e próximas frases. No automático, somos habituados a fazer sinal positivo com a cabeça, esperando nossa vez. Não há escuta possível assim.
E, sem escuta, não se constrói laços.
3. Decifrar a mensagem dentro do contexto. Se conseguir escutar o que está sendo dito, o próximo passo é entender o significado para a pessoa que fala, no contexto. É preciso conhecer minimamente seu repertório para entender o que as palavras significam para ela – não necessariamente para você.
Entender a perspectiva do outro é uma vantagem competitiva. Porque isso dá pistas sobre os problemas que serão criados em seguida – e, portanto, podem ser evitados.
Um dos primeiros clientes que tivemos nos ensinou muito sobre a comunicação distorcida. Falávamos com vários interlocutores da mesma empresa e, frequentemente, um pedia algo que ia na contramão do que o outro queria. Fizemos imersões, tomamos cafezinhos, ouvimos histórias de vida, criamos relações, passamos a ouvir desabafos – e, no meio de um monte de coisa aparentemente desconectada do nosso trabalho, passamos a entender de onde vinham os comandos paradoxais. Cada um atendia a uma agenda. Sem criar pontes, estaríamos trabalhando para indivíduos, e não para a empresa.
4. Refletir. Pensar. Respirar. Não responder imediatamente. Digerir. Elaborar. Discernir. Depurar. Leva alguns instantes, às vezes alguns dias. Atenção: não é enrolar, marcar uma reunião para dali a uma semana e voltar para o assunto já sem saber onde parou. É se dar tempo para absorver a conversa, assimilar e compreender melhor. Responder rápido nem sempre é sinal de eficiência. É incrível o poder de uma simples reflexão. Fichas caem. Você de repente sabe qual o próximo passo. Às vezes, mandar um e-mail (ou não mandar um e-mail). Incluir alguém mais na conversa. Mudar a abordagem. Geralmente as revelações são simples, mas essenciais.
5. Passar a mensagem proativamente. Entendendo melhor o outro e o contexto, falar deixa de ser uma simples transferência de ideias e responsabilidades, e pode ser chamado de comunicação, de fato. Para isso, a abordagem importa. Ter delicadeza para se aproximar – seja pessoalmente, por mensagem, por e-mail. Saber que estamos sempre interrompendo algo é fundamental. Chegue com cuidado, com educação. Pergunte como o outro está, escute a resposta. Coisas básicas, que muitas vezes pulamos no dia a dia. “Pra otimizar o tempo, em vez de ficar esticando o assunto”, me disse uma colega de trabalho. Seria um ótimo argumento, se funcionasse. O problema é que não otimiza. Tumultua.
Escolher intencionalmente as palavras, o tom de voz, o jeito de falar, levando em conta o público e o contexto, não é tempo perdido, é problema evitado.
Pensar em tudo isso em cada interação cotidiana é trabalho para uma vida. Mas considerando que todos os problemas – e soluções – passam por comunicação e quanto tempo se desperdiça pela ausência dela, será que não vale a pena a dedicação?
Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo”, co-organizadora do “Fora da Curva 3 – unicórnios e start-ups de sucesso” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional. Praticante de ashtanga vinyasa yoga, considera o autoconhecimento a base do empreendedorismo.
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