Você planeja deixar uma herança para os seus filhos ou você é do time que acredita que a herança é aquilo que os mortos deixam para que os vivos se matem?
Herança, sem dúvida, é um dos assuntos mais controversos em finanças pessoais. As conversas sobre este tema costumam despertar discussões com posições diametralmente opostas, mesmo entre os especialistas.
LEIA TAMBÉM: 10 conselhos para quem não se preparou financeiramente para a longevidade
A herança muitas vezes é o ponto de partida para desentendimentos familiares e, por isso, frequentemente é tema de romances, peças de teatro e novelas. São incontáveis as famílias que rompem os laços de fraternidade na discussão da divisão do patrimônio deixado. Porém, também é inegável que ele pode ser o elo entre gerações de uma família.
É evidente que filhos bem-educados podem ter na herança uma forte alavanca para ter uma vida de mais conforto ou até mesmo para conseguir iniciar um negócio próprio. Porém filhos que crescem com a certeza de que um dia vão receber uma grande herança podem não se esforçar tanto para construir o próprio patrimônio.
Como tantas coisas na vida, o desejo de deixar uma herança transcende o aspecto meramente racional. Na aristocracia, a propriedade era da nobreza, que se perpetuava com a transmissão do patrimônio. Na meritocracia, as famílias incorporaram a ideia que cada um deve ter aquilo que seus méritos lhe permitem. Mas buscaram o direito de transmitir herança para os filhos, o que antes era restrito aos nobres.
Porém, a herança não nasce do altruísmo da aristocracia agrária e da burguesia. A herança nasce de um pacto tácito entre as gerações: os filhos tinham a expectativa de receber uma herança quando os pais viessem a falecer, porém, os pais cobravam um preço por esta expectativa de ganho, os filhos deveriam cuidar dos pais caso estes ficassem velhos e sem condições para o trabalho.
A herança foi um recurso para se adaptar à imprevisibilidade da vida. Se os pais vivessem pouco, os filhos recebiam a herança. Mas se vivem muito, os filhos precisavam assumir o ônus de sustentar os pais.
Este pacto, que é tácito por não estar descrito em nenhum documento, está entranhado na nossa cultura contemporânea, porém, ele é um pacto caduco. Em um passado muito recente ele fazia muito sentido, mas o aumento exponencial da expectativa de vida e a redução do número de filhos por família colocou este pacto em xeque.
Em meados do século passado, a nossa expectativa de vida girava em torno de 50 anos, ou seja, só a metade das pessoas viviam mais de 50 anos. Assim, era grande a chance dos filhos receberem ao menos parte da herança quando estavam na casa dos 30 anos, quando o dinheiro da herança fazia uma enorme diferença em suas vidas.
Com o aumento da expectativa de vida, a maior probabilidade é que a herança chegue muito depois dos 50 ou 60 anos. Receber uma herança aos 30 pode ser um tremendo impulso para a formação de um patrimônio ou para a melhoria da vida, já após os 50 anos o impacto tende a ser muito menor.
Outro fator contrário ao antigo pacto é a redução do número de filhos. Em uma família numerosa, a tarefa de cuidar dos velhos é dividida entre muitos, já em uma família pequena a tarefa se concentra em poucos, quando não em apenas um.
Se o pacto antigo não é mais conveniente, outro precisa ser colocado no lugar. Atualmente, muito melhor do que tentar deixar uma herança para os filhos é tentar manter uma boa fonte de renda que permita ter uma velhice com conforto financeiro, isto sem deixar de cuidar da saúde física e emocional.
Uma grande herança para os filhos atualmente é chegar ao ocaso da vida com condições físicas, emocionais e financeiras de ter uma vida autônoma, deixando os filhos livres para construírem suas carreiras, terem tempo para seus próprios filhos, possibilitando assim que eles construam seus próprios patrimônios.
A herança foi fundamental para a consolidação de uma aristocracia agrária, e muito importante na era industrial. Mas na era do conhecimento o mais importante é a educação de qualidade. Educação é o patrimônio mais pessoal e seguro, portanto, ela será sempre a melhor herança.
Jurandir Sell Macedo Jr é doutor em finanças comportamentais, professor universitário e, desde 2003, ministra na Universidade Federal de Santa Catarina a primeira disciplina de finanças pessoais do Brasil. É autor de inúmeros livros sobre educação financeira e tem pós-doutorado em psicologia cognitiva pela Université Libre de Bruxelles. Escreve sobre Finanças 50+ quinzenalmente, às quintas-feiras. Instagram @jurandirsell E-mail [email protected]
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.
Facebook
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn
Siga Forbes Money no Telegram e tenha acesso a notícias do mercado financeiro em primeira mão
Baixe o app da Forbes Brasil na Play Store e na App Store.
Tenha também a Forbes no Google Notícias.