O bordão da moda “os dados são o novo petróleo” cai como uma luva quando o assunto é a privatização da Dataprev, que pode muito bem ser um dos ativos mais valiosos a serem vendidos pelo governo.
Entre suas diversas atribuições, a empresa pública é responsável pela segurança das informações previdenciárias de cerca de 35 milhões de beneficiários do INSS, bem como os dados relativos aos impostos de todos os brasileiros. Assim como o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), a Dataprev está na lista de privatizáveis, anunciada no mês passado.
“Enquanto o petróleo é um recurso finito, dados são infinitamente reutilizáveis. Uma vez tratados, são extremamente valiosos e oferecem inúmeras possibilidades para quem os detiver,” aponta Dirceu Santa Rosa, advogado especializado em direito digital, do escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello.
A Dataprev também é valiosa por conta dos múltiplos contratos que mantém com diversos ministérios e órgãos públicos para a prestação de serviços de tecnologia. Há, ainda, um enorme potencial para uso de dados entre empresas de um mesmo ecossistema, aponta Santa Rosa.
“A Dataprev seria muito atraente para uma empresa de tecnologia, envolvida não somente em atividades relacionadas a desenvolvimento de software, mas também a serviços e consultoria na área de TI,” ressalta.
Empresas que estão justamente neste sweetspot e que poderiam se interessar pela Dataprev incluem Accenture, PwC e IBM.
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Servidores da Dataprev recentemente lançaram um manifesto que enaltece o valor e os feitos recentes da estatal, bem como o fato de ela ser “rentável e superavitária” e não depender de recursos da União.
Mas um ponto chave do discurso da estatal era o fato de que os planos de privatização não consideram a vulnerabilidade dos dados administrados por ela, bem como as possíveis consequências em termos de segurança e privacidade, relacionadas à venda destes ativos.
Por outro lado, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) anunciou hoje (3) que notificou a Dataprev requerendo a suspensão de uma licitação para um sistema de reconhecimento facial e impressão digital a ser usado no INSS para dispensar o comparecimento de cidadãos com dificuldades de mobilidade a postos de atendimento e agências bancárias para realização da prova de vida.
O Idec quer que a Dataprev suspenda a licitação até que a empresa resolva problemas relativos ao que descreveu como um “sistemático vazamento de dados” dos beneficiários do INSS.
A ONG ressalta que informações de aposentados têm sido rotineiramente usadas para fins fraudulentos e oferta de crédito consignado e que, até agora, tanto o INSS como a Dataprev afirmam não terem chegado a soluções para o problema.
A Dataprev afirma em nota que “a segurança da informação é um dos pilares da companhia, com ações rigorosas e concretas no sentido de proteger os dados de cidadãos brasileiros que estão sob sua guarda” e que usa “as melhores soluções de cibersegurança disponíveis no mercado, bem como profissionais capacitados e processos de governança estabelecidos”.
Sobre o tema privatização, a estatal diz que “aguarda a realização de estudos que devem avançar no assunto, mas, desde já, reforça que a política de proteção de dados da empresa deverá sempre se aperfeiçoar, avançar e seguir a lei, independentemente de sua natureza jurídica”.
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Para Santa Rosa, tanto o manifesto dos funcionários da Dataprev quanto a notificação do Idec apontam para a importância do debate sobre os dados retidos pelas estatais de tecnologia a serem privatizadas.
Também é necessário que se discutam as relações que possíveis compradores tenham com outras empresas, que enxerguem vantagens comerciais na base de dados dos cidadãos, bem como a forma com que as informações serão administradas pela iniciativa privada.
“Se a privatização é inevitável, é necessário que haja um debate transparente a respeito de como as informações de cidadãos serão tratadas,” afirma o advogado.
“Isso é especialmente importante se considerarmos que a Lei Geral de Proteção de Dados, que entrará em vigor em menos de um ano.”
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos, com uma década de experiência em redações no Reino Unido e Estados Unidos. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC, The Guardian e outros.
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