Lembro de ouvir minha avó falar que na época dela aconteciam curras de mulheres que ficavam até mais tarde na rua ou que estivessem vestidas com roupas curtas; que essas coisas só aconteciam quando a mulher deixasse. Vovó não falava isso com o tom de concordância, ao contrário: ela amaldiçoava cada um que tivesse agido com violência contra uma mulher.
Minha avó sempre teve grandes raivas e frases que falava sempre, demonstrando suas frustrações: ela queria ter tido uma carreira artística, que lhe foi proibida; ela queria ter estudado mais, o que lhe foi proibido; ela queria ter o próprio dinheiro, lhe foi proibido; ela queria ter a liberdade que o marido tinha, lhe foi proibida. Era nítido que ela era uma mulher que havia sido trancada numa jaula, causando-lhe grandes dores emocionais.
Isso sempre me impactou. Eu ficava me perguntando como é que alguém tinha a audácia de proibir outra pessoa de fazer algo?! Como alguém se sentia no direito de currar uma mulher porque ela estava andando à noite na rua escura?! Como que a vovó, que é adulta, não era uma pessoa livre?! Com certeza, essas foram as primeiras inquietações que me levaram a ser a mulher que sou hoje: um touro não se deixando domar. Às vezes, sinto que pulo e me armo diante da sombra de algo ou alguém me controlar. É reflexo. Pra mim, esse é o maior perigo.
Tanto trabalhei pela minha liberdade e qual não foi minha tristeza ao detectar os diversos controles que ainda sofremos no mundo. Não se enganem! O movimento de libertação da mulher caminhou, estamos atentas, combativas, mas nossos corpos ainda não são nossos. Nós ainda precisamos provar quando somos vitimas de um abuso; nós ainda precisamos provar que ao acusarmos um homem de estupro, não queremos o dinheiro dele. Por outro lado, hoje, pelo menos, gritamos e mudamos pequenas coisas. São pequenos detalhes que somados nos jogam pra frente e pavimentam uma nova realidade para as futuras gerações.
Minha avó gostaria de ver o que acontece hoje. Ela ia ficar satisfeita ao ver a movimentação feminina contra advogados ou juízes que humilham mulheres, fragilizando-as. E que num caso de estupro, importa o respeito à mulher que denuncia. Ela foi abusada, até que se prove o contrário. E é isso!
E precisa ser assim para todas as mulheres que chegarem à delegacia para fazer um B.O de estupro, abuso ou assédio. Não dá mais para termos que responder sobre a roupa que usávamos, se bebemos, se consentimos de alguma forma, se nossas fotos no Instagram são sensuais, se postamos fotos com “dedinho na boca”. Essa será sempre a revolta. O fato de existirmos não pode ser um problema para o mundo.
E, vocês, homens: por favor, precisamos de vocês na luta por respeito! Vocês são os donos do mundo e podem modificar regras culturais para que possamos existir com mais tranquilidade e paz. Posso contar com vocês?
Sororidade sempre.
Suzana Pires
Primeira atriz também autora de novelas do Brasil, a empresária e empreendedora social Suzana Pires é formada em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), em showrunner na MediaXchange, em Los Angeles, e em empreendedorismo pelo Empretec Sebrae SP. Depois que começou a escrever a coluna Dona De Si, em 2017, surgiu a ideia de criar o Instituto Dona De Si, com o principal objetivo de acelerar talentos femininos. Atualmente, segue como atriz na Rede Globo de Televisão e como autora cria projetos para players nacionais e internacionais através da marca Dona De Si Conteúdos.
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