Uma das maiores satisfações de trabalhar em empresas multinacionais é, sem dúvidas, a possibilidade de conhecer e colaborar com pessoas do mundo todo. Como brasileiro trabalhando em vários países nos últimos seis anos, eu tive sorte de poder colher os benefícios dessas trocas, e gosto de pensar que também contribuí com o desenvolvimento dos colegas que encontrei no caminho.
Com um número maior de brasileiros assumindo cargos de senioridade internacionais em empresas de tecnologia, como Cristiano Amon, na Qualcomm; Ana Paula Assis na IBM; e Rodrigo Kede, na Microsoft, frequentemente me perguntam o que eu acho do que se costuma chamar de “tempestade brasileira” entre executivos globais. Vou apresentar aqui algumas das minhas reflexões sobre o tema da “brasilidade” e sobre liderança e propósito, que acredito irão ressoar com muita gente ao redor do mundo.
Como um amante de futebol, acho que me ajuda usar o esporte para ilustrar como eu me sinto sendo um brasileiro em um jogo mundial. Enquanto o futebol jogado no Brasil mistura proezas e movimentos técnicos que enlouquecem multidões, o estilo europeu toca menos bola e foca mais no ataque. Essas diferenças de estilo, de certa forma explicam por que alguns jogadores brasileiros que são um grande sucesso em casa não marcam um único gol quando jogam em times da Premier League.
Pessoalmente, eu vejo o Kaká como um jogador que conseguiu se superar na carreira tanto no Brasil quanto lá fora por um fator crucial: ele aprendeu a se adaptar e a contribuir com o grupo dando o melhor de si. Conseguir encontrar formas de se encaixar em um determinado ambiente e agregar valor, em vez de simplesmente forçar a adaptação de uma estrutura existente, é um dos elementos por trás das maiores histórias de sucesso de brasileiros no exterior que eu conheço.
Também é verdade que os brasileiros com melhor desempenho geralmente são profissionais que se destacam por serem muito positivos, participativos e criativos, entre outras qualidades. Mas é importante conseguir unir essas qualidades às dos outros para criar um jogo harmonioso. Por outro lado, um líder pode executar ações positivas e transformadoras que ultrapassam quaisquer estereótipos associados a uma determinada nacionalidade.
Há uma expressão brasileira que se refere a quem faz absolutamente tudo que estiver ao seu alcance e trata as pessoas como lhe convém para atingir seus objetivos. Dizemos que essas pessoas geralmente tem “sangue nos olhos”, ou seja, é aquele chefe que grita e que ninguém gosta de ficar perto.
Em outra referência esportiva, uma pessoa que também admiro e que passou por essa transição é o Bernardinho, um dos maiores treinadores de vôlei da história. Depois de escrever em sua biografia que “transformar suor em ouro” exigiu aquela mentalidade sangue nos olhos, ele me disse, pessoalmente, durante um evento alguns anos atrás, que agora busca treinar equipes com brilho nos olhos.
Para mim, essa conversa reforçou o fato de que o velho estilo de gestão de murros na mesa ficou mesmo no passado. Ser capaz de mudar e melhorar para adotar valores positivos e trazer um senso de propósito para uma equipe é uma coisa maravilhosa.
Gosto de pensar que executivos de todo o mundo, independentemente de sua nacionalidade, realmente estão tentando adotar um estilo de gestão que realce esse brilho. Isso não significa que não queremos ver resultados, mas que existem diferentes formas de alcançá-los. Uma equipe motivada é muito mais forte do que um bando de pessoas que têm medo e desconfiam dos colegas ou do chefe. Conforme avaliamos os ensinamentos de um dos períodos mais difíceis que o mundo enfrentou desde os tempos de guerra, acredito que alguns elementos são essenciais para qualquer líder que tenha um propósito para sua equipe: gentileza, transparência, liberdade para as pessoas trabalharem, ouvi-las antes de falar e manter uma energia positiva no ambiente de trabalho. Esse conjunto de valores é algo que todos nós podemos praticar todos os dias, independentemente de onde viemos, em qualquer parte do mundo.
Marvio Portela é vice-presidente sênior para Estados Unidos, América Latina e Caribe do SAS. O executivo passou por grandes empresas como Oracle e IBM, trazendo uma vasta experiência na área de vendas e gestão de parcerias. Sua carreira no SAS teve início em 2010.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.