A educação financeira dos brasileiros está prestes a ganhar um reforço de grande alcance neste mês: uma parceria entre o MEC (Ministério da Educação) e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) irá capacitar 500 mil professores para levar o tema a 25 milhões alunos da rede pública e privada de ensino do país.
Os impactos, no entanto, podem ir além do conhecimento transmitido a novas gerações de brasileiros, levando novas práticas e uma relação mais saudável com o dinheiro também aos lares desses estudantes. Segundo dados do Serasa, em abril, 62 milhões de pessoas estavam inadimplentes no Brasil e, destas, metade tinha 100% da renda mensal comprometida.
No que tange às competências financeiras dos jovens, a situação também preocupa: o Brasil ocupa a 17º posição no ranking de 20 países do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, em português), um relatório trienal elaborado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) com as economias mais desenvolvidas do mundo.
A parceria liderada pelo MEC tem como referência a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e, por objetivo, oferecer conhecimentos básicos sobre finanças pessoais de forma transversal entre as disciplinas da grade curricular dos estudantes. Em entrevista exclusiva à Forbes, o diretor de Formação Docente e Valorização dos Profissionais da Educação do MEC, Renato Brito, fala sobre a iniciativa, que deve sair do papel até a primeira quinzena de julho.
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Forbes Money: Como vai funcionar o acordo de cooperação técnica entre o MEC e a CVM?
Renato Brito: A educação financeira é um tema muito importante porque faz parte do dia a dia. O ser humano não vive sem lidar com finanças, sem lidar com transações financeiras, e isso com certeza requer uma formação para tanto. Todas as parcerias que o MEC realiza, como essa com a CVM, se dão por acordos de cooperação técnica. O acordo entre o MEC e a CVM já foi finalizado e está previsto para ser assinado entre o final de junho e até meados de julho deste ano. É um acordo com uma duração de três anos e queremos alcançar cerca de 500 mil professores para atuar com educação financeira nas escolas.
FM: A iniciativa será voltada apenas aos professores com licenciatura em matemática ou irá englobar outras disciplinas também?
RB: A educação financeira vai para além de um professor que é licenciado em matemática. Um professor de matemática pode não estar capacitado para trabalhar com educação financeira, por exemplo. Quando falamos em formação continuada, é porque o professor já finalizou a sua licenciatura, às vezes nem é licenciado em matemática, mas se vê no papel em que precisa trabalhar com educação financeira na escola, então vamos possibilitar que ele obtenha essa formação. O grande forte aqui é essa formação voltada para a educação básica, que tem um senso de urgência muito grande.
FM: Então o tema [educação financeira] vai ser trabalhado de forma transversal às disciplinas?
RB: A nossa intenção é alcançar todos os profissionais de educação. Se ele [professor] tem o interesse em atuar naquilo, há um curso que é gratuito e vai ser oferecido de forma virtual. A nossa ideia é atingir o maior número possível, pensando na diversidade do Brasil, e formar em três anos 500 mil professores.
FM: Como será a implementação pelas redes de ensino?
RB: Não é papel do MEC interferir na autonomia das redes municipais e estaduais. O papel do MEC é induzir políticas públicas e programas. No que nos concerne, nós vamos oferecer a formação, o papel do MEC é proporcionar. Será criado um ambiente virtual de integração para os professores e para disponibilizarmos os materiais. A CVM e o MEC serão os curadores desse ambiente e somente os professores que concluírem o curso de formação poderão acessar essa rede.
FM: Então qual será o papel das secretarias estaduais e municipais de educação?
RB: Todos os professores da rede pública e privada poderão ter acesso ao curso. Existe uma gestão interna por parte do MEC e CVM para acompanhar e certificar os professores. É amplo, mas existe controle. Eu só acredito em programas que nasçam com monitoramento e avaliação no início, no meio e no fim. O programa não pode ser avaliado só no final. Tem que nascer com plano de monitoramento e avaliação. É nessa linha que todos os programas dentro da área de formação da secretaria de educação básica têm seguido.
Através do monitoramento, conseguimos também fazer um diagnóstico com as redes de ensino. Não é o MEC ditando regras, mas fazendo o papel de escutar as redes para entender as necessidades apresentadas.
FM: Há custos relacionados à promoção da iniciativa?
RB: Quanto ao financiamento, não haverá transferência voluntária de recursos financeiros entre o MEC e a CVM para a execução do acordo. As despesas necessárias à plena concepção do acordo (pessoal, deslocamento e outros) correrão por conta das dotações específicas, constantes nos orçamentos.
FM: Quantos estudantes podem ser impactados?
RB: O universo é grande. Há 140 mil escolas públicas e 40 mil escolas privadas, no total de 180 mil escolas de educação básica no Brasil. São 2,3 milhões de professores na educação básica e nosso objetivo é atingir 25% deles. Se tivermos a adesão que esperamos, vamos falar de entre 20 e 25 milhões de alunos contemplados.
FM: Após a assinatura do acordo de cooperação técnica, qual o cronograma para implementação?
RB: Nós iniciamos esse diálogo no mês de dezembro do ano passado e foi uma construção conjunta. Existe um plano de trabalho atrelado ao acordo, e passamos entre quatro e cinco meses de intenso trabalho entre as equipes técnicas da CVM e do MEC. A vigência do acordo é para os próximos três anos. Temos a expectativa de ser assinado entre o fim de junho e primeira quinzena de julho, e as atividades terão início já no segundo semestre deste ano para incorporação o mais rápido possível.
FM: O que fez o MEC olhar para a educação financeira na sala de aula?
RB: O primeiro passo é partir dos normativos existentes no nosso país. A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) prevê a temática da educação financeira. Segundo, uma motivação não menor que a normativa, mas que tem uma grande importância, é o baixo nível de educação financeira da população.
Os primeiros focos vão ser nos anos finais do Ensino Fundamental. Hoje o maior índice de evasão ocorre nos anos finais do Ensino Fundamental, ou seja, é um futuro aluno que talvez não vá ingressar no Ensino Médio. Para o Ensino Médio, estamos falando desses dois públicos.
A educação financeira está ligada à educação empreendedora, a um projeto de vida, e isso é algo muito importante. Quando a gente faz a oferta de uma formação assim para os profissionais da educação, estamos propiciando uma consciência em relação às finanças pessoais. Esse é o caminho para se formar uma sociedade financeiramente saudável, com cidadãos poupadores e um país de investidores para fomentar o desenvolvimento econômico.
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