
Israel, um país que há mais de um ano enfrenta uma guerra contra o terrorismo, é citado diariamente nas redes sociais acima de 1 milhão de vezes, invariavelmente em tópicos relacionados ao conflito. Com quase 77 anos de independência, 10 milhões de habitantes e um histórico de guerras desde a sua fundação, Israel se destaca globalmente como um polo de inovação, startups e oportunidades para negócios. Mas o que faz desse país um epicentro de inovação, mesmo diante de tantos desafios?
Desde 7 de outubro de 2023, dia do massacre perpetrado pelo Hamas que matou mais de 1,2 mil pessoas e sequestrou mais de 250, levando-as para a Faixa de Gaza, tive a oportunidade de estar no país três vezes: logo após o ataque, em dezembro de 2023, depois em setembro de 2024 e, recentemente, em fevereiro deste ano. Cada uma dessas visitas revelou um momento diferente vivenciado pela sociedade israelense, bem como novas faces dos desafios, da resiliência e da reconstrução necessária.

Inovação israelense vai além da agricultura. O conceito de “aharai” – traduzido como “venham comigo” ou “depois de mim” – destaca a liderança pelo exemplo
Frequentemente chamado de “Startup Nation”, Israel é um exemplo de como adversidades podem ser transformadas em oportunidades por meio da inovação. Com um território quase do mesmo tamanho que o do estado de Sergipe, o país oferece lições valiosas sobre os fatores que fomentam uma sociedade altamente inovadora. A própria tecnologia de defesa israelense, que tive a oportunidade de ver em ação durante a minha estada em dezembro de 2023, com o Iron Dome (ou “Domo de Ferro”), que intercepta, no ar, mísseis lançados por inimigos, é um exemplo do quão avançadas e necessárias são as soluções criadas no país. Alvo do disparo de milhares de projéteis, sem tecnologia Israel e a sua população estariam sob alto risco de destruição.
Mas essa realidade não é nova: além do ambiente geopolítico complexo, a história de Israel é marcada por outros desafios significativos, como a escassez de recursos naturais. Essas adversidades impulsionaram uma cultura de inventividade e resiliência. A expressão hebraica “davka”, que significa “apesar de”, reflete essa mentalidade de superação, transformando limitações em vantagens competitivas.
Responsável pela alocação de investimentos em recursos de inovação no Ministério da Agricultura de Israel, Michal Levy é um exemplo dessa superação. Ela é mãe de quatro filhos, três dos quais foram acionados para lutar na guerra. Em dezembro de 2023, Michal recebeu a notícia da morte do filho Rotem, 24 anos, que lutava na Faixa de Gaza. Em meio ao luto pela perda de um filho, ela compartilhou sua força e determinação; não perdeu sequer uma reunião do Ministério da Agricultura, e afirma que, enquanto os jovens soldados precisam dar suas vidas pela existência do país, é obrigação da nação torná-lo ainda mais desenvolvido, próspero e forte, como a verdadeira forma de honrá-los. Essa é a mentalidade e o nível de resiliência expressado pelo povo israelense.
Com aproximadamente 22 mil quilômetros quadrados, Israel tem fronteiras com Líbano, Síria, Jordânia e Egito, além de ser banhado pelo mar Mediterrâneo. De leste a oeste, o país pode ser atravessado de carro em cerca de 90 minutos, enquanto a viagem do extremo norte ao extremo sul dura cerca de seis horas. Apesar de seu pequeno tamanho, Israel converteu suas maiores limitações em suas forças mais poderosas.
Um exemplo surpreendente é a forma como lida com a escassez de água. A falta desse recurso essencial levou ao desenvolvimento de tecnologias avançadas de dessalinização e irrigação por gotejamento, posicionando Israel como líder mundial em agricultura no deserto. Atualmente, mais de 50% da água potável consumida no país é dessalinizada, e o sistema de irrigação por gotejamento é exportado para diversos países, incluindo o Brasil, demonstrando como a necessidade impulsiona soluções sustentáveis e economicamente viáveis.
Outro caso emblemático é a criação de peixes, camarões e crustáceos no deserto do Neguev, que cobre cerca de 60% do território israelense. Cientistas descobriram uma reserva subterrânea de água levemente salgada e aquecida a cerca de 40°C, tornando-se ideal para a piscicultura. O sistema fechado de criação permite que os excrementos dos peixes sejam reaproveitados na irrigação, criando um ciclo sustentável que combina aquicultura e agricultura.
A inovação israelense vai além da agricultura. O conceito de “aharai” – traduzido como “venham comigo” ou “depois de mim” – destaca a liderança pelo exemplo. Com o serviço militar obrigatório, os jovens israelenses desenvolvem, desde cedo, habilidades essenciais como tomada de decisão, proatividade e liderança prática. Os líderes são os primeiros a enfrentar desafios, inspirando suas equipes e fortalecendo uma cultura na qual o sucesso individual está intrinsecamente ligado ao coletivo.
Israel é um caldeirão cultural. Único Estado judeu no mundo, sua população é composta por 7,7 milhões de judeus, 2,1 milhões de árabes e 216 mil estrangeiros. Essa diversidade impulsiona a criatividade e resulta em combinações inovadoras e improváveis. Os imigrantes, por natureza, são empreendedores – acostumados a correr riscos e buscar soluções em novos ambientes. A predisposição ao risco, combinada à diversidade, torna Israel um dos ecossistemas mais inovadores do planeta.
Além da diversidade, uma cultura compartilhada une a sociedade israelense: a identidade judaica. Conceitos como “tikkun olam”, ou “reparação do mundo”, impulsionam ações que buscam impacto positivo na sociedade. Essa mentalidade coletiva reforça o compromisso com a inovação e a busca constante por melhorias.
A responsabilidade e a tomada de risco são elementos fundamentais na cultura israelense, e isso remonta ao movimento sionista. Theodor Herzl, em 1896, ao publicar “O Estado Judeu”, detalhou os pilares necessários para a construção do país, desde a imigração até o estabelecimento de instituições sólidas. Ele entendia que moralidade financeira – a correlação entre risco e benefício – era essencial para o sucesso de Israel. Desde os primeiros imigrantes, a ideia era gerar um senso de empreendedorismo em toda a população, independentemente de sua condição financeira.
Desde antes de sua fundação, Israel já investia fortemente em educação, reconhecendo-a como um pilar essencial para o desenvolvimento nacional. Esse compromisso resultou em um ecossistema vibrante de inovação, com o país investindo cerca de 5% do PIB em pesquisa e desenvolvimento – um dos índices mais altos do mundo.
Como exemplo, podemos verificar a fundação, em 1925, da Universidade Hebraica de Jerusalém pelos renomados Sigmund Freud, Martin Buber, Chaim Weizmann e Albert Einstein, décadas antes da criação do Estado de Israel.
Outro exemplo é a fundação, em 1924, do Instituto de Tecnologia Technion, em Haifa, que hoje é reconhecido como uma das melhores universidades do mundo em inovação e tecnologia. Por séculos, os judeus foram considerados cidadãos de segunda classe em diversos países, o que os levou a investir fortemente no conhecimento como ferramenta de segurança e sobrevivência. Esse foco se traduz, atualmente, em uma força de trabalho altamente qualificada e resiliente.
Outro aspecto fundamental é a “chutzpah” – termo que denota audácia e coragem para desafiar o status quo. Essa característica cultural incentiva debates intensos e a disposição para assumir riscos calculados. Em Israel, falhas são vistas como oportunidades de aprendizado, promovendo uma mentalidade de crescimento contínuo. Como dizia Shimon Peres: “O mais prudente a fazer é ousar”. A sociedade israelense não se conforma com o que já existe – ela busca constantemente reinventar e aprimorar.
Esses fatores combinados resultam em um país que investe pesadamente em inovação, independentemente dos desafios. Nem mesmo a guerra em sete diferentes frontes, contra o Hamas e o Irã e suas proxies, freou o avanço tecnológico: em 2024, o investimento em empresas de alta tecnologia cresceu mais de 30% comparado ao ano anterior, superando US$ 12 bilhões.
Sderot, que também tive a chance de visitar, é uma das maiores cidades localizadas no deserto do Neguev, no sul, e foi brutalmente atacada por terroristas em 7 de outubro de 2023. O município vem se revelando mais um case de resiliência israelense: com um plano de investimento de US$ 5 bilhões, o governo local reuniu grandes lideranças empresariais para desenvolver iniciativas de reconstrução e desenvolvimento da região. Isso inclui escolas de música e fomento cultural, implementação de ensino bilíngue nas escolas, ampliação da universidade local com a criação de departamentos de ponta em tecnologia e engenharia, bem como um plano de desenvolvimento urbano e imobiliário, fomentando o desenvolvimento econômico e o crescimento demográfico da região.
A experiência israelense demonstra que uma cultura voltada para a educação, a diversidade, a ousadia e a responsabilidade pode transformar desafios em motores de crescimento. Se Israel, mesmo diante de adversidades e escassez, consegue gerar tamanho impacto global, imagine o que um país como o Brasil, com sua vastidão territorial e abundância de recursos, pode alcançar ao adotar uma mentalidade semelhante.
*Por Daniela Russowsky Raad, diretora de Relações Institucionais e Fórum da Liberdade do Instituto de Estudos Empresariais (IEE)
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