Eu era adolescente quando a internet comercial chegou ao Brasil. Lembro que muita gente tinha dificuldade de imaginar como um aparelho que fazia um barulho horrível para se conectar a uma rede super lenta podia ser responsável por uma revolução. Ano passado, quando os preços dos NFTs despencaram, alguns se apressaram em um obituário precoce: “quem precisa dessa bobagem”? Se esse é seu caso, sugiro repensar a posição porque não é sábio descartar algo só porque não se conhece direito.
A febre do momento, o ChatGPT, é uma forma de inteligência artificial que ficou popular rapidamente. Mas a tecnologia em si levou décadas até amadurecer. Esse me parece ser o mesmo percurso dos NFTs. As marcas começam a explorar usos muito interessantes e que não têm nada a ver com hype mas com experiência e relacionamento com clientes.
Mas, afinal, o que é NFT? O acrônimo em inglês para token não fungível virou hype em 2021 atrelado a imagens colecionáveis de arte digital que celebridades compraram por pequenas fortunas, os JPEGs.
E o que os fazia valer tanto? Por uma característica nativa da tecnologia, o fato de serem arquivos digitais únicos. Pense em uma moeda de 1 real. Não importa qual moeda de 1 real você tem. O valor é sempre aquele gravado no metal. Cada NFT é diferente, de valor único, não intercambiável.
Por isso mesmo, ele está habilitado a garantir a autenticidade de algo, um desafio muito presente no mercado de arte, por exemplo, onde quadros são falsificados e músicas, pirateadas.
Em economia, há uma regra básica. Algo com alta demanda e oferta pequena tende a ter um alto preço de aquisição. Quanto você pagaria por um quadro do Van Gogh se ele pudesse ser só seu, com certificado de autenticidade?
Tudo bem que as imagens digitais de macacos entediados pelas quais Neymar pagou R$ 6 milhões no início do ano passado não são quadros de Van Gogh. Só não se esqueça de que o pintor holandês não vendeu um único quadro enquanto era vivo. Não sei se será o caso da Bored Ape Yacht Club, mas coleções costumam ganhar valor no tempo.
Certo, houve especulação excessiva e propostas furadas de NFTs que custavam caro sem oferecer valor real em troca. Isso fez várias NFTs sofrerem depreciação grande. Sim, lançar uma coleção de NFTs como forma de capitalização de uma empresa sem pensar na geração de valor para o proprietário é uma ideia ruim.
A indústria da moda foi uma das primeiras a surfar a onda, investindo inicialmente em NFTs de colecionáveis. Quer uma peça digital Gucci exclusiva para desfilar no metaverso? Temos.
Mas e se a propriedade digital tivesse uma contrapartida no mundo real?
Foi neste ponto que, me parece, o jogo começou a virar. Experiências foram sendo testadas. A Prada lançou um NFT que dava direito à compra de uma peça física da marca.
No ano passado, a marca brasileira de roupa masculina Aramis deu um passo adiante no lançamento de uma jaqueta (física) com sistema de aquecimento próprio vinculada a um token não fungível.
O NFT também dava acesso exclusivo a um clube de benefícios VIP. A marca detectou um engajamento enorme com a iniciativa, a tal ponto que decidiu fazer uma ação de networking entre os portadores daqueles NFTs.
Quem coleciona ou tem uma peça rara normalmente se conecta a comunidades com interesses afins. Podemos argumentar que uma jaqueta voltada para a classe A/B funciona como um clube VIP.
Mas e quando uma marca como a Starbucks lança coleções de NFTs? O que ela busca?
Os tokens servem como um ponto de partida para um programa de fidelidade usando a Web3 para atingir escala. O Starbucks tem longa tradição de ser early-adopter de tecnologias promissoras como o pagamento digital, iniciado em 2011, muito antes de surgir o ApplePay. O programa de NFTs se chama Odissey e exalta a cultura de quem gosta de café.
Além dos programas de fidelidade, aqui no Brasil, produtoras de projetos NFT não sumiram com a baixa de 2022. Elas estão sendo procuradas pelas marcas também para outros dois tipos de uso: tokens atrelados a eventos, em que os NFTs funcionam tanto como ingresso ou uma espécie de passaporte para uma experiência diferenciada.
Outra proposta é de integrar os próprios colaboradores, transformando NFTs em um crachá e cartão de benefícios ao mesmo tempo – roupas, academia ou qualquer outro produto ou serviço pode ser atrelado ao token e ofertado exclusivamente para aquele grupo de pessoas.
Para quem acha que a onda NFT já passou vale levar em conta uma outra informação. O lançamento do protocolo Ordinals, no início de 2023, instaurou uma nova era de tokens na rede do Bitcoin e, entre eles, os “artefatos digitais”, que estão sendo chamados de NFTs do Bitcoin. O interesse explodiu, chegando a congestionar a rede.
A essa altura, espero que você já tenha se convencido que os NFTs não são moda passageira e que a tecnologia começa a encontrar caminhos de entregar valor real para os consumidores e oportunidades para as marcas, com as vantagens de rastreabilidade inerentes à concepção desses tokens.
Tecnologia aprovada, surge uma outra consideração: a participação das mulheres na criação e em atividades relacionadas aos NFTs ainda é relativamente pequena.
Onde entram as mulheres nesse jogo?
A representatividade feminina nesse ecossistema precisa ser ampliada e incentivada, para que mulheres talentosas possam propor novos usos para a tecnologia.
Uma iniciativa pioneira nessa questão é a coleção de NFTs World of Women, representada por personalidades como as atrizes Reese Witherspoon e Eva Longoria. O metaverso The Sandbox fez uma parceria com o projeto para doar US$ 25 milhões à promoção de educação e orientação a mulheres sobre o ecossistema de blockchain.
No Brasil, há o Project EVE, negócio de impacto social criado por nove executivas com o objetivo de ampliar a participação feminina em todas as pontas deste novo mercado digital. Dentre as missões da iniciativa, está a educação financeira e tecnológica sobre serviços de criptografia para leilões em benefício a artistas mulheres.
Você pode não querer ser um early-adopter de NFTs. Mas pode ser que vá perder muitas oportunidades de experiências interessantes. Quem prefere usar orelhão em vez de um smartphone?
Camila Farani é Top Voice no LinkedIn Brasil e a única mulher bicampeã premiada como Melhor Investidora-Anjo no Startup Awards 2016 e 2018. Sócia-fundadora da G2 Capital, uma butique de investimentos em empresas de tecnologia, as startups.
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