Em 2020, no auge da pandemia, Sidnei Piva, presidente do grupo Itapemirim, decidiu levar ao conselho da empresa uma oportunidade imperdível de negócio: a compra de aviões. A ideia de investir em um dos setores mais afetados pela crise sanitária mundial fez muitos se remexerem em suas cadeiras, questionando se o executivo estava realmente lúcido ao pensar em voar enquanto todo mundo estava com os pés bem fincados no chão, esperando a turbulência passar. Após a apresentação de alguns dados e estatísticas, ficou claro que o presidente não estava brincando.
“Foi uma estratégia fantástica. Na verdade, um pouco ousada”, conta o executivo, que enxergou na crise uma abertura de mercado para novos negócios. “Quando começamos a pensar na Itapemirim como companhia aérea, em 2016, era muito difícil chegar em uma empresa como a Embraer e pedir uma fatia do mercado. Eles estavam totalmente comprometidos com grandes empresas já consolidadas”, explica. “Os valores eram assustadores. Mas, com a pandemia, o preço de uma aeronave ficou, em média, 70% mais barato do que em 2019.”
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Quando Piva jogou as cartas na mesa, restou ao conselho concordar que a ideia maluca era a mais assertiva para o futuro da empresa. “É difícil entender, mas a pandemia um dia vai passar. Precisávamos estar prontos para isso”, diz ele. Em junho de 2021, embora as vacinações já estejam avançadas em diversos pontos do globo, a crise sanitária ainda permanece. Mesmo assim, a Itapemirim se prepara para seu primeiro voo, em 29 de junho. O ponto inicial de uma corrida por resultados ambiciosos.
De Brasília a Guarulhos, a Itapemirim inicia sua primeira fase como companhia aérea atendendo 35 cidades. A partir do segundo semestre, a expectativa é aumentar esse número para estar presente em, pelo menos, três cidades de cada estado brasileiro. “Vamos atender todas as malhas do país”, ressalta Piva, que enxerga o mercado nacional como principal foco pelos próximos dois anos. O objetivo de tudo isso não é nada modesto: a Itapemirim quer ser responsável por nada menos do que 40% da capacidade aérea brasileira. Em 2019 – antes, portanto, da pandemia -, a aviação comercial brasileira gerou R$ 103,4 bilhões à economia, o equivalente a 1,4% do PIB nacional, segundo a ABEAR (Associação Brasileira das Empresas Aéreas).
O tempo para alcançar esse patamar, no entanto, é estimado com mais cautela. “Olha, nós somos bem ousados. Começamos o nosso planejamento pensando que, em dois anos, teríamos dez aviões. Em 2022, já teremos 50”, destaca o executivo. “Eu diria que esse caminho para os 40% deve demorar uma década, mas não me assusto se conseguirmos em cinco ou seis anos”, diz bem-humorado. Afinal, segundo o presidente, o plano para bater as metas é conquistar o coração do cliente.
Com uma bagagem de 77 anos de história, a ideia é reforçar uma imagem positiva da empresa no imaginário popular. “Nós fizemos uma pesquisa de conhecimento da empresa e foi impressionante. Entre o público de 35 a 65 anos, 97% das pessoas nos conheciam. Desses, 72% voariam com a gente”, conta. Popularmente conhecida como uma empresa de transporte rodoviário, com seus marcantes ônibus amarelos, a Itapemirim pretende continuar investindo na cor em seus aviões para não perder o público que reconhece a marca só pelo visual. “Vamos manter a nossa tradição.”
Mas, é claro, a pintura é apenas um detalhe em meio a outras estratégias mais sofisticadas, como o aumento do espaço entre os assentos e a isenção de cobrança na bagagem de 23 quilos e na remarcação de passagem – embora o preço das passagens seja competitivo com a concorrência, há essa vantagem financeira. O modelo Airbus A320 ceo conta com uma configuração de 162 assentos, aumentando o conforto entre as poltronas – e, claro, em tempos de Covid-19, isso pode ser considerado um benefício extra. “A falta de cobrança não é uma promoção. É regra da empresa. Sabemos que isso incomoda os viajantes, então estamos respeitando o nosso cliente”, destaca Piva.
E, por fim, está a aposta da empresa na integração entre o setor rodoviário e aeroportuário – na realidade, essa talvez seja a parte mais importante da estratégia da Itapemirim para conquistar quase metade do mercado nacional. “Estamos lançando um desafio de mobilidade, não uma simples companhia”, revela o presidente. “Em 2022, toda a nossa malha rodoviária vai estar integrada às rotas aéreas. Estamos falando de 2.700 cidades. A pessoa pode sair de um dos nossos aviões e já ingressar em nosso ônibus para terminar o trajeto por terra”, explica. “É o maior projeto de mobilidade que o Brasil já teve.”
Ousadia parece ser uma palavra adequada para definir os planos da empresa para os próximos anos. Com um quadro de 4.000 colaboradores, a ideia é, além da conquista do mercado e da oferta da mobilidade para os viajantes, investir, a partir de 2023, em voos internacionais. “Nós vamos levar a Itapemirim para a Europa e para a América como um todo. Vamos ser uma companhia brasileira pelo mundo”, destaca Piva. Animado com os próximos passos, o executivo pode ser o responsável pela completa recuperação da empresa após anos de dificuldades e crises.
A MONTANHA-RUSSA
Nem sempre a Itapemirim esteve cercada de planos otimistas. Em 2016, a empresa, endividada, entrou em recuperação judicial e saiu das mãos de seus fundadores, a família Cola. Hoje, o controle está com o presidente Sidnei Piva, o vice-presidente Tiago Senna e o CEO Adalberto Bogsan, mas muitos altos e baixos fizeram parte da história da companhia nos últimos 77 anos.
Ainda em 1946, no pequeno município de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, o soldado brasileiro Camilo Cola voltava da Itália, onde lutou com a Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial. Na tentativa de recomeçar, comprou um carro e começou a transportar cargas e passageiros pelos entornos da cidade. E foi assim, de forma regionalizada e simples, que a empresa começou a crescer. Em 1953, com cerca de 16 ônibus, foi batizada de Viação Itapemirim Ltda.
Nos anos 1980, a companhia não era mais um simples negócio do Espírito Santo. Já tinha expandido para o público do eixo Rio-São Paulo e começou a produzir a sua própria frota Como se não bastasse, ingressou no serviço aéreo pela primeira vez, com foco no transporte de carga expressa. Tudo parecia correr bem, até alguns problemas aparecerem no meio do caminho, como impasses na regulação do serviço pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Após alguns anos de queda, 2016 representou o fim da história da empresa junto à família Cola, que vendeu o controle acionário no final do ano.
Quando adquiriu a empresa, Piva relembrou o potencial que ela já havia mostrado no transporte de carga, o que aumentou ainda mais a vontade de fazer dar certo uma companhia aérea própria. “Estudamos todas as possibilidades de reabilitar os processos do grupo”, recorda. De certa forma, o presidente acredita ter tomado a atitude certa no melhor momento. “Assim que lançamos nosso site, tivemos 12 milhões de acessos simultâneos e, em algumas rotas, já estamos quase fechando voos lotados até junho do ano que vem. De qualquer forma, é uma companhia aérea que busca o resultado pela excelência”, destaca. Os sinais mostram que a montanha-russa Itapemirim está de volta aos trilhos, mas sem previsão de descida.
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