“Em vez de vender o baldinho, vamos entregar o metro quadrado impermeabilizado.” É assim que Marcos Bicudo, CEO da Vedacit, descreve sua visão para o futuro da companhia de 85 anos, popularmente conhecida pelos baldes amarelos. Bicudo, que já tinha passado pelo comando de empresas como Amanco e Phillips, chegou à fabricante de impermeabilizantes em 2017, com a missão de modernizar a Vedacit e mantê-la na posição de referência no mercado.
Para isso, ele aposta em inovação. No ano passado, durante a pandemia, a Vedacit lançou a Trutec, uma empresa que funciona como um hub de tecnologias para a construção civil. Ela reúne várias startups do setor que foram aceleradas pelo Vedacit Labs, o programa de inovação aberta da companhia. A Trutec oferece hoje soluções como a Construcode, uma plataforma de plantas online que permite o gerenciamento dos projetos e identifica setores mais vulneráveis a falhas, auxiliando na tomada de decisões.
“Pela Construcode, eu digitalizo todas as plantas de uma obra. Quando eu chego no canteiro, uso o meu celular ou tablet para ler um QR Code e tenho na mão a planta atualizada em tempo real. Isso traz muita eficiência e produtividade”, diz o CEO.
Para Bicudo, a construção civil ainda é um setor muito conservador e tradicional. “Hoje, o canteiro de obras ainda é analógico. Você vê muito pouca digitalização no canteiro. No processo construtivo, nem se fala, ele data da revolução industrial, sem nenhuma ou pouca evolução.”
No futuro, o CEO diz ver a Vedacit como uma empresa de “solução completa”. “Uma das maiores dores de cabeça de uma obra é a parte da impermeabilização. Imagina ter uma empresa que chega para o construtor e fala: ‘Você não tem que se preocupar mais. Eu faço isso para você, com qualidade, te entrego inclusive apólice de seguro e você fica tranquilo'”, diz ele.
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Pedras no caminho
Sem tirar os olhos do futuro, a companhia se preocupa com desafios bem reais. A pandemia, por exemplo, deixou Bicudo sem saber o que fazer, nas suas próprias palavras. “Foi um período de grande descoberta para mim. Um líder, quando se encontra em uma situação inesperada, ele é impotente, depende da sua equipe. Foi o que aconteceu comigo, porque eu absolutamente não sabia o que fazer no início”, conta ele.
Na contramão da economia, a Vedacit encerrou 2020 com crescimento de 10% nas vendas e faturamento recorde de R$ 542,3 milhões. Os números são o resultado de uma série de medidas que a empresa adotou para garantir o bem estar dos funcionários e a capacidade de produção, segundo o CEO.
A Vedacit se comprometeu a não demitir nenhum funcionário durante a pandemia. “Soubemos escutar nossos colaboradores e descobrimos que a maior preocupação deles, principalmente dos que atuam nas fábricas, que são um contingente expressivo, era a manutenção do emprego. Ou seja, o próprio medo da Covid-19 era muito menor”, conta Bicudo.
A empresa também identificou que muitos temiam contrair a doença no transporte público a caminho do trabalho. A Vedacit decidiu então oferecer subsídio de combustível aos colaboradores e abriu o estacionamento de suas fábricas para eles. “Atitudes assim geram engajamento e compromisso. Atingimos nosso maior nível de produtividade durante a pandemia”, diz o executivo.
“Naquele momento, eu via todo mundo falando sobre proteger o caixa, ‘Cash is king’, mas quem protege o caixa? As pessoas. Isso é tão óbvio! Quem vai negociar com os fornecedores? Quem vai reduzir as despesas? São as pessoas”, diz ele.
Esse engajamento foi crucial na hora de superar problemas como a falta de insumos. Bicudo conta que a etiqueta usada em um dos conhecidos baldes amarelos era fornecida por uma empresa chinesa que parou de operar no ano passado. “Nosso pessoal foi proativo e conseguiu desenvolver um fornecedor nacional, então mitigamos os riscos a tempo.”
Fatores externos também contribuíram para o bom desempenho da Vedacit. Com as pessoas passando mais tempo em casa e gastando menos dinheiro com saídas e viagens, aumentou a procura por pequenas reformas, diz Bicudo. A taxa Selic em patamar baixo em 2020 também ajudou os financiamentos imobiliários, assim como a aprovação do Marco do Saneamento Básico, que deve atrair investimentos da ordem de R$ 600 bilhões nos próximos anos. A construção civil foi classificada pela grande maioria dos municípios como atividade essencial, não sofrendo as mesmas restrições que comércio e serviços, por exemplo.
Reformas em casa
Mesmo antes da pandemia, Bicudo já trabalhava como quem troca pneu em carro andando. Quando entrou na Vedacit, em 2017, ele deu início a uma gradual e definitiva revolução na cultura – e na estrutura – da empresa.
A Vedacit foi fundada em 1935 pelo engenheiro Otto Baumgart, que começou vendendo produtos de porta em porta. Seus descendentes controlam a empresa até hoje, mas decidiram trazer um executivo de fora da família. Bicudo conta que seu caso é uma exceção, já que menos de 10% de CEOs que assumem companhias familiares são bem-sucedidos.
O executivo se ocupou de atualizar as métricas usadas pela companhia e criou reuniões mensais de apresentação de resultados em todos os níveis de gestão. Dados como faturamento e fluxo de caixa passaram a ser compartilhados com os colaboradores, algo bastante incomum para empresas de capital fechado, mas que foi determinante para engajar os funcionários e criar uma cultura de transparência, diz Bicudo.
“Queríamos reorientar a companhia para o mercado, com foco no cliente. Deixar de ser apenas uma empresa muito eficiente no aspecto industrial, produtivo, mas também passar a ser uma empresa com uma atuação comercial”, diz o CEO, que apostou na expansão do segmento B2B, antes pouco explorado pela Vedacit.
De olho nesse mercado, a empresa lançou a linha Vedacit Pro, voltada para construtoras e distribuidores técnicos. “Até então, a Vedacit era uma empresa vocacionada para o B2C, para o consumidor final, para a construção formiguinha, onde ela já é referência.”
Os planos ambiciosos exigiram que a companhia redesenhasse toda a sua área comercial, que era formada em sua grande maioria por representantes comerciais independentes. “Nós não tínhamos, por exemplo, um setor de planejamento comercial, de trade marketing, para apoiar a execução comercial no ponto de venda, algo que é muito importante no nosso segmento, porque estamos presentes em mais de 75 mil revendas”, conta Bicudo.
A empresa decidiu contratar vendedores em regime CLT para ter uma equipe própria voltada para os maiores clientes, como home centers e redes regionais, ao mesmo tempo em que manteve os representantes, que conseguem atender um mercado mais pulverizado. “Por causa dessas mudanças, acabamos contratando novos funcionários no meio da pandemia”, diz o CEO.
A Vedacit também passou a fazer um planejamento integrado de vendas e das operações. Bicudo explica o conceito da seguinte forma: “passamos a produzir aquilo que o mercado pede, e não aquilo que a fábrica tem a capacidade de produzir”.
“Antes tínhamos as máquinas, que faziam a produção, e depois colocávamos essa produção à venda no mercado. A gente inverteu essa ordem, fazendo a equipe comercial trazer a estimativa de vendas, para que aí sim pudéssemos produzir.” Ele conta que a companhia teve ganhos expressivos com redução de estoques.
Um dos indicadores implementados pela gestão de Bicudo, o Otif (On time in full, mede se a entrega foi feita na quantidade, no prazo e de acordo com as especificações solicitados pelo cliente), hoje já opera na marca de 95%.
ESG da porta para dentro
O CEO conta que uma das prioridades da empresa é se tornar um negócio com propósito. Para fazer isso, a Vedacit tem uma série de iniciativas ESG: ampliar a frota de caminhões híbridos, uso de energia de fontes renováveis nas três fábricas (duas em São Paulo e uma em Salvador), certificação de práticas sustentáveis dos fornecedores, vendas com preços subsidiados para comunidades carentes, entre outros.
A mais ousada delas, no entanto, é o plano de transformar 1,5 milhão de residências insalubres em saudáveis. Um estudo da Fundação João Pinheiro publicado em março deste ano mostra que há 24,8 milhões de domicílios urbanos inadequados no Brasil, ou seja, aqueles que não têm água canalizada, energia elétrica, esgoto, ao menos um banheiro, piso ou cobertura (telhado).
“A quarta causa de internação no SUS [pré-pandemia] são as doenças respiratórias, e 35% delas têm a ver com exposição a mofo e umidade, o que tem ligação direta com a nossa solução”, diz Bicudo.
O CEO cita o programa do governo federal “Casa Verde Amarela”, substituto do “Minha Casa, Minha Vida”, que prevê não só a construção de novas moradias, mas a legalização daquelas já construídas que atendam aos critérios do programa.
“O título de propriedade vai chegar lá para o seu João na comunidade e ele vai poder construir um banheiro, ou reformar a casa e deixá-la livre de mofo e de umidade”, diz Bicudo.
Antes de pensar no hipotético seu João, no entanto, a Vedacit decidiu fazer o dever de casa. “Fomos ver entre os nossos colaboradores quem tinha problemas de infiltração ou de umidade.”
O CEO conta o caso de uma promotora de vendas de Campinas (SP) que mora em uma área de assentamento, “numa casa sem condições de moradia”, segundo ele. A ONG, que se ofereceu para realizar a reforma, não poderia fechar o contrato com a Vedacit nos termos que a empresa normalmente usa para fornecedores e terceiros. “Decidimos assumir o risco e assinar o contrato para resolver o problema da casa dela, já que não havia alternativa.”
“Fizemos o mesmo para um assistente de logística que trabalha no escritório da Zona Norte de São Paulo. A esposa dele estava grávida e a casa não estava em condições de receber o bebê. Ela teve o filho já com a casa reformada”, diz Bicudo.
A Vedacit deu início ao processo de certificação B, que atesta boas práticas de ESG. Apenas cerca de 180 empresas brasileiras receberam o selo – a expectativa é que a companhia entre para esse rol, que inclui Natura, Movida, Mãe Terra e Reserva, até o fim deste ano.
“A Vedacit tem passado por essa trajetória incrível de transformação, mas não sabemos exatamente o que vai vir no futuro. A única coisa que eu garanto é que a gente vai ter impacto socioambiental positivo, vamos ser economicamente viáveis sendo referência da nossa indústria”, diz Bicudo.
Sobre uma futura abertura de capital na Bolsa, o CEO desconversa, dizendo que “isso é papo de acionista”.
“Não cabe a mim [dizer]. Mas a empresa nunca havia sido auditada por uma Big Four, então fizemos isso em 2018, 2019 e 2020. Estamos trabalhando para posicionar a Vedacit e os acionistas poderem considerar essa hipótese. Mas isso não está no roteiro por enquanto”, conclui Bicudo.
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