A ideia de aposentadoria está tão impregnada na nossa cultura que poucas pessoas se dão o trabalho de refletir sobre ela.
Na universidade em que dou aula, já vi muitos colegas contarem os dias para se aposentar. Alguns preenchem uma tabela que calcula os dias faltantes, tal qual prisioneiros que anseiam pela liberdade. Seis meses depois, relatam com orgulho como a vida sem trabalho é maravilhosa. Um ano depois, voltam pedindo para ser professores voluntários. Querem o trabalho de volta, mesmo sem qualquer remuneração.
Experimentar uma imensa alegria seguida de um profundo sentimento de perda é um padrão recorrente na aposentadoria de muitos profissionais bem-sucedidos. Precisamos sair da dicotomia de que trabalhar mais é ruim e aposentar-se é bom. Muita gente que pensa assim conquista o sonho para depois descobrir que ele é um pesadelo.
Durante a maior parte da história do Homo sapiens, enquanto éramos caçadores-coletores, nosso destino era semelhante ao dos leões: se não podíamos caçar, virávamos caça. Isso só começou a mudar há cerca de 12 mil anos, com o fim do Paleolítico (Idade da Pedra Lascada) e início do Neolítico (Pedra Polida). Foi quando alguns caçadores-coletores descobriram a agricultura.
Nas sociedades agrárias, o grupo passou a se encarregar da sobrevivência dos mais fracos, entre eles os velhos. Nesse período, quando o homem já não conseguia caçar nem se dedicar a atividades rudes da agricultura, era colocado para executar atividades mais amenas. A expectativa de vida na época deu um salto, superando os 35 anos. Raras pessoas passavam muito dessa idade. Aqueles que chegavam aos 60 eram reverenciados e considerados profetas, pregando seus conhecimentos. A ideia de aposentadoria não existia. Trabalhava-se até morrer, apenas mudando a atividade.
Na Alemanha de 1889, o chanceler prussiano Otto von Bismarck estabeleceu um sistema nacional que assegurava o pagamento de uma pensão a todos os trabalhadores do comércio, da indústria e da agricultura que tivessem 70 anos ou mais. A ideia logo se espalhou por outros países da Europa.
Pode parecer generosa a atitude de conceder aos trabalhadores uma renda custeada pelo Estado sem nenhuma contribuição prévia por parte deles, mas é importante lembrar que em 1870, segundo a organização Our World in Data, a expectativa de vida na Europa, era de 36,2 anos, chegando a 42,7 anos em 1900. Portanto, pouquíssimos trabalhadores alcançavam os 70, uma idade muito avançada para a época.
Com a industrialização, o envelhecimento deixou de ser um problema das famílias e passou a ser das empresas. Trabalhadores envelhecidos atrapalhavam as linhas de montagem e a prestação de serviços.
Os Estados Unidos da América se negavam a criar um sistema público de seguridade social, assim os norte-americanos relutavam em parar de trabalhar. Além de não terem com o que viver, muitos não tinham por que viver após o fim do trabalho. Em 1935 o presidente Franklin D. Roosevelt propôs a Lei da Segurança Social, determinando que os trabalhadores pagassem por seu próprio seguro de velhice.
Parcialmente resolvido o problema de como viver, era preciso ressignificar a vida na aposentadoria. Os campos de golfe, o cinema, a televisão e a possibilidade de mudar para a Flórida tentavam tornar menos sombria a hipótese de aposentadoria para os norte-americanos. De um castigo, ela passou a um sonho a ser alcançado. Ao menos era o que a maciça propaganda dos planos de previdência fazia acreditar.
Para quem não tinha disposição de jogar golfe ou mudar para um local aprazível, Eleanor Roosevelt sugeria uma cadeira de balanço. Segundo ela, esse seria o segredo de uma boa vida, já que os mais velhos saberiam amar seu tempo livre. Longe da idealização da primeira-dama, a aposentadoria se transformava em um penoso tempo a ser passado em uma cadeira de balanço, esperando a morte chegar.
Se o destino do tempo de aposentadoria já era um problema em 1950, quando a expectativa de vida no mundo era de 50 anos, o que dizer agora que a expectativa de vida nos países desenvolvidos supera os 80?
A aposentadoria, que nasceu como uma caridade para as pessoas muito velhas, passou a ser uma necessidade para retirar trabalhadores das linhas de montagens, advento da Revolução Industrial, quando o trabalho nas fábricas mais se assemelhava a um castigo do que a uma parte importante da vida. De forma misteriosa, a aposentadoria passou ainda a ser um sonho alimentado por muitos. Um sonho que, como afirmei no início deste artigo, facilmente se transforma em pesadelo.
A melhoria das condições de trabalho, resultante da economia do conhecimento, aliada à revolução da longevidade possibilita que resgatemos o labor como parte importante da realização humana.
Alternativas como mudanças no ritmo do trabalho a partir de uma certa idade podem ser uma boa solução: férias mais prolongadas, redução de carga horária, uma semana de trabalho mais curta com finais de semana mais longos e até mesmo a concessão de períodos sabáticos para “testar” a aposentadoria. Com serenidade e esperança, podemos e devemos repensar o assunto.
Jurandir Sell Macedo Jr é doutor em finanças comportamentais, professor universitário e, desde 2003, ministra na Universidade Federal de Santa Catarina a primeira disciplina de finanças pessoais do Brasil. É autor de inúmeros livros sobre educação financeira e tem pós-doutorado em psicologia cognitiva pela Université Libre de Bruxelles. Escreve sobre Finanças 50+ sempre às quintas-feiras. Instagram @jurandirsell E-mail [email protected]
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