A sete dias das eleições presidenciais nos Estados Unidos, o mundo volta atenções ao pleito que já é considerado um dos mais decisivos dos últimos tempos. Muito além do cargo mais importante do mundo, está em jogo também como será a recuperação econômica dos EUA, seus impactos sobre outros mercados, como Brasil, e a geopolítica global nos próximos quatro anos.
Em entrevista ao Forbes Money, o professor Dr. Francisco Américo Cassano, pesquisador de Relações e Negócios Internacionais na Universidade Presbiteriana Mackenzie, avalia que o Brasil tem papel decisivo na disputa entre os Estados Unidos e a China pela liderança global. Não por acaso, a comitiva norte-americana desembarcou em Brasília na última semana. A reorientação poderia impulsionar a indústria brasileira via exportações para os EUA, mas entraves, como a reforma tributária, ainda são desafios à exploração do comércio entre os países, avalia o professor.
Forbes Money: Quais são os impactos dos acordos firmados na última entre EUA e Brasil?
Francisco Cassano: O acordo não traz um impacto direto no fluxo comercial entre os países, mas tem foco na redução dos entraves burocráticos que o comércio exterior entre os países possui. As operações de importação e exportação teriam seus procedimentos com menor burocracia, prazos de liberação de mercadorias reduzidos e custos das operações de forma geral. Isso pode representar uma melhoria de competitividade de preços para determinado produtos. É muito diferente, por exemplo, de dizer que esse acordo reduz tarifas de importação para os dois lados.
Esse é o principal efeito que esse acordo, mas existe um componente político. Com o acordo, o governo americano acena para a comunidade brasileira que reside nos EUA. É como seu o Trump dissesse: “eu estou olhando para vocês, eu tenho o Brasil em boa consideração. A eleição está aí, vamos trazer o Brasil do nosso lado.” Os governos já discutem também um financiamento de até US$ 1 bilhão pelo EXIM Bank para empresas brasileiras adquirirem produtos dos EUA com crédito de longo prazo, incluindo componentes voltados para a indústria de defesa.
FM: Se o Trump não se reeleger, o que muda?
FC: Existe uma linha divisória que são as eleições de 3 de novembro. O Joe Biden não tem interesse em se aproximar o governo Bolsonaro, talvez tenha do governo brasileiro, mas não da gestão Bolsonaro.
FM: O Biden pode reverter o acordo firmado recentemente?
FC: Acredito que ele não faria isso, o acordo também beneficia as empresas norte-americanas, favorece o comércio exterior entre os dois países, ele não seria tão ofensivo.
FM: Como o senhor avalia Biden x Trump e as relações com Brasil?
FC: Essa aproximação do Trump ainda não é ampla. Os EUA e a União Europeia já representaram para o Brasil metade, ou seja, 50% da pauta de exportações, até 2002 foi dessa forma. A partir de 2003, no governo Lula, a política externa brasileira teve um outro direcionamento e passou a focar em países emergentes e não desenvolvidos. Como já existia uma tradição de relacionamento com os EUA e UE, a política externa brasileira deixou um pouco de lado esses dois parceiros. O resultado é que, atualmente, os EUA representam em torno de 10% das nossas exportações e a UE 15% da pauta brasileira. A China, por sua vez, passou a ser o nosso grande destino, tomando em torno de 40% das exportações brasileiras, ao mesmo tempo que ocupou o espaço dos nossos produtos nestes dois mercados.
Existe o interesse de se reaproximar os EUA do Brasil com a estratégia de ocupar novamente o mercado norte-americano com produtos brasileiros, diminuindo a dependência ao mesmo tempo do mercado chinês.
FM: E como ficam as relações com a China?
FC: Podemos continuar exportando para a China, porque para lá é agronegócio. O que é interessante para o comércio exterior brasileiro é o setor industrial, ou seja, as nossas indústrias estão perdendo muito espaço na atividade econômica brasileira. Existe um processo de desindustrialização muito forte no Brasil e isso desde o momento em que se priorizou países emergentes e não desenvolvidos, que demandam obras de construção civil, produtos da área de alimentos. A nossa indústria perdeu o mercado norte-americano, para quem vamos vender? Essa aproximação poderá significar para a indústria brasileira uma retomada do mercado americano.
Para o Brasil é melhor uma reeleição do Trump? Para dar continuidade ao que já foi feito, sim. Alguns passos já foram tomados. Mas entendo que tudo isso faz parte de um jogo político para que votos sejam conquistados, mas em um curto espaço de tempo isso pode se modificar novamente.
FM: A visita da comitiva norte-americana também trouxe uma pressão nas relações comerciais entre Brasil e China…
FC: Essa é estratégia política do governo Trump que o levou a ser eleito. O “Make America Great Again” começou exatamente com essa animosidade com a China e isso tem uma origem, a China foi o país que melhor aproveitou os efeitos proporcionados pela globalização, como a eliminação de barreiras tarifárias em todo o mundo, a livre circulação de capitais estrangeiros, captando a possibilidade de atrair investidores interessados no baixo custo de mão de obra. A China fez uma lei para atrair esses investidores, passando a isentar de Imposto de Renda todo o investimento estrangeiro, desde que associado a uma empresa chinesa. Isso foi uma abertura fenomenal, várias empresas norte-americanas, europeias e brasileiras foram para a China, que de repente se viu muito bem atendida com indústrias tecnológicas de ponta e, em menos de 30 anos, aproveitou todo esse acesso a tecnologias e conhecimento e formou cientistas, e esse novo grupo de chineses passou a desenvolver tecnologia própria. Um celular da Apple hoje está atrasado em dois anos em relação a um Huawei e Xiaomi. O Trump percebeu que isso é perverso para a economia norte-americana e o Brasil está no meio disso tudo. O Brasil poderia ser a alternativa norte-americana para enfraquecer a China e continuar fornecendo produtos mais competitivos para o consumidor norte-americano. Acho que o se o Trump for reeleito, para o Brasil, esse deslocamento de atividade produtiva e de interesses industriais passaria da China para o Brasil. Na minha visão, é essa a orientação estratégica que os governos do Brasil e EUA têm. A China já percebeu isso também.
FM: O Brasil vai conseguir capitalizar isso? Esse é um grande problema. Se o americano falar: “a partir de amanhã só vou comprar de você”, nós não estamos preparados para isso. Não temos legislação avançada, a política tributária não está definida, a política administrativa… enfim, há uma série de reformas necessárias para que o Brasil possa ser essa alternativa que EUA deseja.
FM: Os textos em discussão atualmente para a reforma tributária contemplam esses aspectos?
FC: Não. Os estados não querem abrir mão de receitas. Tem que ser uma decisão política, do parlamento. E nós estamos arrastando isso já há 30 anos.
FM: As relações do Brasil com a China podem ser impactadas em uma nova orientação?
FC: A China quer é fazer comércio. Nós temos uma vantagem absoluta em relação à China que é a forte dependência por alimentos. Obviamente que a China é um mercadão para o Brasil, mudar isso desmontaria todo o agronegócio brasileiro. A China, por outro lado, não vai encontrar um fornecedor que atenda as necessidades chinesas como Brasil.
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