É final de março e David Neeleman está presidindo uma mesa repleta de pilhas de papel e restos de um almoço de macarrão em um hangar no Aeroporto MacArthur de Long Island, nos Estados Unidos. O esguio homem de 61 anos está de bom humor, contando piadas para a tripulação de voo e equipe de operações que montou para lançar sua quinta companhia aérea, a Breeze Airways.
Neeleman está retornando aos céus dos EUA 14 anos depois de ter sido demitido como CEO da companhia aérea que fez seu nome, a JetBlue. Ele trouxe muitos rostos familiares daquela época para ajudar. Depois de um ano frustrante com atrasos relacionados à Covid e trabalho remoto, eles finalmente estavam juntos, trabalhando em uma série de testes de segurança federais neste pequeno aeroporto localizado a 60 milhas a oeste da cidade de Nova York, abrindo o caminho para a Breeze começar a voar no final de maio.
Lançar uma companhia aérea é um risco enorme mesmo nas épocas boas – e não estamos em uma delas. O ano passado foi um dos piores da história da indústria da aviação, com as seis maiores companhias do setor nos EUA perdendo, juntas, US$ 35 bilhões, mesmo depois de receber US$ 25 bilhões em doações federais para manter os salários dos funcionários. A Breeze, que é financiada por cerca de US$ 100 milhões de investidores externos e pela própria fortuna de Neeleman, projeta acumular mais de US$ 200 milhões em custos até o final de 2021.
As fronteiras permanecem fechadas para os viajantes internacionais e há dúvidas se o volume de viagens de negócios voltará aos níveis pré-pandemia. Mas Neeleman não está preocupado com esses dois pontos: ele acredita que a Breeze está prestes a capitalizar sobre um desejo reprimido entre os norte-americanos de ir à praia, visitar amigos e familiares conforme a vacinação elimina preocupações sobre a pandemia do coronavírus. O número de passageiros nos EUA já aumentou nos últimos dois meses, chegando a 31% dos níveis pré-pandêmicos em abril.
“Os humanos foram feitos para se socializar”, diz Neeleman, que nasceu no Brasil e tem pais norte-americanos. “Eles não foram feitos para ficar fechados em suas casas e andar por aí com máscaras.”
Seu plano é jogar o equivalente aéreo do small ball (técnica do basquete que valoriza a velocidade e agilidade de jogadores menores), conectando cidades menores, que atualmente não têm serviço sem escalas, levando viajantes aos seus destinos duas vezes mais rápido e pela metade do preço que a Delta, a United e a American cobram para transportar passageiros entre seus grandes aeroportos.
O plano de lançamento da Breeze é composto por uma rede de rotas curtas, de menos de duas horas, que se expandirá para 15 cidades em julho. O foco é transportar pessoas para destinos de férias no sudeste, trazendo-os principalmente de cidades menores da região, mas também de um punhado de lugares ao norte.
A companhia espera trabalhar com tarifas baratas (“bem abaixo” de US$ 100 para um destino) e voos diretos convençam muito mais pessoas a fazer essas rotas, tradicionalmente pouco percorridas, do que antes da pandemia.
No entanto, outra nova companhia focada em custos baixos será lançada neste verão: a Avelo, do ex-presidente da Allegiant, Andrew Levy. Com isso, serão seis empresas aéreas de baixo custo nos EUA, todas competindo pelo mesmo mercado, que é altamente sensível aos preços. “Haverá um banho de sangue”, diz Henry Haarteveldt, da Atmosphere Research. “Eu não espero que as companhias aéreas abram mão da participação de mercado para a Breeze sem lutar.”
As baixas tarifas da Breeze serão viabilizadas por baixos custos, parcialmente pela cortesia de 15 jatos usados da Embraer E190 e 195. Alguns desses jatos são de segunda mão, anteriormente usados pela Azul, companhia aérea brasileira fundada por Neeleman após a JetBlue. Outros estão sendo alugados de uma pilha gigante de aviões estacionados devido à pandemia. Nos jatos mais antigos que Breeze está usando, as taxas de aluguel caíram 23% durante a pandemia, entre US$ 88.000 e US$ 100.000 por mês, de acordo com o provedor de dados de aviação Cirium.
Neeleman diz que seus aviões pequenos, que acomodam entre 106 e 122 passageiros, têm custos de viagem de 25% a 30% mais baixos do que o Airbus A320 e o Boeing 737, de 150 a 180 assentos, que a maioria das companhias aéreas de baixo custo usam. Ele diz que Breeze pode ganhar dinheiro com apenas 60 passageiros em um avião, e graças aos aluguéis baratos, ele pode se dar ao luxo de voar com as aeronaves apenas aos fins de semana, quando o negócio é mais lucrativo.
Eventualmente no futuro, a companhia planeja voar em aviões maiores por todo o país e no exterior. Ela encomendou 60 novos Airbus A220 com baixo consumo de combustível e está trabalhando em um acordo para mais 20. Em alguns anos, Neeleman planeja que as médias e longas distâncias sejam a maior parte do negócio.
Neeleman também pretende cortar custos – e o número de funcionários – ao projetar uma companhia aérea em torno de novas tecnologias, principalmente um aplicativo para smartphone que concentrará as interações com os clientes até o embarque no avião. Tchau tchau, grande equipe de call center. (O risco é óbvio: as pessoas podem não conseguir contactar ninguém em tempos de crise.)
Esse aplicativo, segundo Neeleman, foi projetado para convencer os clientes a pagar por atualizações e extras, de comida a carros de aluguel, dos quais a Breeze depende para se tornar lucrativa. “[Vamos] enviar uma mensagem para alguém, ‘Ei, vimos que você irá voar hoje. Gostaria de comprar um sanduíche de filé mignon para entregarmos em mãos no seu assento?’ Basta adicionar todos esses pequenos complementos divertidos onde você pode clicar em “sim, sim, sim”. E podemos simplesmente continuar adicionando ao cartão de crédito.”
As taxas extras são o vento que sustenta as asas de muitas companhias aéreas, mas na Breeze a promessa é que elas não irão prejudicar os clientes: as malas despachadas custarão US$ 20 em voos com menos de três horas e não haverá cobrança de taxas para alterações ou cancelamentos. Os assentos da primeira classe dos A220s estarão disponíveis por apenas US$ 50 a US$ 100 extras, uma tarifa muito menor do que a de outras companhias aéreas.
A bordo, os viajantes serão recebidos com alegria – e alguma polêmica – por estudantes universitários de Utah, que a Breeze recrutou para trabalhar como comissários de bordo por tempo parcial, um trabalho que Neeleman descreve, essencialmente, como um estágio. Subjacente ao programa está a convicção de que os comissários de bordo não melhoram muito com anos de experiência e que podem ficar presos em um emprego sem futuro devido aos benefícios da senioridade. “Não é algo politicamente correto, mas é algo em que David acredita de todo o coração”, diz Trey Urbahn, membro do conselho da Breeze que trabalhou com Neeleman em várias de suas outras companhias aéreas.
Neeleman questiona se o programa vai poupar dinheiro para a Breeze, mas dispensar comissários de bordo depois de ganharem um diploma de quatro anos certamente evitará aumentos salariais que vêm com o tempo de trabalho. Após 13 anos, os comissários de bordo podem ganhar mais de US$ 70 mil por ano na Delta, United Airlines e na American Airlines, companhias que operam no mercado norte-americano. A Breeze, por outro lado, pagará um salário fixo mensal de US$ 1.200 por 15 dias de trabalho, fornecerá moradia pela empresa e cobrirá US$ 6 mil em mensalidades para cursos online.
O maior sindicato de comissários de bordo dos EUA diz que a proposta parece uma tentativa de abusar dos subsídios federais para estudo a fim de diminuir custos trabalhistas. “Vamos trabalhar muito para garantir que essa ideia não vá adiante”, disse Sara Nelson, presidente da Associação de Comissários de Bordo-CWA (em tradução livre para o português).
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Originalmente, Neeleman pretendia ser o principal financiador da empresa, mas o plano foi frustrado pelo forte impacto que a pandemia causou em sua fortuna no ano passado. Um acordo para sacar sua participação de 22,5% na TAP Air Portugal em uma venda para a Lufthansa fracassou, deixando-o sem escolha a não ser aceitar o que diz ser uma oferta muito inferior, de cerca de US$ 50 milhões do governo português. Sua participação na Azul, que já foi avaliada em US$ 290 milhões, caiu para US$ 85 milhões depois que ele foi forçado a vender a maior parte de suas ações preferenciais devido a uma chamada de margem de empréstimo pessoal.
Com os cofres esvaziando, Neeleman recorreu ao financiamento de capital de risco e levantou US$ 83 milhões no ano passado em uma rodada liderada pela Peterson Partners de Utah, que também investiu na JetBlue e na Azul. Neeleman investiu US$ 17 milhões adicionais e tem a maior parcela do capital votante, de 36%.
Os US$ 100 milhões cobrem apenas metade dos custos iniciais da Breeze – a companhia projeta gastar US$ 57,5 milhões para entrar em funcionamento e US$ 149,6 milhões em despesas operacionais no primeiro ano, de acordo com documentos federais. Neeleman planeja economizar dinheiro vendendo imediatamente seus novos A220s para uma empresa de aluguel e, em seguida, alugá-los de volta. Ele tem como objetivo crescer rapidamente e lucrar até 2022.
Pessoas próximas e especialistas afirmam que a indústria não está feliz com Neeleman trazendo mais assentos para o mercado. “A conversa é: ‘Oh não, mais capacidade’”, diz um ex-executivo de uma companhia aérea que pediu para permanecer anônimo. “As pessoas estão nervosas.”
Eles também estão cautelosos porque Neeleman lançou quatro companhias aéreas de sucesso em três países diferentes até agora – uma taxa de sucesso nunca vista em um setor conhecido por esmagar startups e companhias aéreas comuns. Em 1984, aos 25 anos, ele fundou a Morris Air em Salt Lake City, onde ganhou uma reputação pela engenhosidade – a Morris foi a primeira companhia aérea a usar passagens eletrônicas e agentes de reservas domésticos – e pela energia ininterrupta – ele passou longos dias no aeroporto resolvendo problemas e fazendo de tudo, desde o embarque de passageiros até a limpeza de aviões. Comprado por US$ 120 milhões em 1993 pela Southwest Airlines, que cobiçava tanto o prodígio quanto o negócio, ele foi expulso cinco meses depois, após criticar os executivos incessantemente por mudanças.
Depois de ajudar a lançar o Canada’s WestJet, Neeleman fez uma aposta vitoriosa em 1998 com a JetBlue, cujas tarifas baixas e o serviço amigável atraíram os moradores de Manhattan a viajar mais 16 km além do aeroporto LaGuardia, sujeito a atrasos, para voos domésticos do JFK, que na época funcionava praticamente apenas até o meio-dia. Quando um colapso operacional em meio a uma tempestade de gelo no Dia dos Namorados em 2007 levou o conselho a destituí-lo do cargo de CEO, Neeleman olhou para o Brasil.
Lá, Neeleman viu dezenas de cidades menores que não tinham serviço aéreo. Com a Azul, ele empregou uma frota de pequenos Embraer E190s que podiam voar lucrativamente onde as companhias aéreas dominantes, Gol e TAM, não podiam ir com seus 737s e A320s. Em 2019, 11 anos após o início, a Azul detinha 27% do mercado doméstico e estava entre as maiores margens de lucro do setor de aviação.
Michael Lazarus, um investidor de risco que apoiou todas as companhias aéreas de Neeleman, diz que aos 61 anos, ele mantém a mesma energia hiperativa e a crença de que garantir a felicidade de seus funcionários levará a clientes felizes. “Já participei de muitas de suas primeiras aulas para comissários de bordo ou pilotos. Ele diz: ‘Este será o melhor trabalho que você já teve – esse é o meu trabalho’. Ele se preocupa.”
Enquanto prepara a Breeze para a decolagem, Neeleman, de maneira clássica, já está de olho em outro empreendimento: ele diz que está conversando com startups de carros voadores sobre o uso do novo aplicativo da Breeze e compartilhando sua experiência operacional para ajudá-los a construir as redes de táxi aéreo urbano que têm em mente.
“Sou fascinado pelos aviões urbanos”, diz ele. “Há tempo para começar este novo bebê e, se eles quiserem fazer algo, será um prazer para nós.”
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