A crença na ciência aumentou em meio à pandemia. Essa é a conclusão da edição 2020 da pesquisa anual “State of Science”, da 3M, que apontou, ainda, que a diversidade étnica, geracional e de gênero são cruciais para a promoção da inovação, assim como o incentivo à educação com aplicação da metodologia STEM, que privilegia as disciplinas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, e a parceria público/privado para promover soluções que atendam às necessidades da população.
“À medida que as pessoas enfrentam a crise de saúde mais desafiadora de nossas vidas, a ciência torna-se mais relevante, mais confiável e mais importante em todo o mundo”, diz Mike Roman, presidente do conselho e diretor executivo da 3M.
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Segundo dados do levantamento anual, o cenário da Covid-19 aumentou a crença das pessoas na ciência ao nível mais alto dos três anos em que é realizado. A média dos resultados, que leva em conta apenas os países que participaram das edições anteriores do estudo (nove no total), aponta que, hoje, 89% dos consultados disseram confiar na ciência, 86% demonstraram crença nos cientistas, e, por conta da pandemia, 77% estão mais propensos a concordar que a ciência precisa de mais financiamento, enquanto 54% concordam que a ciência é muito importante na vida cotidiana. No geral, 92% dos entrevistados acreditam que as medidas de contenção da pandemia devem ser seguidas de acordo com orientações da ciência.
O levantamento foi realizado em duas etapas. Na primeira, 1 mil adultos com mais de 18 anos foram consultados no período pré-pandemia (entre agosto e outubro de 2019), em 14 países (Brasil, Canadá, China, Alemanha, Índia, Japão, México, Polônia, Singapura, África do Sul, Coreia do Sul, Espanha, Reino Unido e EUA). Na segunda fase, durante a pandemia de Covid-19 (entre julho e agosto de 2020), outras 1 mil pessoas acima de 18 anos foram entrevistadas nos mesmos países da primeira fase, com exceção de Índia, México e África do Sul.
Acompanhe, a seguir, a entrevista exclusiva concedida pela Chief Science Advocate da 3M, Jayshree Seth, que participará da Conferência ANPEI de Inovação 2020, em 16 de novembro, à Forbes sobre educação com foco no desenvolvimento científico, inovação e inclusão de grupos étnicos-raciais, geracionais e de diferentes gêneros em empresas, como forma de fomentar a diversidade humana e ideias:
Forbes Insider: A confiança na ciência é evidente em seu estudo, bem como a necessidade de fomentar o desenvolvimento de habilidades nessa área, mas quando se trata do T (tecnologia) em STEM, por que também é importante incentivar a educação nessa área para enfrentar os maiores desafios do mundo?
Jayshree Seth: A confiança na ciência está realmente crescendo no contexto da pandemia. De muitas maneiras, atingimos um ponto de inflexão à medida que as pessoas veem e experimentam a importância da ciência em suas vidas cotidianas. Antes de abordar a tecnologia, ou o “T” em STEM, deixe-me começar dando um contexto em torno da relevância de uma educação STEM em geral para definir o cenário. Por que isso Importa? Porque os alunos de hoje são os cientistas de amanhã – e acho que todos nós sabemos que o mundo precisa de cientistas para resolver problemas globais, não apenas hoje, mas questões que surgirão no amanhã. É imperativo criar esse pipeline, para a segurança, saúde e bem-estar da sociedade. E a educação é a chave para isso.
No Brasil esse reconhecimento também parece acontecer. Nossa pesquisa mostra que a pandemia colocou em foco a importância da educação STEM. Na verdade, devido à crise sanitária de Covid-19, os brasileiros estão mais propensos a concordar que uma forte educação STEM é crucial (87% contra 73% globalmente) – essa é uma diferença significativa. Os brasileiros também são muito mais propensos do que outros países a acreditar que o mundo precisa de mais pessoas buscando carreiras relacionadas a essas áreas para trazer benefícios para o futuro da sociedade: 87% contra 74% em nível mundial.
Primeiro, a tecnologia é aplicada no processo de manufatura e produção. Por exemplo: quando a 3M fabrica máscaras N95, a tecnologia é uma parte vital desse processo, desde o estágio de design até a produção. Também contamos com tecnologia na cadeia de suprimentos para vender, distribuir e rastrear esses produtos. Em seguida, os fabricantes estão cada vez mais se voltando para a automação e a robótica. Trabalhamos diretamente com integradores e outras engenharias de fabricantes de bens acabados (aqueles que foram fabricados mas ainda não foram distribuídos) para fornecer consultoria em soluções automatizadas que usam abrasivos, adesivos e outros materiais de ligação no processo de produção.
E apenas algumas semanas atrás, nós anunciamos o vencedor de 2020 do 3M Young Scientist Challenge: Anika Chebrolu, uma garota de 14 anos de Frisco, no Texas. Anika teve uma ideia para limitar a propagação da infecção SARS COV-2. Ela identificou uma molécula que poderia se ligar à proteína do vírus Corona e alterar sua forma para que não pudesse continuar seu caminho ou comportamento original. Anika pesquisou mais de 600 milhões de moléculas para identificar uma que pudesse funcionar: e sua pesquisa exigia tecnologia. Sua história é um exemplo clássico da aplicação da educação STEM na tecnologia.
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Acredito que a ciência na era do coronavírus representa esperança para muitas pessoas. Acho que todos esperamos que a ciência e a tecnologia sejam nossa válvula de salvação para lidar com questões como esta e outras no futuro.
FI: Como melhores habilidades tecnológicas podem apoiar os desenvolvimentos científicos, especialmente no contexto da Covid-19?
JS: O exemplo que acabei de dar sobre Anika Chebrolu, a melhor jovem cientista da América, é bom. Anika teve que ser treinada em várias ferramentas de software para conduzir a pesquisa que constitui a base de sua inovação. Sem essa tecnologia e as habilidades que ela desenvolveu para usá-la, ela nunca poderia ter concebido tal inovação para encontrar uma solução potencial de terapia medicamentosa.
Mas estar familiarizado com tecnologia é quase um requisito hoje em dia, qualquer que seja o caminho de carreira que você escolher, há um elemento de ciência e tecnologia em praticamente tudo:
Editores, como nossos amigos da Forbes, contam com a tecnologia não apenas para produzir suas notícias, mas também para distribuí-las. Os médicos precisam da tecnologia para realizar avaliações durante a Covid-19 por meio da telemedicina. Os professores dependem da tecnologia para ministrar aulas à distância durante o isolamento social. Até mesmo eletricistas e encanadores usam ferramentas remotas para fazer diagnósticos. A tecnologia se tornou bastante onipresente durante este período de pandemia, seja para disseminar informações de saúde pública, rastrear contatos ou diagnósticos rápidos e desenvolver vacinas – ela teve um papel importante e que será fundamental em nossa capacidade de vencer esta pandemia
FI: Qual é sua opinião em termos de ações intencionais que os governos podem tomar para preencher a lacuna racial e geracional na disponibilidade de habilidades STEM a que seu estudo faz alusão?
JS: Nossa pesquisa nos diz que a inspiração e o acesso são as chaves para desbloquear a busca pela ciência, independentemente da origem. Então, uma coisa muito boa para os governos – e entidades não governamentais – fazerem, é se inspirar nas coisas que os brasileiros nos disseram que ajudariam. Segundo vocês, os alunos ficariam mais inspirados a seguir uma carreira científica se o ensino da ciência fosse mais envolvente (50% contra 46% globalmente), se houvesse mais investimento em grades curriculares da disciplina (49% contra 40% em nível mundial) e se fossem criadas oportunidades iguais para os alunos de todo o país aprenderem sobre carreiras científicas (40% contra 34% no mundo).
Na verdade, o papel do governo no apoio à ciência é mais importante para os brasileiros do que para outros países. A maioria continua a sentir que o poder público deve estar mais envolvido na solução de questões sociais, em comparação com o resto do mundo, e aqui estão alguns exemplos: contenção da propagação da Covid-19 (92% no Brasil x 86% globalmente); saúde acessível (92% x 86%); melhoria da qualidade do ar (90% x 85%); acesso à energia limpa e renovável (90% x 83%); educação STEM (89% x 78%); infraestrutura (89% x 83%); e poluição dos oceanos por plásticos (89% x 84%).
FI: Como a liderança no setor privado pode resolver a falta de diversidade nos campos STEM e de que maneiras não óbvias isso é importante para o desenvolvimento de produtos?
JS: Deixe-me começar explicando que a diversidade é crítica para a inovação: com base em minha própria experiência, quanto mais diversificado for o grupo de cientistas, mais provável é que a ciência possa identificar e resolver um problema ou criar algo que melhore vidas. Aqui está um exemplo da minha própria carreira: como uma cientista e engenheira, sou minoria. Mas ficou claro para mim quando comecei a trabalhar com adesivos e fixadores para produtos de higiene pessoal, como fraldas infantis, que minha abordagem e mentalidade eram um pouco diferentes e comecei a me concentrar em criar uma solução mais suave e confortável para o bebê. Fiquei surpresa com os produtos no mercado e me perguntei como seria para a criança usar essas fraldas e, como cientista, eu poderia fazer algo a respeito. Muitas vezes usei minha visão única de mãe para identificar e resolver problemas com os quais milhões de pais se deparavam várias vezes ao dia. Sem desrespeito aos meus colegas, mas sinto que fui capaz de trazer uma voz única como cientista e mãe para dar vida à nossa inovação para oferecer fraldas confortáveis para nossos bebês.
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Em termos do que as empresas podem fazer, acho que isso requer ação deliberada e precisa vir dos escalões mais altos de uma organização. Não posso falar pelos outros, mas, na 3M, nosso CEO Mike Roman tomou ações positivas em busca da justiça social e deixou bem claro que a diversidade e a inclusão são responsabilidades centrais. Criamos uma nova posição para liderar as ações de justiça social e nomeamos meu colega Garfield Bowen para essa função. Doamos US$ 50 milhões para apoiar iniciativas e organizações de diversidade em nossa comunidade nos próximos cinco anos. Uma parte desse dinheiro apoiará diretamente jovens negros acadêmicos norte-americanos. E, por fim, doamos US$ 41 milhões no ano passado para apoiar iniciativas STEM.
FI: O que as empresas podem potencialmente perder por não agirem para enfrentar os desafios raciais e geracionais ao buscar conjuntos de habilidades STEM
JS: Prefiro explorar isso do lado do que as empresas têm a ganhar com uma ação positiva.
Em primeiro lugar, há muitas evidências que sugerem que a diversidade em todas as suas formas – gênero, raça, gerações, pessoas com deficiência e assim por diante – impactam positivamente os resultados financeiros de uma empresa. Embora a pesquisa não tenha analisado isso, faz sentido porque, quando uma empresa reflete a sociedade, seus produtos e serviços também refletem as necessidades sociais, e isso é bom para os negócios.
Nas ciências, o capital humano disponível é um problema: lemos repetidamente relatórios sobre como não há pessoas suficientes para preencher as vagas. Ao abraçar a diversidade, as empresas têm a oportunidade de ajudar a atender a essa necessidade.
Como cientista, tenho muita sorte porque trabalho para uma empresa que sempre me fortaleceu e me incentivou a prosperar, embora eu seja minoria com base em gênero. Como mencionei anteriormente, a diversidade impulsiona a inovação. Na verdade, em muitos de meus projetos, tenho visto claramente o papel de diversos pensamentos e experiências. De volta aos meus dias de trabalho em componentes para fraldas, os estudos etnográficos revelaram inúmeras diferenças relacionadas à demografia e aos produtos necessários para incorporar soluções para atender a todos os requisitos. Logo, apenas uma equipe diversa pode representar bem o conjunto de usuários finais que temos.
Olhando para meus próprios filhos e seu círculo de amigos, minha sensação é de que as gerações mais jovens esperam diversidade. É totalmente normal para eles. Ao olhar para suas estratégias de recrutamento, as empresas têm uma vantagem competitiva se puderem mostrar uma história e um compromisso com a diversidade, porque serão capazes de atrair talentos que outras companhias não serão.
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos, com uma década de experiência em redações no Reino Unido e Estados Unidos. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros.
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