Criar um concorrente promissor para gigantes de dados, como a Oracle e a IBM, é um dos problemas de negócios mais difíceis que já vi. Após 18 anos, no entanto, Emil Eifrem parece estar prestes a ter sucesso. Sua empresa, a Neo4j, fornecedora de plataformas de banco de dados gráficos com sede em San Mateo, na Califórnia, recentemente levantou US$ 325 milhões e atingiu uma avaliação de mais de US$ 2 bilhões, com o objetivo de impulsioná-la para uma possível listagem em Bolsa.
Desde que disponibilizou seu produto em 2007, Eifrem acredita que sua empresa resolveu dois problemas difíceis: P&D (Pesquisa e Desenvolvimento, na sigla em inglês) e a sua entrada no mercado.
Financiamento recorde da Neo4j
Em junho, a Neo4j anunciou um financiamento Series F de US$ 325 milhões – o maior na história de uma empresa de banco de dados de capital fechado – elevando sua avaliação para mais de US$ 2 bilhões e o financiamento total para mais de US$ 500 bilhões. A rodada foi liderada pela Eurazeo com investimento adicional do Google Ventures.
Uma base de dados gráfica é diferente dos bancos de dados relacionais construídos a partir de tabelas – eles armazenam palavras e números em linhas e colunas – que foram amplamente adotados e usados por décadas. Os dados mudaram desde então e o gráfico torna mais fácil o armazenamento e a recuperação de dados não estruturados.
A base de dados de gráficos armazena “pontos de dados individuais” (como pares de valores-chave ou documentos), bem como as relações entre seus dados. “Essas relações tornam um banco de dados gráfico um milhão de vezes mais rápido do que um banco de dados relacional para aplicativos como detecção de fraude”, de acordo com TechRepublic.
Mercado grande e rápido crescimento
A Neo4j tem como alvo um mercado enorme e com barreiras de entrada gigantescas. De acordo com a TechRepublic, em 2020 as empresas gastaram US$ 50 bilhões em bancos de dados – um valor que deve crescer a uma taxa média anual de 15%, para US$ 100 bilhões até 2025.
O formato de banco de dados do Neo4j – com gráficos – representa um mercado menor, mas que está crescendo muito mais rápido. A VentureBeat observou que esse mercado aumentará de US$ 822 milhões (a uma taxa anual composta de 24%) para US$ 2,4 bilhões em 2023.
A Gartner, empresa norte-americana de TI, espera que “o processamento de gráficos corporativos e bancos de dados gráficos cresçam 100% ao ano até 2022, facilitando a tomada de decisões em 30% das organizações até 2023”.
Como a Neo4j cresceu
Desde que a Neo4j começou a vender, em 2007, ela cresceu consideravelmente. Como Eifrem disse, a empresa empregava 300 pessoas em março de 2020 e esperava terminar 2021 com 600 colaboradores. (Infelizmente, ele não divulgou suas receitas ou a taxa de crescimento).
A VentureBeat observa que a Neo4j recebeu “mais de 3 milhões de downloads em novembro de 2018, e [tem] mais de 300 usuários de assinatura corporativa. Clientes atuais e anteriores [incluem] Lyft, Walmart, eBay, Adobe, Orange, Monsanto, IBM, Microsoft, Cisco, Medium, Airbnb, NASA e o Exército dos Estados Unidos.”
A Neo4j enfrentou dois desafios para atingir seu nível atual de sucesso. Como Eifrem afirmou, “tornar nosso produto bem-sucedido significava resolver um difícil problema de P&D e um difícil problema de Go-To-Market. Os bancos de dados estão no centro dos aplicativos. A programação em SQL e RDMS (Sistemas de gerenciamento de banco de dados relacional, na sigla em inglês), armazenando dados como linhas e colunas, predominou nas décadas de 1970, 80, 90 e 2000. Quando eu cresci, os produtos da Oracle, IBM DB2, Informix e Sybase eram 98% iguais.”
O CEO da Neo4j sabia que seria difícil substituir o RDMS por algo melhor. “Houve uma oportunidade de colocar um novo banco de dados lá. Mas enfrentaria uma grande resistência e haveria atritos na adaptação. Mesmo se você pudesse solucionar os problemas técnicos, o Go-To-Market seria caro e muito difícil de realizar. Se bem-sucedido, seria um feito enorme e duraria décadas. A única coisa próxima de resolver esse desafio é criar um novo sistema operacional ou um ERP (Planejamento de Recursos Empresariais, na sigla em inglês). É um grande mercado. Se você for bem sucedido, o prêmio é fantástico.”
A ideia de Eifrem para a empresa surgiu de um problema que ele enfrentou que as empresas de banco de dados existentes não estavam resolvendo. A maioria dos empreendimentos que pesquisei para o meu livro, Hungry Start-Up Strategy (Grande Estratégia para Startup, em tradução livre) foi iniciada por pessoas que tentavam encontrar a solução para um problema que enfrentavam pessoalmente. Elas tentaram encontrar uma empresa que já estivesse resolvendo o problema, e abrir seus negócios porque o problema era muito importante para não ser resolvido.
A Neo4j seguiu esse padrão. “Tive a ideia de um novo banco de dados porque eu mesmo tive esse problema. Eu usava o SQL quando tinha 20 anos e trabalhava como CTO, na época da primeira bolha do mercado de TI. Tínhamos a planilha padrão: a camada 1 era o banco de dados, a camada 2 era a lógica de negócios, a camada 3 era a apresentação. Por algum motivo, o banco de dados SQL estava trabalhando contra nós. Tínhamos 20 pessoas no departamento e 10 delas estavam lutando contra o banco de dados. Em todos os nossos projetos anteriores, o banco de dados foi um acelerador. Resolveu muitos problemas de informática, como armazenamento em disco, consulta e backup”, explicou Eifrem.
O CEO teve então um insight sobre o SQL. “Tentei descobrir por que o banco de dados estava trabalhando contra mim. Essa era a forma como os dados e os blocos do SQL entravam em conflito. A estrutura era rígida. Ela fazia sentido na época em que foi desenvolvida, quando as pessoas inseriam formulários em um computador, mas estávamos experimentando uma explosão de dados que era confusa e interconectada. Eu pensei: ‘E se tivéssemos bancos de dados que fossem nós conectados por meio de relacionamentos – um gráfico social?’”
Beneficiando-se da ignorância de nunca ter tentado, ele embarcou com confiança na solução desse problema. Como ele disse: “Eu era jovem e estúpido o suficiente para pensar que poderíamos construir algo assim. Começamos a procurar no Google e não conseguimos encontrar nada. Decidimos: ‘Vamos construir. Quão difícil pode ser?’ Depois de 15 anos e US$ 100 milhões, sabemos que é difícil. Mas concluímos que valeu a pena porque tínhamos um estímulo: o mundo ficaria cada vez mais conectado; os dados se tornariam mais conectados; e mais projetos precisariam disso no futuro. Nós éramos os clientes. Tínhamos certeza de que outros também se tornariam nossos clientes.”
A Neo4j percebeu que os usuários mais bem-sucedidos de bancos de dados tinham o mesmo problema. “Para começar, precisávamos construí-lo e aprová-lo na primeira empresa. O importante era conseguir construí-lo como uma entidade independente. Quando pesquisamos o panorama do que as pessoas estavam fazendo com dados em 2007, Google, Facebook, Yahoo, eBay, todos usavam um RDMS. Eles foram forçados a construir seu próprio [banco de dados de gráficos]. Percebemos que as empresas enfrentariam esse problema muito em breve. Todos estavam observando como as páginas da web são conectadas. O que construímos ajudaria as empresas Global 2000 a enfrentar seus concorrentes”.
Eifrem procurou desenvolver seu produto em parceria com os “early adopters”, pessoas propensas a adotar tecnologias ainda experimentais ou recém-lançadas. “Conseguimos nosso primeiro cliente ao procurar os ‘early adopters’ de diferentes setores. São pessoas que querem estar à frente. Elas veem potencial e estão em todas as indústrias. Você procura o nível da solução que elas estão buscando: é uma vitamina (por exemplo, algo que faz bem para você), uma droga (como o tylenol) ou penicilina (sem ela, você morre). Procuramos casos em que esses problemas fossem críticos para os ‘early adopters’”, disse.
Essa dianteira permitiu que a Neo4j colocasse os dois pés na porta e se aprimorasse em outras áreas onde era relativamente fraca. “Em todo o resto, éramos inferiores. Era como o Google Doc, que permitia às pessoas compartilhar documentos com muito mais facilidade – o que economizava tempo. Mas tínhamos que melhorar em todas as outras coisas chatas, como backups online e compliance. Enquanto isso, houve uma mudança na plataforma: as fitas foram trocadas por discos, e a quantidade de memória RAM disponível para armazenamento mudou a forma de acessar os dados”, explicou Eifrem.
Embora o poder mágico do Neo4j – conexões de dados muito mais rápidas do que os rivais – permanecesse o mesmo para diferentes aplicativos de clientes, o impacto nos negócios foi profundo. “O impacto comercial para o CFO de uma instituição financeira foi que reduzimos o tempo que levava para inserir novos traders na plataforma de semanas para segundos. Isso permite que os bancos dêem aos novos clientes um tratamento de luxo”.
Outra área relevante é a de detecção de fraude. Como afirmou Eifrem, “pudemos ver como os anéis de fraude estavam conectados e permitimos que o CFO do Morgan Stanley identificasse de 3% a 4% mais fraudes, gerando um grande retorno sobre o investimento. Com o varejo, nossa tecnologia permitiu que os mecanismos de recomendação funcionassem melhor, criando um aumento de 5% nas vendas. Um CFO de varejo com US$ 2 bilhões em receita de comércio eletrônico pode fazer o cálculo do ROI (Retorno sobre o Investimento) com um aumento de 5% nas vendas graças à nossa tecnologia.”
A Neo4j tem como objetivo transformar seu primeiro cliente de determinada indústria em um usuário entusiasta e, assim, ganhar uma posição mais ampla entre seus concorrentes. “Fazemos marketing dentro dos segmentos. Partindo do primeiro ‘early adopter’, fomos ganhando clientes nos mercados. Fomos do UBS para o Goldman Sachs, Royal Bank of Canada e Royal Bank of Scotland.”
A Neo4j tem mais oportunidades pela frente. De acordo com Eifrem, a companhia atualmente tem “uma pequena fatia das empresas do Global 2000 na América do Norte e na Europa, um mercado que representa 80% da receita do negócio de banco de dados da Oracle. Estamos fazendo incursões na Ásia e crescemos lá durante a pandemia.”
Acredito que Eifrem tem uma rara combinação de habilidades técnicas e de negócios que contribuem para o sucesso da Neo4j. “É uma bênção e uma maldição estar interessado em muitas coisas. A tecnologia é difícil. Passei 10 mil horas praticando – adotei uma abordagem de treinamento esportivo, mas fiquei programando na minha casa em vez de praticar ski, por exemplo. A parte de negócios é muito mais fácil de aprender se você estiver interessado e curioso. As habilidades de gestão vêm das habilidades de se relacionar com as pessoas – é apenas experiência ”, diz ele.
Como os competidores estão reagindo
A Neo4j não é a única empresa a correr atrás dessa oportunidade. Startups como TigerGraph, MongoDB, Cambridge Semantics, DataStax e outras competem com a Neo4j no mercado de banco de dados gráfico, assim como Microsoft e Oracle. Em novembro de 2017, a Amazon lançou o Neptune, um banco de dados gráfico desenvolvido por sua divisão Amazon Web Services, segundo a TechRepublic.
Além disso, os bancos de dados de uso geral da Postgres e da MongoDB estão adicionando funcionalidades de gráfico (entre outras). Eu não ficaria surpreso se alguns desses rivais convencessem seus clientes de que o custo de mudar para o produto da Neo4j é maior do que os benefícios.
A Neo4j será listada na Bolsa?
Acredito que a Neo4j irá abrir seu capital. No entanto, é difícil avaliar sem conhecer suas receitas e a taxa de crescimento.
A empresa usará os recursos para melhorar seu produto, fortalecer parcerias e se expandir para novos países. Ao construir um relacionamento profundo com o Google Cloud, Eifrem quer aprimorar suas parcerias com provedores de nuvem pública, de acordo com o TechCrunch. A empresa também abriu um escritório em Singapura para atender a “um grande aumento de interesse” do mercado asiático pelos seus produtos.
Em última análise, a capacidade de crescer da Neo4j depende de a empresa continuar achando novos grupos de clientes e de conseguir convencê-los de que os benefícios de comprar seu banco de dados gráfico excedem os custos de abandonar aquele de seus rivais.
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