A onda dos NFTs (Tokens Não-Fungíveis) chegou à música popular brasileira: a partir de hoje (7), os direitos autorais de 86 músicas do cantor Bezerra da Silva passam a ser negociados em frações disponíveis para fãs e investidores. Serão ofertados 153 music shares (nome dado aos NFTs musicais) ao preço de R$ 1 mil, que representam 50% dos direitos autorais do artista.
O montante arrecadado com a venda dos NFTs terão dois destinos: 10% será doado ao Instituto Bezerra da Silva, que transformará o valor em cestas básicas para doação em comunidades cariocas, como o Morro do Vidigal, Cidade de Deus, Jacarezinho, Canta Galo, Vila Cruzeiro, Juramento e Chapéu Mangueira. Já os outros 90% serão utilizados na produção de novos discos do sambista – falecido em 2005 – com o lançamento de músicas inéditas de Bezerra da Silva interpretadas por outros artistas.
Além dos NFTs, serão leiloados uma boina do cantor, com lance a partir de R$ 1,00, e o seu violão, este com lance mínimo de R$ 100 mil, segundo Ricardo Capucio, CEO da Brodr, empresa responsável pela oferta dos direitos autorais ao mercado, os vencedores dos leilões ganham preferência também na escolha dos music shares do artista.
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“A boina dele é super conhecida… em quase todas as fotos você vê meu pai usando e o violão foi o instrumento que ele compôs vários clássicos”, conta Leonardo Bezerra, filho de Bezerra da Silva e atual proprietário dos direitos autorais.
Ainda segundo o herdeiro do cantor, a comercialização dos direitos autorais em NFTs é uma forma de manter viva a memória do artista no ambiente digital. “Queremos continuar germinando as sementes que ele deixou”, comenta.
Como funcionam os music shares
Os music shares são frações dos direitos autorais pagos aos artistas por suas obras, conhecidos como royalties. Esses artistas, por sua vez, podem comercializar até 50% dos seus direitos em plataformas como a Brodr.
O valor pode variar de acordo com o desempenho da música no mercado. “Quanto mais é ouvida nas plataformas digitais, mais royalties são debitados mensalmente na conta do investidor”, declara Capucio
O percussionista Guilherme Franco, por exemplo, disponibilizou 300 obras divididas em 4 mil NFTs musicais que, segundo o CEO da Brodr, tiveram rentabilidade próxima de 1,27% ao mês, no último semestre. Já os 10 fonogramas do ‘Digno – Global Worship’, coletânea de músicas norte-americanas interpretadas por brasileiros, tem oferecido retorno médio mensal de 1,10%, de acordo com Capucio.
Cada music share de Guilherme Franco foi ofertado a R$ 16,96 e, do ‘Digno – Global Worship’, a R$ 8,87.
No mercado de music shares existem dois modelos de direitos autorais. O primeiro é o vitalício, em que o investidor ao comprar o direito autoral de um artista torna-se proprietário dos royalties por 55 anos. Já o segundo modelo tem prazo máximo de dez anos, após este período os royalties voltam à propriedade do artista.
Os NFTs musicais de Bezerra da Silva são classificados como ‘super-premium’ em função da trajetória consolidada do artista, que garante uma melhor precificação dos royalties, e por se tratar de um direito autoral vitalício.
Julia Braga, diretora comercial da Som Livre, explica que a maior dificuldade do mercado musical é que, atualmente, não existe uma legislação no Brasil que cubra todas as partes envolvidas no processo de distribuição de NFTs musicais, ou seja, “deve ser analisado caso a caso”.
Os royalties são distribuídos pelo Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), empresa responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais de músicas aos seus autores. Somente artistas com direitos autorais registrados podem negociar seus music shares. De acordo com o Ecad, em 2020, a arrecadação de direitos autorais foi de R$ 905,8 milhões, queda de 20% em relação ao registrado em 2019.
A precificação inclui etapas como avaliação do histórico de royalties nos últimos cinco anos e projeções para os 55 anos seguintes. O CEO da Brodr explica que, além de compreender os royalties que o artista pode gerar, também é realizado um processo de consulta ao mercado. Capucio verifica em seu portfólio de 500 investidores, composto por pessoas físicas, fundos e bancos, se há demanda pelos music shares de um determinado artista.
Julia explica que “o risco de um comprador vai de acordo com a intenção na aquisição. Se o objetivo é valorizar a obra para revendê-la, há o risco da desvalorização. Se o objetivo é usá-la para outros fins, como samplear [reutilizar parte] uma música para novas criações, o contrato dos NFTs não garante esse direito.”
Ainda segundo a diretora da Som Livre, a expectativa é que o mercado fonográfico dobre de tamanho até 2030. “E isso certamente fomenta um ambiente saudável para o desenvolvimento de projetos inovadores no segmento, como os NFTs.” A Som Livre possui cerca de 70 artistas em seu portfólio, como Marília Mendonça, Maria Gadú e Wesley Safadão e planeja o lançamento de NFTs combinando música e artes gráficas.
Os royalties são pagos mensalmente e a venda é realizada com preço definido pelo próprio vendedor e, em último caso, pelo mercado.
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