Muitos conhecem os Medicis pela sua obra filantrópica financiando grandes artistas e pensadores do Renascimento. No seu apogeu, entre os séculos 15 e 16, a família era considerada a mais poderosa da Europa. Michelangelo, Donatello e Galileo são alguns exemplos de gênios beneficiados pela família de banqueiros de Florença que legaram grandes avanços para a humanidade. Muito menos reconhecido que o legado filantrópico foi a contribuição dos Medicis para a evolução do sistema bancário tal como conhecemos hoje, em particular, as inovações implementadas por Giovanni di Bicci de Medici, “pai-fundador” da fortuna da família.
Giovanni foi o primeiro a explorar a assimetria informacional que é a base do sistema bancário até os dias de hoje. Seu modelo de negócios original foi viabilizado por uma inovação tecnológica na época, a qual tornou-se conteúdo obrigatório de qualquer curso de administração, contabilidade ou finanças.
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O sistema chamado de “partidas dobradas”, uma padronização escritural de registros financeiros, implica no controle de lançamentos equivalentes de débitos e créditos sempre que houver uma movimentação financeira. Com essa inovação, foi possível “escalar” – para usar a terminologia das fintechs e startups – o modelo de negócios conhecido como “banking”, que remunera poupadores (“correntistas”) pela guarda de suas reservas de capital, alocando esse dinheiro em projetos cuja remuneração é superior ao seu custo de captação.
O acesso a oportunidades, associado à reputação das instituições, bem como controle financeiro para explorar a assimetria informacional são a base do sistema bancário e financeiro muito antes que o computador e o mundo digital fossem embriões de ideias na imaginação humana.
Com a revolução tecnológica dos últimos 50 anos, vimos esse fluxo de dinheiro se tornar informações em bancos de dados e, no contexto do Open Banking / Open Finance, veremos a transformação destes dados em dinheiro. Mas, afinal, o que é conceito de Open Finance?
O Open Finance é o conjunto de processos e normas que permitem o compartilhamento das informações dos usuários do sistema financeiro entre instituições financeiras. O Open Finance como conceito pode ser regulado pelos bancos centrais ou viabilizado por acordos bilaterais entre as instituições. Em outras palavras, o efeito do Open Finance é a devolução da propriedade dos dados para os seus verdadeiros donos: indivíduos e empresas que conduzem suas vidas e negócios com essas instituições.
No contexto em que os dados e, por conseguinte, a informação gerada pelos mesmos é nossa propriedade, surgem inúmeras oportunidades de monetização, seja via contratos de crédito mais baratos ou na negociação de ativos que não seriam considerados em um paradigma do setor financeiro fechado. O paradigma essencial do open finance é a fungibilidade da informação por capital.
A jornada é longa e os primeiros passos estão mais focados na redução de custos (como em melhores scores de crédito), seguindo depois para a geração de receita e a potencial distribuição dessa informação “injetada” no sistema (exemplo, o que é viabilizado pela tecnologia blockchain).
Aqueles que estão na linha de frente desse novo paradigma estão construindo novos modelos de negócios, principalmente relacionados ao tratamento especializado das informações em plataformas de dados, como é o caso da Destrava Aí, que consolida e interpreta dados relacionados a recebíveis de cartões, e outras. É um movimento natural da especialização de um setor, que cria novos elos na cadeia de valor.
No Brasil, temos o privilégio de contar com um Banco Central que é extremamente técnico e tem sido pioneiro no tema, e cuja agenda Bacen# gerou inúmeras inovações, tais como o Open Finance regulado, o sistema de pagamentos instantâneo (PIX) e o mercado aberto de recebíveis de arranjos de pagamentos.
Nesse contexto de alta da inflação global, gerado por uma conjuntura de choques de oferta, guerra e, sobretudo, pela injeção contínua de liquidez no sistema, o que precisamos para a recuperação e o progresso econômico é outro tipo de injeção. Precisamos de uma injeção de novos modelos de negócios, inovações tecnológicas e empreendedorismo que são, e sempre vão ser, as forças motrizes do progresso da civilização. É incomensurável o valor que será gerado pela implementação do Open Finance para indivíduos, pequenas e médias empresas e até para as próprias instituições financeiras.
É um privilégio ver e ajudar a construir esse novo paradigma no nosso país que tem o potencial e as condições para ser pioneiro e, quem sabe, exportador de tecnologia e know-how nessa nova fase do sistema financeiro internacional.
Cesare Rollo Iacovone é conselheiro do IFL-SP e fundador da Destrava Aí, infraestrutura de open finance especializada no mercado de recebíveis de cartões.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.
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