No final de 2014, o jogador profissional de pôquer Sean Lippel passava por um momento difícil. Depois de cinco anos trabalhando no Credit Suisse, o jovem de 29 anos estava na metade do caminho para concluir um mestrado em negócios na Universidade de Columbia quando seu pai, Rick, foi diagnosticado com câncer de pâncreas. Uma semana depois, ele estava morto.
Lippel ficou arrasado e, depois de competir três vezes ao mês em torneios nos Estados Unidos, fez uma pausa de 90 dias. O melhor jogador de pôquer nas modalidades Heads-up e No-limit hold ‘em – que em 2005 esteve entre o grupo que aplicou a análise de dados pela primeira vez em jogos de azar online – lamentou a perda do pai e começou a se questionar sobre a melhor maneira de aplicar seu talento para ponderar riscos e identificar oportunidades a partir de informações limitadas.
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Naquele mês de dezembro, em Atlantic City, ele lançou um par de reis e uma espada, ganhando US$ 19.278 e levando para casa seu primeiro (e último) anel do circuito da World Series of Poker. Desde então, ele ficou conhecido como sócio da FinTech Collective, com sede em Nova York, uma empresa de capital de risco por trás de mais de US$ 500 milhões em investimentos em tecnologia financeira.
Depois de fazer uma série de apostas iniciais em criptomoedas, Lippel anunciou na última quarta-feira (18) um fundo de US$ 50 milhões voltado exclusivamente para a indústria DeFi (Finanças Descentralizadas, em português), transferindo serviços como empréstimos e recompra para plataformas blockchains, popularizadas pelo bitcoin. O fato de um ex-profissional de pôquer ter escolhido investir em DeFi, um nicho de alto risco dentro dos criptoativos e que oferece retornos potencialmente massivos, não é surpreendente.
O capital total em contratos inteligentes de DeFi cresceu mais de 1.000% no ano passado, para US$ 80 bilhões atualmente, e alguns dos retornos foram enormes. Os tokens que suportam a Uniswap, maior exchange descentralizada, por exemplo, subiram até 750% em 2021 e agora são negociados com valorização de 400% em relação a janeiro. O fundo da Lippel é apoiado pelo bilionário de fundos de hedge, Alan Howard – cuja fortuna é estimada em US$ 2,8 bilhões pela Forbes – pelo gigante de serviços financeiros Macquarie Group e pelo braço de capital de risco do DRW Group.
“Você não sabe exatamente o que seu oponente segura”, diz Lippel. “Mas o que vejo são pequenos indícios e rabiscos na parede, de que estamos em uma mudança de paradigma.”
Lippel nasceu em maio de 1985 em Manhasset, Nova York. Em 2008, ele se formou em contabilidade pela Universidade de Michigan, quando veio a crise econômica com a bolha subprime. Seu primeiro emprego foi como analista no banco suíço Credit Suisse e, atravessando a rua, estava localizado o banco Lehman Brothers (que quebrou durante a crise), o que lhe deu a chance de assistir de camarote ao colapso da instituição financeira.
Assim, Lippel construiu sua carreira no banco enquanto trabalhava como jogador profissional. Era o Velho Oeste do pôquer online e, mesmo nos Estados Unidos, os jogadores podiam simplesmente comprar fichas de pôquer digital com um cartão de crédito. Ele tinha uma vantagem sobre jogadores menos sofisticados que ainda não aprenderam a sobrepor dados sobre seus oponentes na tela, o que o ajudou a ganhar mais de US$ 1 milhão em torneios de pôquer online, de acordo com o site de dados sobre jogos Sharkscope.
À medida que os órgãos reguladores aumentavam a repressão e os sites de jogos de azar migravam para o exterior, os casinos online, incluindo o Carbon Poker e o Black Chip Poker, começaram a permitir que pagamentos e recebimentos com bitcoins, à época um ativo underground, mais conhecido como uma forma de comprar e vender drogas online. Ele se deu tão bem com o uso de bitcoins para transferência de recursos que abriu duas empresas para atender a essa necessidade: a Stake My Chips, para apostar em outros jogadores, e a Send My Chips, para transferir os fundos.
Em 2014, depois de fracassar em um empreendimento com sites para arenas esportivas, Lippel decidiu fazer seu MBA. Dois meses após o início dos estudos, ele conheceu o ex-diretor da Microsoft, Brooks Gibbons, e o ex-executivo da Thomson Reuters, Gareth Jones, que acabara de fundar a FinTech Collective, uma empresa de capital de risco investindo no futuro da infraestrutura financeira. “Existem muitos paralelos entre o pôquer e o capital de risco”, diz Lippel. “Você está encontrando fundadores e pessoas para apoiar.”
Um de seus primeiros investimentos foi o site institucional de dados sobre bitcoin TradeBlock, com sede em Nova York, seguido de perto por sua empresa irmã, a Axoni, que usava o blockchain para reimaginar infraestruturas financeiras sistemicamente. O Collective contratou Lippel como estagiário quando a empresa tinha apenas três funcionários, e ele era passageiro enquanto Gibbons e Gareth construíam uma carteira de mais de US$ 500 milhões, incluindo os primeiros investimentos no NYDIG (New York Digital Investment Group), a subsidiária de custódia de bitcoin da Stone Ridge, de US$ 9 trilhões.
Depois de construir sua trajetória ao cargo de diretor em 2019, e de sócio no início deste ano, Lippel recebeu oficialmente as rédeas de seu primeiro fundo – o DeFi Fund. Em apenas cinco semanas, ele atingiu a meta de US$ 50 milhões. Lippel e os cofundadores do Collective contribuíram pessoalmente com mais US$ 1,2 milhão.
“Há tantos desafios nos serviços financeiros tradicionais aos quais o DeFi poderia ser potencialmente aplicado”, disse Kimberly Trautmann, chefe da DRW Capital, que investiu cerca de US$ 10 milhões no fundo. “Há uma grande oportunidade. Mas o espaço ainda é novo.”
Como os protocolos financeiros descentralizados tendem a ser construídos pelas mesmas pessoas que os utilizam, o Collective e outras empresas DeFi costumam pensar em investir de forma diferente dos veículos tradicionais. Os aplicativos DeFi permitem que os detentores de tokens votem na evolução do protocolo, mas a participação é historicamente baixa. Como a empresa recebe tokens em troca de seu apoio, eles votam ativamente nas propostas com a esperança de influenciar as chances de sucesso.
Em segundo lugar, eles estão entre uma série de empresas de criptomoedas que seguem o caminho da Electric Capital, com sede em Palo Alto, e da Paradigm, com sede no Canadá, que dedicaram até metade de sua equipe para construir serviços DeFi em cima das infraestruturas que suas empresas de portfólio constroem .
Esses tokens de governança também representam uma oportunidade de investimento. Enquanto alguns investimentos são rodadas de ações tradicionais em equipes com pouco mais do que um papel descrevendo seu produto, outros contam com o SAFT (Acordo Simples para Tokens Futuros, em tradução livre), um acordo futuro para tokens que ainda não existem e outros envolvem a compra de ativos já existentes.
“Pensamos muito sobre a forma de monetização e a maneira como os aplicativos Web 3.0 e DeFi estão sendo construídos”, diz Lippin. “Então, embora possamos não entrar com um token, nós podemos entrar com um patrimônio, por exemplo. Eventualmente haverá um caminho para a descentralização e a tokenização.”
A rentabilidade oferecida pelas aplicações DeFi também são bem superiores ao rendimento de aplicações tradicionais. A rentabilidade de produtos DeFi varia entre 3% e 10% nos Estados Unidos, de acordo com o site de dados DeFi Rate. Além da Paradigm e da Electric Capital competindo para capitalizar esses retornos, há a Polychain Capital, que investiu mais de US$ 300 milhões em DeFi e em startups relacionadas; a Framework Ventures, sediada em Nova York, que levantou um fundo DeFi de US$ 100 milhões em maio; e a Framework, que em junho lançou um fundo DeFi que dá aos investidores exposição a moedas rastreadas no índice TradeBlock da CoinDesk.
No entanto, os investidores devem ser cautelosos. Lippel acredita que bancos e instituições financeiras tradicionais irão se interessar mais seriamente pelo DeFi.
“O DeFi começou a atender pessoas que eram tradicionalmente mal servidas, com as quais os bancos não se importam, ou pessoas que ganharam muito dinheiro com criptomoedas – nenhuma delas bem recebidas pelos bancos tradicionais”, diz Lippel. “Mas, eventualmente, vamos ter maior adesão. O financiamento institucional provavelmente é melhor atendido usando algo como contratos inteligentes, os mercados de recompra em um blockchain são melhores, mais rápidos e mais baratos.”
Mas sempre que um ativo paga as taxas de rentabilidade pelas quais a indústria DeFi é conhecida, vale a pena dar uma olhada nos bastidores. Em parte, os maiores ganhos dos DeFi estão ligados a uma infraestrutura mais leve e com menos intermediários. Em vez de funcionários e empresas caras, os serviços são executados por linhas de código relativamente simples, os contratos inteligentes mencionados anteriormente. Mas mesmo o código aparentemente simples está sujeito a hacks, e quando é tão novo quanto os contratos inteligentes DeFi, essas negociações podem ser altamente arriscadas. O código experimental não é frequentemente testado em batalha, o que significa que os investidores podem arcar com grandes perdas.
Para piorar, muitos dos tokens baseados no ethereum e outros blockchains públicos foram ou podem ser considerados valores mobiliários pela Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês). Recentemente, o regulador multou duas pessoas que arrecadaram US$ 30 milhões para construir uma plataforma que trazia finanças descentralizadas apenas no nome, afirma um comunicado da autoridade.
Em julho, a senadora norte-americana Elizabeth Warren alertou que as criptos estão colocando o sistema financeiro global nas mãos de um “grupo de supercodificadores obscuro e sem rosto” e, mais recentemente, o Congresso dos EUA deu um grande passo para classificar uma ampla faixa de usuários de criptomoedas como corretores de valores.
Lippel e outros investidores afirmam que fundos como o dele podem abrir um novo caminho para empresas descentralizadas que estejam em conformidade com as leis e regulamentos locais. “Os tokens são uma ferramenta realmente poderosa”, diz Lippel, “Se forem usados corretamente.”
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