Escrevo este texto dois dias depois de voltar de uma semana no quarto retiro do Atelier de Conteúdo (no qual seguimos todos os protocolos de saúde que o momento exige). O tema, desta vez, foi “um tempo”. Ritmo, fluxo, senso de urgência. E, nas entrelinhas, presença, intuição, agilidade, calma.
Por anos, fiz retiros recorrentes com foco na prática de yoga e meditação, na maior parte das vezes em silêncio. Quatro, cinco, dez dias sem falar “bom dia” ou “boa noite” nem para as pessoas com quem dividia o quarto. Simplesmente porque a orientação era olhar para dentro, silenciar, desconectar-se o máximo possível dos estímulos e expectativas que projetamos no exterior e ter a coragem de ouvir os próprios pensamentos, sentir as emoções sem paliativos, entrar em contato com medos, vazios, solidão e, eventualmente, paz.
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Eram momentos desafiadores, nos quais eu me jogava por saber que não haveria vida aqui fora capaz de me trazer realização e preenchimento se eu não aprendesse a conviver, acolher e gostar de mim mesma. Era sempre intenso – ao mesmo tempo, um desespero e um alívio.
Sempre que voltava à vida “normal”, estava ligeiramente transformada. Lembrava-me o quanto o silêncio traz sinceridade para a vida. E não se trata do silêncio externo, praticado no retiro. Este era apenas um recurso para facilitar o despertar de um silêncio interno – mais caro, mais demorado e libertador.
Nos últimos quatro dos cinco anos do Atelier, tento reproduzir a experiência do retiro para o grupo de pessoas que formamos. A abordagem é diferente, claro, afinal o que nos une é o trabalho, e não necessariamente o desejo de praticar yoga ou meditação ou mesmo de buscar a evolução espiritual. Portanto, nesses encontros, podemos falar, há horário disponível para cumprir as atividades profissionais da semana e ninguém é obrigado a fazer exercício. Mas tem também conversas, reflexões, discussão de conceitos, dinâmicas de autodesenvolvimento.
Fiquei pensando, nos momentos em que caminhava sozinha do restaurante ou do salão de eventos para o quarto, o quanto sou grata e feliz por ter juntado mais de 20 pessoas ali, e aqui, em torno de um propósito comum (e tão incomum no mundo lá fora): construir um Atelier que sirva aos sonhos individuais de cada uma e cada um de nós – e não o contrário. Um lugar que vai ser tão grande e chegar tão longe quanto for preciso e possível para realizar cada pessoa que se identificar e unir a nós.
Um retiro como esse pode ter diferentes abordagens, práticas e temas, mas se baseia em alguns pontos inegociáveis:
1. Tempo: Precisa durar o suficiente para nos sentirmos de fato retiradas e retirados da sociedade e mergulharmos no novo ambiente. É preciso ter intervalos entre uma atividade e outra, tempo para não fazer nada, resolver uma emergência, ficar sozinha ou sozinho ou jogar conversa fora com alguém. A intensidade das experiências e informações compartilhadas exige tempos diferentes para decantar e se acomodar dentro das pessoas.
2. Espaço: O lugar precisa ser aconchegante – seja qual for o significado disso para o grupo em questão. O importante é entender o clima que se quer criar e garantir um espaço que o reflita. No nosso caso, foram tapetes, almofadas e sofás que convidavam a uma roda descontraída.
3. Proximidade com privacidade: As pessoas precisam ter confiança mútua para se expor, apresentar suas vulnerabilidades, falar de emoções que às vezes escondemos até de nós mesmos. Mas precisam também ter a segurança de que não serão expostas por mais ninguém a não ser elas mesmas. De que terão privacidade para guardar para si o que quiserem sem ter de dar explicações.
4. Disposição para olhar para dentro: Isso vale para tudo, desde priorizar como está se sentindo sem se preocupar com o que a pessoa ao lado está achando, até dar voz a depoimentos de quem faz parte do grupo, em vez de buscar palestrantes de fora, como muitas vezes fazemos em eventos corporativos. Nada de errado com palestrantes, apenas a proposta do retiro é mergulhar no conteúdo interno daqueles indivíduos e coletivo – e não voltar as atenções para o que está fora.
Como todo pós-retiro, estou sensível, pensativa e com mais clareza sobre mim, sobre o grupo, sobre os próximos passos. Contente com a sensação de relações fortalecidas e já com saudades da convivência.
Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo”, co-organizadora do “Fora da Curva 3 – unicórnios e start-ups de sucesso” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional. Praticante de ashtanga vinyasa yoga, considera o autoconhecimento a base do empreendedorismo.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.
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