Quase 50 anos depois da criação do Dia Mundial do Meio Ambiente, vivenciamos uma pandemia que colocou os investimentos sustentáveis em outro patamar. Não obstante a todas as crises derivadas da Covid-19, em 2020, a agenda ESG bateu vários dos seus recordes.
Atualmente são mais de 3 mil investidores institucionais e gestoras de investimento ao redor do mundo que se tornaram signatários do PRI (Principles for Responsible Investment), comprometendo-se a incorporar os fatores ESG em suas políticas e processos de investimento e a ter pelo menos 50% dos ativos sob gestão aderentes a eles. No que se refere a montantes, uma pesquisa recente do JP Morgan mostra que, em 2020, chegamos a cerca de US$ 45 trilhões de investimentos no mundo realizados com algum nível de análise e integração ESG.
A despeito dos diversos compromissos assumidos por diferentes atores do mercado financeiro e dos valores bastante significativos que esse mercado conquistou globalmente, há uma série de dúvidas sobre o potencial de retornos superiores e a real capacidade desse tipo de investimento acelerar mudanças e gerar impacto positivo de fato.
Não é à toa que, com frequência, nos deparamos com matérias e pesquisas que sinalizam a intenção dos investidores em alocar parte relevante de seus portfólios em investimentos que consideram os fatores ESG ou que buscam gerar impacto socioambiental positivo. Todavia, quando aprofundamos e analisamos as posições das carteiras de investidores de diferentes tamanhos vemos que, na realidade, um volume muito pequeno já está sendo alocado em fundos de investimento dedicados ou com algum tipo de integração ESG.
Especificamente no Brasil, onde ainda estamos anos de distância da consciência, conhecimento e prática desenvolvidos em outras regiões do mundo, tenho observado que o fato de não termos todos os dados nem todas as respostas – o que é comum, ainda mais, em campos que ainda estão em construção – tem gerado uma paralisia enorme e dificultado a conversão do discurso para a ação.
O ponto é que só vamos aprender e obter respostas mais sólidas sobre os potenciais e limites ESG para o risco, retorno e impacto por meio da experimentação.
Experimentos são desenhados para testar determinadas hipóteses e, para isso, utilizam parâmetros e são conduzidos num ambiente seguro no qual o risco é controlado. Com base na minha experiência acompanhando e apoiando investidores, estou propondo 4 passos para o ajudar a conduzir seu próprio exercício de experimentação em relação aos investimentos ESG.
Se você é um investidor que quer ter uma visão cada vez mais ampla e profunda da realidade, a fim de tomar melhores decisões de alocação, ou ainda, se você acredita no potencial dos investimentos e das empresas de construir um futuro positivo, vale a pena seguir os passos abaixo, montar seu experimento e testar por si mesmo se os investimentos ESG são capazes de entregar os resultados que você busca.
Passo 1 | Tenha clareza das suas motivações para definir as premissas que você quer testar.
Por que você está pensando ou buscando fazer investimentos sustentáveis? As principais razões que têm redirecionado as alocações tradicionais para ESG-Impacto são:
A) Melhorar a gestão de risco e obter retornos superiores no longo prazo
Cada vez mais os investidores se dão conta de que, por um lado, os fatores ambientais, sociais e de governança têm o potencial de implicar em perdas se não forem antecipados e mitigados, de outro, podem ser fonte de vantagem competitiva das empresas a longo prazo. Por isso, uma série de estudos – inclusive feitos durante a pandemia – trazem evidências de que a performance ESG de uma companhia ou a forma com que as dimensões ESG são incorporadas ao processo de investimento de um fundo podem levar a um gerenciamento de risco mais assertivo e retornos superiores a longo prazo.
B) Alinhar seu portfólio com seus valores e futuro preferido, sem perder rentabilidade
Um grupo cada vez maior de investidores acredita que pode fazer a diferença no mundo por meio das suas escolhas de consumo e de investimento, e, portanto, quer alocar seu capital de acordo com sua visão de futuro. Isto é, não quer investir em determinados setores ou empresas que não tenham certas práticas, e deliberadamente busca produtos que combinem retorno com impacto positivo. A tentativa de alinhar as escolhas de investimento com as causas e preferências individuais ou familiares é uma das principais forças dessa nova forma de se pensar as decisões financeiras.
Qual dessas duas motivações é a principal quando você considera analisar e fazer investimentos ESG?
Passo 2 | Procure e estude opções de investimento alinhadas as suas motivações.
Existem diferentes formas de se incorporar os fatores ESG ou o olhar para impacto socioambiental na forma de se investir, principalmente, quando se fala de gestoras e fundos. Alocar em um produto que não entrega o que você busca nos investimentos ESG provavelmente irá gerar frustração. Por isso, elenquei dicas de pontos de partida dependendo do que o move.
Se sua principal motivação para investir em ESG é reduzir riscos e obter performance superior no longo prazo:
Uma sugestão é começar a investir em fundos com estratégias sólidas de integração ESG na análise fundamentalista. Isto é, gestores que avaliam as dimensões ESG e as utilizam para ponderar a exposição de determinada posição no portfólio ou para calibrar o custo de capital ou outras variáveis dos modelos de valuation.
Também há os fundos que ativamente buscam as melhores empresas em termos de performance ESG, ou seja, possuem a convicção de que as empresas com esses atributos têm mais capacidade de se adaptar e continuar competitivas no longo prazo.
Outra possibilidade é optar por gestoras com estratégias claras de engajamento, ou seja, que utilizam sua força para votar nas assembleias, participar de conselhos e comitês, com intuito de pressionar as investidas a avançarem nessa agenda. No Brasil, a prática do engajamento está apenas começando, mas existem várias opções de fundos de gestoras internacionais reconhecidas por esse tipo de prática.
Em todos os casos, para escolher entre as diversas opções de fundos e gestores, é importante aprofundar e entender o processo de investimento de cada um, a abordagem ESG definida e como se dá a integração ESG de fato.
Se sua principal motivação para investir em ESG é obter alinhamento entre seus investimentos e seus valores e visão de futuro, sem perda de rentabilidade:
Provavelmente, você tem uma visão clara dos setores ou das práticas que não tolera, e dos temas e impactos que gostaria de fomentar. Uma sugestão é colocar todas essas suas preferências e/ou restrições no papel, a fim de utilizá-las como parte do seu processo de decisão na seleção de fundos e gestores.
Em seguida, um caminho é começar analisando as políticas e eventuais filtros de inclusão ou exclusão dos fundos ESG aos quais você tem acesso, a fim de identificar quais deles estão alinhados com a sua régua de valores e preferências individuais. Muitas gestoras que estão na jornada ESG já possuem documentos explicitando sua política e processo ESG no site. Caso não encontre, vale pedir ajuda para seu assessor/banqueiro/advisor ou ainda entrar em contato com a gestora e pedir um material detalhado.
Uma outra forma é começar buscando fundos dedicados a questões sociais ou ambientais que são importantes para você. Por exemplo: um veículo que só investe em empresas com alta participação de mulheres na liderança; uma estratégia focada em empresas que estão ativamente contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas; e assim por diante.
Se você tem a possibilidade de fazer investimentos em private equity e venture capital, há uma série de fundos com teses claras de impacto socioambiental com os quais você pode ser conectar.
Passo 3 | Defina seu ambiente seguro e comece a testar de forma controlada.
Agora que você já sabe qual tipo de investimento ESG-Impacto procurar com base nas suas motivações, é hora de definir o melhor jeito de testar.
Você pode iniciar substituindo um investimento tradicional em uma classe de ativo escolhida por um ESG, sem mexer na estrutura da carteira. Por exemplo, trocar um fundo de ações tradicional por um fundo de ações com integração ESG, mantendo o mesmo % de exposição a renda variável.
Uma outra possibilidade é separar um % do seu portfólio para experimentação, ou seja, um montante para você testar diferentes abordagens de investimentos ESG ou alocações em classes de ativo diversas.
O importante é encontrar o primeiro passo viável – por menor que seja – e se colocar em movimento.
Passo 4 | Acompanhe os resultados. Siga testando e aprendendo.
Como estamos falando de experimentar para avaliar e aprender, é fundamental acompanhar, comparar, refletir e pivotar, se necessário.
Fique de olho nos resultados dos seus investimentos ESG e os compare com os tradicionais. Analise os relatórios, participe de calls com as gestoras ou peça mais insumos para seu assessor/banqueiro/advisor. Observe se os investimentos ESG estão entregando o que você espera.
Lembre-se que tempo é uma variável chave em qualquer investimento, ou seja, quanto mais longo o horizonte de tempo, mais conseguimos ter clareza do comportamento de determinada alocação.
Se necessário, mude e continue experimentando até chegar em alternativas satisfatórias para suas necessidades.
O campo das finanças sustentáveis só vai se desenvolver, aperfeiçoar e amadurecer se nós toparmos construí-lo no caminhar. Espero que esses passos o ajudem a ingressar nessa jornada de descoberta do que seus investimentos podem fazer por você e pelo planeta.
Marina Cançado é sócia da XP Inc. e head de Sustainable Wealth da XP Private, fala sobre ESG. Foi reconhecida como Forbes Under30 em 2018.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.