Escrevo o início deste texto de um voo, rumo a um dos meus lugares favoritos no mundo: o Rio de Janeiro. Eu poderia detalhar os motivos, mas hoje vou me limitar a dizer que em todas as minhas visitas à Cidade Maravilhosa, mudo de frequência. Mesmo que as nuvens ocultem o Cristo Redentor, quando olho para cima a partir do Parque Lage, um dos meus refúgios cariocas prediletos.
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Tenho viajado bastante nos últimos tempos. Menos do que muita gente que conheço, mas mais do que a média: apenas duas em cada dez famílias brasileiras viajam, segundo dados do IBGE. A maior parte dos meus deslocamentos tem sido para trabalho. Em algum momento destas viagens, procuro incluir “agendas de afeto”, como diz Grazi Mendes, para alimentar a alma. Quando posso, também busco experiências que desafiem minhas percepções sobre o mundo, que me aproximem do desconhecido e que rendam boas histórias.
Dito isso, fico pensando que, em uma era onde nossos dados são ingeridos e processados por sistemas cuja meta é nos manter fiéis a marcas, o conceito de “experiência” ganhou nuances diferentes. Desde que o mundo é mundo, é sobre ser impactado por observação ou participação direta em algo que pode até mesmo mudar o curso das nossas vidas. Considerando o passado e o presente, como seria possível inovar na forma que as pessoas experienciam suas viagens?
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Nas minhas férias — que, confesso, tem sido menos frequentes do que eu gostaria — tenho buscado incrementar minha experiência, com coisas relativamente simples. Nos dias que passei no Rio, por exemplo, o local que escolhi para ficar não era somente um local para dormir.
O concorrido apartamento da roteirista de TV Bia Braune fica em no Edifício Ipu, projetado em 1935 por Ari Rey e Floriano Brilhante para sediar o Pax Hotel. Com janelões na cozinha e sala que dão para a Marina da Glória, o local diz muito sobre a proprietária, uma carioca apaixonada por sua cidade, e uma cidadã do mundo. Estar neste lugar é, portanto, ocupar um lugarzinho no mundo para onde ela trouxe esta bagagem e, consequentemente, viver um pouco de tudo isso também.
Mas, devo confessar, o cafofo retrô da Bia me é interessante porque compartilho um tanto desta visão de mundo em particular. Me agrada a estética art déco, assim como antiquários, e pensar nas histórias que quinquilharias poderiam contar, caso falassem. Estas observações me levaram a pensar se as pessoas procuram experiências de viagem que lhes sejam familiares em alguma medida, se procuram algo fora da curva, ou uma combinação de ambos.
Ao ler sobre experiências de viagem e refletir sobre sinais que apontam para o futuro, vejo que certos comentaristas afirmam que sim, a maioria dos turistas ocidentais procuram fazer coisas que remetam ao que já conhecem. Mas há um contraponto.
Em uma conversa com a jornalista e viajante Anna Gabriela Costa, chegamos à conclusão que buscar coisas para além de viagens tradicionais pode ser parte de um processo: “Querer uma experiência diferente de viagem é algo que vem com a maturidade”, pontua.
Segundo Anna — que já visitou 23 países, a maior parte deles sozinha — querer viagens que, à primeira vista, podem parecer um clichê, é parte de um processo. “Sinto que a gente precisa passar por estes momentos, para então querer fazer coisas mais ‘fora da caixa'”, frisa.
Hoje, as viagens da jornalista incluem planejamentos como ficar por um mês na casa de uma anfitriã em uma região remota de Cuzco, no Peru: “Foi uma das melhores experiências da minha vida.”
Assim como Anna Gabriela, há todo um contingente de viajantes que está buscando novidades, dentro de uma certa previsibilidade. Mais precisamente, algo inesquecível, porém alinhado com interesses pessoais, afinidades e lembranças. Foi exatamente isso que o Airbnb buscou fazer na leva de novos lançamentos da plataforma, anunciados na semana passada.
Com “Icônicos”, a empresa torna as experiências esporádicas que andou fazendo nos últimos anos — como reproduzir uma sala de vídeo de uma casa dos anos 1990 dentro da única locadora Blockbuster do mundo, ou a casa da Mônica, criada em São Pedro (SP) para celebrar os 60 anos da personagem — uma oferta regular para alguns seletos usuários.
O “cardápio” inicial traz 11 experiências, sendo que algumas estão disponíveis e outras serão liberadas em breve. Exemplos das viagens, que miram grupos demográficos e interesses diversos, incluem uma estadia na sala do relógio do Musée d’Orsay, em Paris, transformada em uma suíte de luxo pelo arquiteto Mathieu Lehanneur, designer da tocha olímpica — que também fará parte da decoração. Durante a viagem, hóspedes poderão ter acesso exclusivo à coleção de impressionistas do museu, e assistir à abertura dos Jogos Olímpicos no Rio Sena, a partir do terraço.
Além disso, as experiências incluem uma estadia no Museu Ferrari, em Maranello, na Itália, onde a cama é rodeada de oito carros que ganharam corridas, a roupa cama é feita do mesmo material do interior dos carros, e o hóspede fica em frente a uma coleção de mais de 100 troféus. As experiências também contam com uma estadia em uma cópia fiel da casa do desenho animado Up, da Pixar, baseada no deserto em New Mexico (EUA) e completa com mais de 8 mil balões – e que “flutua”, com ajuda de um guindaste.
Qualquer usuário Airbnb pode solicitar reservas nestes locais (que, na maioria dos casos, são de graça ou custam menos de US$100), após dizer os motivos pelos quais deseja viajar até a atração. A plataforma então faz uma seleção aleatória dos hóspedes, que recebem um ticket virtual dourado à la Willy Wonka, acompanhado de um convite para a reserva do local. Segundo a empresa, cerca de 4 mil pessoas devem ter acesso às viagens icônicas em 2024.
O que experiências deste tipo tem a ver com o futuro das viagens? Brian Chesky, fundador do Airbnb, arrisca uma resposta. Para desenhar a estratégia da companhia, o empreendedor tem mergulhado no tema das conexões humana no último ano, bem como em questões sociais que se agravaram desde a pandemia, como a crise global de solidão e dependência de smartphones.
“Obviamente, o Brian não vê o Airbnb como solução para estes problemas, mas como algo que pode ajudar as pessoas a saírem das telas e terem experiências fora do mundo virtual,” pontua o chefe global de políticas públicas e comunicação da companhia, Jay Carney, em referência à fala do fundador. Segundo Chesky, à medida em que a digitalização na vida das pessoas avança, a empresa vai focar mais na “magia do mundo real”.
Ao olhar para o futuro, vemos um cenário onde a conexão humana e a experiência autêntica ganham cada vez mais relevância na forma em que viajamos. Para além de uma estratégia de marketing para gerar awareness — afinal, a maioria dos brasileiros que viajam o faz pouco mais de uma vez por ano, e usa modelos tradicionais como pacotes que incluem hotel — jogadas como a do Airbnb, que quer transformar estadias em experiências fora de série, podem ajudar a definir novas expectativas para o que uma viagem pode oferecer.
Essas experiências não são apenas sobre luxo ou exclusividade, mas sobre a imersão em contextos específicos, de maneiras que são, simultaneamente, profundas e pessoais. Aqui, a tecnologia entra como ferramenta para aproximar as pessoas e enriquecer as interações humanas ao invés de substituí-las, garantindo que a essência das viagens continue a ser ponte para múltiplas realidades. Este é um indicativo de como as viagens do futuro serão moldadas: não apenas pela busca do extraordinário, mas pelo genuíno encontro entre diferentes mundos.
Em Rumo Futuro, Angelica Mari acompanha os movimentos e ideias de pessoas que protagonizam a inovação no Brasil e no mundo. Para sugerir histórias e dar seu feedback, entre em contato ([email protected])
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