Talento, habilidade, foco e resiliência são alguns dos elementos importantes para o sucesso de quem se dedica em ser um atleta profissional. No entanto, todo o empenho e esforço dificilmente vão gerar os frutos almejados sem o patrocínio necessário para pagar os custos da jornada que leva à conquista de títulos importantes, o objetivo principal das pessoas que vivem para competir.
Em se tratando de automobilismo é possível dizer que, até para dar os primeiros passos na carreira, muitas vezes iniciada no kart por aspirantes a piloto muito jovens, é necessário ter um apoio financeiro considerável, seja de um patrocinador ou da própria família. Isso devido aos altos custos envolvidos na prática do esporte, que começam justamente pelo principal instrumento de trabalho de um piloto: o carro. Sem mencionar que, à medida que o atleta vai se profissionalizando, aumenta o investimento em equipamentos, peças de reposição, equipe de mecânicos, logística de viagens, simuladores (que passaram a ser praticamente essenciais no treinamento de pilotos).
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Contudo, a dinâmica da busca por patrocínio bem como a da ativação de marca no universo do automobilismo mudou drasticamente ao longo dos anos. No mercado brasileiro, por exemplo, Ingo Hoffmann, maior campeão da Stock Car, com 12 títulos conquistados na maior categoria da América do Sul, conta que descobriu o quão essencial é ter patrocínio cedo. “Eu percebi logo no primeiro ano, em 1972, quando eu estreei na divisão 1 do Festival do Ronco com um Fusca 1.500 totalmente original. A questão do patrocínio não era importante de cara porque era custo zero, com meu carro de rua com que eu corria. Mas, quando fundiu o motor, logo na terceira ou quarta corrida, eu percebi que precisava de patrocínio”, conta o ex-piloto.
E foi no ano seguinte da estreia como piloto profissional que Hoffmann correu sua primeira temporada com um patrocinador importante. Em 1973, em uma época na qual a moeda e os valores para correr de carro eram muito diferentes, uma corretora de valores chamada Creditum, parte de um conglomerado de empresas para o qual o pai de Hoffmann trabalhava como contador, decidiu investir na carreira do jovem piloto. “O dono dessa empresa, Jorge Kalil, já falecido, foi o cara que investiu. E foi mais por respeito ao meu pai do que almejando algum tipo de retorno. Mas eu fui campeão naquele ano (1973) e bicampeão no ano seguinte (1974), então ele acabou recebendo um retorno positivo”, explica Hoffmann, além de ressaltar “dever” sua carreira ao empresário e ao investimento feito naquele momento.
O fato de haver conseguido patrocínio no começo da carreira viabilizou que o jovem piloto se dedicasse 100% à sua carreira no automobilismo, tornando-se mais tarde um dos maiores nomes do automobilismo nacional e mundial. Entretanto, como bem ressaltou o máximo campeão da Stock Car, o cenário era muito diferente do atual. Ingo Hoffmann afirma nunca ter tido um empresário, por exemplo, e ter sempre corrido atrás de seus patrocínios pessoalmente, dos quais dependia não só para competir como também para sustentar sua mulher e seus três filhos.
“Quando fui correr lá fora, eu fui batalhar os patrocínios por meio de relacionamentos, amizades. Era uma dificuldade grande, mas sempre fui eu quem fiz”, explica Hoffmann, além de afirmar que naquela época, nos anos 1970, a carreira internacional não era impossível. “Era muito mais barato. Na época em que eu corri de Fórmula 3 na Europa os valores eram infinitamente mais baixos do que o pessoal relata hoje em dia. E por outro lado, tinha que pagar as coisas em outras moedas, no meu caso, na Inglaterra, a libra, e hoje em dia a paridade das moedas está totalmente proibitiva”, arremata, além de afirmar não saber precisar qual era o custo para correr de Stock quando a categoria surgiu. Hoje, segundo Fernando Julianelli, CEO da Vicar, o valor aproximado de um carro de Stock Car é de R$ 800 mil e é necessário desembolsar por volta de R$ 2.500.000 para correr uma temporada inteira.
No entanto, o panorama no mundo do esporte a motor foi mudando ao longo dos anos, acompanhando as mudanças nos mais variados setores. Na Stock Car, que teve sua temporada inaugural em 1979, a chegada da transmissão televisiva pela Rede Globo, nos anos 2000, trouxe uma visibilidade inédita à categoria e, consequentemente, às marcas que faziam parte do evento. Dessa maneira, pilotos como Ingo Hoffmann se viram frente a novos desafios, em um cenário no qual as técnicas usadas pelas empresas para mensurar o retorno de seus investimentos no automobilismo se aprimoraram imensamente. Ao mesmo tempo, surgiam novos talentos, como Caca Bueno, pentacampeão da Stock Car, e outros nomes fortes para dividir atenção do público e dos patrocinadores.
“Você vender um powerpoint é mais difícil do que vender uma história realizada”, disse Caca Bueno, explicando também que a busca por patrocínios é sempre difícil no início da carreira de qualquer piloto. Mas hoje, com 26 anos de carreira e patrocínios de peso como Itaú, Red Bull, Moss, iCarros e Paraflu, Bueno coleciona muito mais do que troféus e grandes experiências dentro das pistas, mas também adquiriu muita quilometragem na parte comercial da sua profissão.
Depois das dificuldades do início, Bueno conta ter passado por um “grande momento, de patrocínios grandes”, mas explica que, nos primeiros anos como piloto, contava com apenas um patrocinador grande ou dois no máximo. Nessa época, quando a Globo passou a transmitir a Stock Car em rede nacional, as audiências de televisão eram altas. “Não tínhamos outros canais de entrega então a gente focava só em mostrar o patrocinador, e isso deixou de ser vendável, não dá para sermos só mais um outdoor móvel. Em determinado momento eu virei a chave e passei a tentar entender a necessidade dos patrocinadores, tentando servir a eles”, completa Bueno, ressaltando a importância de personalizar a entrega a cada apoiador nos dias de hoje.
Isso devido em grande parte às mudanças na entrega de conteúdo, com o surgimento de novas plataformas, que não somente a televisão aberta. Se nos primórdios da Stock Car, tempos de Ingo Hoffmann, Chico Serra e Paulo Gomes, a exposição das marcas era feita através de propagandas estáticas dentro dos autódromos e dos carros de corrida, por outro lado, grande parte do grid atual teve que, desde o início de suas carreiras, atender aos seus clientes de outras maneiras. Hoje, em um mundo totalmente multiplataforma, e com a velocidade não limitada às pistas, mas também presente na entrega de informação e de conteúdos dos mais diversos, os pilotos e equipes têm que estar constantemente encontrando novas formas de ativação de marca.
Segundo Caca Bueno, em um primeiro momento, as marcas eram somente exibidas aproveitando a audiência do automobilismo. Depois, o autódromo e o carro passaram a ser mais utilizados nas relações com a área comercial das marcas, oferecendo um leque de experiências para os patrocinadores e seus clientes. “E há pouquíssimo tempo a gente saiu do autódromo. É aí que começamos a fazer campanhas, lançamento de produtos, palestras, campanhas digitais, produção de conteúdo, streaming, e por aí vai”, arremata Bueno, hoje com 45 anos de idade.
No final das contas, para viver o sonho de ganhar a vida como piloto profissional, vitórias nas corridas, ao contrário do que muitos pensam, não bastam. Entender o que o patrocinador precisa comunicar, na era da comunicação na qual vivemos hoje, é essencial. E isso, tanto Ingo Hoffmann, que segue circulando nos autódromos e fazendo ações para seus apoiadores como a Universal, marca de peças de repostos, quanto Caca Bueno, dono de um dos contratos comerciais mais longevos do automobilismo, o que tem com a RedBull há 17 anos, entendem muito bem.
Letícia Datena é jornalista de esportes há oito anos, e atua no setor do automobilismo desde 2016. Já foi correspondente internacional dos canais Fox Sports e cobriu alguns dos campeonatos mais importantes do mundo, como o Rally Dakar, Rally dos Sertões, o WRC (World Rally Championship), Fórmula E e hoje é uma das responsáveis pelo departamento de criação de conteúdo da Stock Car.
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