Há uma grande especulação em torno da decisão do Banco Central de emitir a nova cédula de papel-moeda com a cifra de R$ 200. Muitas foram as confabulações. Ouvimos e lemos de tudo. Achismos são comuns entre aqueles que se informam apenas a partir dos vieses em que acreditam, portanto, procurar fontes corretas e propagar o fato de acordo com suposições pode soar como um alento.
Não, a nova nota não chegará porque estamos assombrados de medo da inflação, tampouco porque há boa vontade com os crimes de colarinho branco. Aliás, temos um Banco Central que devemos admirar por imprimir uma gestão técnica, equilibrada e atenta à realidade do país.
A crise e o hábito
A crise de saúde chacoalhou a vida de todos nós, e a economia de um país reflete os hábitos, os costumes e a cultura de sua sociedade. Cada ação individual reflete coletivamente, sobretudo, pelo efeito manada que reproduz. É confortável fazer o que todos fazem: errar em conjunto nos livra de sentirmos culpa e provoca uma sensação de autoperdão.
O novo coronavírus chegou sem avisar e devastou a saúde das nações, bem como seus sistemas financeiros. Os bancos centrais mundo afora precisaram ajustar suas expectativas e planos. No Brasil, não foi diferente. O fato é que nos revelamos todos assombrados de medo, por isso, recorremos aos mecanismos instintivos de luta pela sobrevivência.
A pandemia provocou reação em massa das pessoas em defesa de si próprias e em busca de liquidez, ou seja, reter dinheiro em espécie foi a primeira atitude. Houve também uma queda vertiginosa no volume de compras no comércio em geral, além da ação emergencial do governo de socorrer milhares de trabalhadores, que tiveram suas rendas comprometidas do dia para noite, com auxílio de, pelo menos, R$ 600, depositados em contas de quem não tem o hábito de lidar com os bancos nem com as facilidades do sistema financeiro.
O resultado foi o aumento de saques, a retenção de recursos e muito dinheiro estocado e fora de circulação, em posse de pessoas, o que podemos chamar de entesouramento, o que leva à falta de papel-moeda em circulação no país. O Banco Central, que já estudava implementar a nova cédula, não teve dúvidas da necessidade. Isso não aumentará a quantidade de dinheiro, o que refuta a ideia de inflação, pelo menos no curto prazo, mas reduzirá a quantidade de notas para quem usa o mecanismo de entesourar recursos como meio de proteção de capital.
O brasileiro e o dinheiro
Dinheiro nada mais é do que uma forma de trocarmos o que não precisamos pelo que precisamos. Em uma crise, queremos dinheiro na mão para proteger nosso poder de compra. É curiosa essa atitude, pois, ao estocar as cédulas, não blindamos nosso capital e perdemos parte do valor que detemos para inflação.
Ocorre que há, no Brasil, milhões de pessoas desbancarizadas que utilizam apenas papel-moeda para pagamentos. Esse hábito, aliado ao baixo consumo, dificulta a chegada dessas cédulas aos bancos. A maior parte dos brasileiros ainda não está digitalizada. Sim, deveríamos estar todos usando a tecnologia, mas temos um grande caminho a percorrer até que todas as transações sejam eletrônicas.
Se você usa cartão de crédito, saiba que está na restrita lista de privilegiados do nosso país: apenas 15% da população tem essa alternativa à disposição. O cartão de débito é usado por 22% das pessoas e, o papel moeda, por 60%. Portanto, é importante conhecer a realidade para entender o posicionamento do Banco Central.
O resultado de milhares de pessoas com muitas notas entesouradas é a diminuição da circulação de recursos. Essa é a razão pela qual serão impressas 450 milhões de unidades da nova nota de R$ 200, ou seja, R$ 90 bilhões de reais.
Dinheiro na mão é vendaval
Estocar dinheiro e fazer pagamentos em espécie é vantajoso apenas para quem não consegue policiar seus gastos. A dor ao trocar a cédula por um bem de consumo pode gerar mais reflexão sobre o ato de comprar. Efeito que serve de aliado aos endividados e aos que precisam se adequar a um orçamento restrito.
Mas há também os descontrolados que gastam mais do que deveriam, sobretudo, com cédulas de menor valor em posse. Dinheiro embaixo do colchão é arriscado. Primeiro pelo risco de roubo, assalto e questões sociais. Segundo, não usar a conta bancária é um fator limitador de independência financeira, impede a construção de poupança e de uma carteira de investimentos, restringe o acesso ao crédito e não protege seu poder de compra da inflação.
A herança dessa pandemia será nos tirar da zona de conforto, nos fazer pensar, questionar modelos e padrões, sobretudo, em relação à forma com que lidamos com o dinheiro. Imprevistos sempre acontecem, e a maioria das pessoas e empresas não está preparada para lidar com eles porque não tem reservas. A fórmula mágica para ter uma vida financeira saudável é organização, disciplina e bons investimentos para garantir qualidade de vida mesmo em tempos difíceis.
Francine Mendes é educadora financeira para mulheres, economista pela Universidade Federal de Santa Catarina, com mestrado em psicanálise do consumo pela Universidade Kennedy. Apresentadora do canal Mary Poupe, no YouTube, e comunicadora na RiCTV Record.
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