Embora ainda não fosse meio-dia de terça-feira, a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, já havia se envolvido em uma sequência ininterrupta de reuniões, discutindo assuntos que variavam desde segurança pública até estradas e educação. Sua agenda expressa as urgências multifacetadas do estado. Tendo sido eleita com uma retórica progressista, Lyra agora almeja posicionar o estado como um modelo para o restante do Brasil, adotando uma estratégia que inclui melhorias na conectividade e na oferta de serviços digitais ao cidadão.
“Temos muito a fazer. Priscila [Krause, vice-governadora] e eu chegamos aqui acreditando que seria possível fazer as coisas de uma maneira diferente, evitando a repetição de ciclos onde sempre se agiu da mesma forma”, afirma Lyra, em uma entrevista concedida à Forbes em seu gabinete, localizado no Palácio do Campo das Princesas, na região central do Recife.
As prioridades de Lyra enquanto governadora incluem a educação, com planos para modernizar instalações e atualizar a formação de professores, e a saúde, onde a meta é ampliar a infraestrutura, aumentar a disponibilidade de médicos e profissionais da área, e solucionar problemas como longas filas de espera por exames. Outro foco é estimular o crescimento econômico por meio da criação de empregos de alto valor agregado.
Uma visão voltada para o futuro em tecnologia e inovação permeia todos esses temas. Durante sua conversa com a FORBES, Lyra consulta um rascunho do que será a estratégia de digitalização do estado. O documento, que será divulgado nos próximos 90 dias, contém um diagnóstico das deficiências dos órgãos públicos pernambucanos, benchmarks comparativos com outros estados, os caminhos a serem seguidos e as prioridades. Esse plano será executado pela Secretaria Executiva de Transformação Digital, que colabora com pastas como Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento, Economia e Saúde.
Paradoxos
Para avançar o plano digital de Pernambuco, será necessário resolver os problemas existentes e também implementar ações estratégicas. Primeiramente, a atual gestão focará nos obstáculos de uma máquina pública pouco digitalizada: em algumas repartições, faltam computadores, enquanto em outras, os funcionários unem recursos para pagar pelo acesso à internet.
As soluções para essa situação incluem um investimento de R$200 milhões com recursos advindos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) para conectar escolas, hospitais e prédios públicos no interior do estado com fibra ótica. Segundo Lyra, um edital para a licitação de um cabo submarino também está nos planos. Além disso, o governo pretende aumentar significativamente a oferta de serviços digitais e resolver urgências em áreas como a cibersegurança, para prevenir ocorrências como a recente invasão à Secretaria de Educação do estado, algo que a governadora classifica como “inadmissível”.
“Precisamos trabalhar para resolver os aspectos básicos e, simultaneamente, nos concentrarmos no futuro. Disponibilizamos uma grande quantidade de dados que, infelizmente, não são analisados, sendo meros depósitos de informações. Por outro lado, contamos com mecanismos de inteligência artificial que poderiam nos proporcionar mais previsibilidade e assegurar um atendimento mais eficaz à população”, diz Lyra.
“Somos um estado pobre. Temos 2 milhões de pessoas enfrentando a fome, e igual número sem acesso à água. No entanto, muitos dos nossos problemas poderiam encontrar soluções por meio da inteligência de dados, da gestão eficiente e da tecnologia em geral”, ressalta.
Filha do ex-governador de Pernambuco, João Lyra Neto, Raquel Lyra é uma advogada que iniciou sua trajetória política em 2010, tendo ocupado o cargo de deputada estadual e de prefeita de Caruaru. Seus principais compromissos políticos incluem o empreendedorismo feminino, a inovação e a promoção da igualdade de direitos e oportunidades para os pernambucanos.
Para a governadora, é incongruente ter no estado um parque tecnológico como o Porto Digital – onde estão organizações âncora como o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (CESAR), além de multinacionais como a Accenture, e startups como a Neurotech, adquirida pela B3 por R$ 569 milhões em 2022 – enquanto existe um déficit considerável de tecnologia no setor público.
“É um contrassenso. O Estado incentivou a criação do Porto Digital e o ecossistema de inovação como um todo, mas não soube aproveitar todas essas vantagens internamente, de modo a atender adequadamente toda a população”, destaca Lyra, referindo-se ao parque tecnológico estabelecido há 23 anos. O objetivo atual, segundo a governadora, é fazer uma virada significativa e estabelecer uma colaboração mais estreita com o ecossistema de inovação pernambucano: para tanto, foram convidados diversos profissionais de destaque no mercado para contribuir na agenda digital, incluindo especialistas de organizações como o CESAR.
Olhando para os próximos anos, uma das áreas primordiais de foco para a gestão de Lyra é replicar a experiência do Porto Digital em outras áreas do estado, promover a conexão e digitalização dos polos da economia criativa do estado, como Caruaru, bem como o incentivo ao empreendedorismo, incluindo a provisão de capital inicial. Outra prioridade é capacitar mais de 600 mil estudantes do ensino médio com as competências necessárias para as profissões do futuro.
“O futuro está à nossa porta. Estamos vendo que os empregos estão se esgotando e continuarão a se transformar. Se não conseguirmos preparar nossas pessoas para esse novo cenário, teremos uma legião de pessoas no desemprego e desalento. [Promover capacitação para os trabalhos do futuro] não é a coisa mais cara do mundo. Mas é preciso decisão política para fazê-lo”, conclui.
Enquanto isso, no Rio
As conversas sobre o avanço do Porto Maravalley, hub carioca de inovação na região portuária da cidade maravilhosa, continuam em andamento. Liderado pela Prefeitura do Rio, o projeto pretende utilizar um modelo de gestão semelhante ao de Recife e terá o Núcleo de Gestão do Porto Digital como contratado para apoiar a estruturação do novo distrito.
Com investimento público de R$ 30 milhões em obras, o distrito carioca está em construção e será financiado em parceria com empresas privadas a fim de transformar a região em um tipo de Vale do Silício e converter a cidade numa capital da inovação e tecnologia, com foco na resolução dos problemas locais e oportunidades. Entre os empresários envolvidos, estão Beto Sicupira, além de André Street, fundador da Stone.
A “menina dos olhos” do novo distrito é o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), que pretende abrir o primeiro curso de graduação gratuito da instituição, uma formação de excelência com duração de quatro anos. O instituto vai ocupar cerca de 5 mil metros quadrados – metade da área total do Porto Maravalley – com salas de aula, laboratórios e biblioteca.
Segundo fontes próximas ao projeto, a instalação do prédio que abrigará o núcleo de gestão do Porto Maravalley e o lançamento do curso do IMPA deve custar cerca de R$ 50 milhões. Replicar minimamente a estrutura do Porto Digital, no entanto, vai exigir um investimento de aproximadamente R$ 100 milhões. A bola está com Eduardo Paes e equipe no que diz respeito a fazer a conta fechar, seja através dos cofres públicos ou pela atração de mais entes privados.
Em Rumo Futuro, Angelica Mari acompanha os movimentos e ideias de pessoas que protagonizam a inovação e o pensar futuros no Brasil e além. Para sugerir histórias e dar seu feedback, entre em contato.
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