Existe um conceito em finanças chamado “banco ruim”. A prática teve início no final da década de 1980, quando as condições gerais de empréstimos praticadas pelas instituições financeiras geraram uma onda de defaults. O que os bancos começaram a fazer foi abrir uma entidade separada e transferir os ativos tóxicos a preço de mercado, tirando os títulos inadimplentes do balanço do “banco bom”.
Esse não é o caso do Wells Fargo. A instituição é um dos maiores bancos dos EUA e uma fonte contínua de episódios que combinam algum grau de fraude, negligência e incompetência. Em 2016, por exemplo, vieram à tona notícias de abertura de contas em nomes de clientes sem suas permissões, o que resultou em uma multa de US$ 3 bilhões, de acordo com reportagens da NBC News.
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Há agora um novo escândalo. O FBI e o Ministério Público de Nova York processaram o Wells Fargo na segunda-feira (27), e, no mesmo dia, chegaram a um acordo com o banco que foi aceito pela Justiça. As autoridades norte-americanas alegaram que o Wells Fargo “violou a Lei de Execução e Recuperação de Reforma das Instituições Financeiras, ao cobrar taxas abusivas de centenas de clientes comerciais, muitos deles pequenas e médias empresas, e instituições financeiras seguradas pelo governo federal que usaram o serviço de câmbio (“FX”) do banco.”
FX refere-se ao comércio internacional de moedas, um mercado complexo onde se ganha e se perde dinheiro em uma série de operações confusas de compra e venda e em constante mudança.
O processo alegou que o Wells Fargo “fraudou 771 clientes cobrando-lhes sistematicamente nas transações de câmbio taxas acima do mercado e diferentes daquelas informadas pelo banco, e ocultando essas cobranças excessivas por meio de várias declarações falsas e práticas enganosas”. De acordo com documentos judiciais, muitos dos clientes eram empresas de pequeno ou médio porte, ou instituições seguradas pelo governo federal.
Para encerrar a ação, a Wells Fargo vai pagar US$ 72,6 milhões, com metade indo para os 771 clientes e a outra metade para o governo dos EUA a título de multa e confisco de bens.
A lista de acusações contra o Wells Fargo é longa: o banco teria praticado preços mais altos para as moedas que vendeu, e mais baixos para as que comprou. A equipe de vendas do serviço de câmbio tinha acordos com clientes que previam spreads fixos entre preços de compra e de venda, mas teria cobrado “sorrateiramente e sistematicamente” spreads muito mais altos, embolsando milhões para o Wells Fargo. Em vez de aplicar as taxas válidas no momento em que uma transferência eletrônica foi realizada, os empregados teriam escolhido taxas de outros momentos do dia que eram mais vantajosas para o banco.
Alguns funcionários também são acusados de inventar taxas e cálculos para fingir que estavam cumprindo com suas obrigações. Eles supostamente trocavam os números para inflar os lucros e, quando eram pegos, alegavam que se tratava de erros pequenos, feitos “sem querer”. Os empregados do Wells Fargo teriam visado especialmente os clientes que identificavam como sendo menos experientes no mercado FX.
Quando os correntistas reclamavam de algum problema, membros da equipe de vendas mentiram e até criaram registros falsos de transações; eles recebiam bônus pelo dinheiro a mais que geravam para o banco, segundo o FBI e o Ministério Público.
Bom, posso ter deixado passar algo, mas quando analisei o comunicado da imprensa do governo e os processos judiciais, não encontrei aquela frase clássica sobre o banco não admitir ter cometido nenhuma irregularidade. Em vez disso, havia esta: “O Wells Fargo admite, reconhece e aceita a responsabilidade pela conduta descrita.”
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O comunicado de imprensa divulgado pelo banco afirma que: “No acordo, o Wells Fargo reconheceu que adotou medidas contra mais de 20 funcionários que estavam envolvidos no serviço de câmbio, incluindo várias ações disciplinares e demissões, e reafirmou seus esforços para cumprir as melhores práticas do mercado de FX. Este assunto foi inicialmente levado ao conhecimento do governo por um denunciante anônimo que ofereceu um depoimento ao Departamento de Justiça dos EUA de acordo com a Lei de Execução Antifraude de Instituições Financeiras.”
A contínua saga de supostas fraudes no Wells Fargo me deixa com apenas duas perguntas:
- Este caso se refere a acontecimentos ocorridos entre 2010 e 2017, e os outros casos também são de anos anteriores. Isso significa que essas práticas vão parar? O banco possui a cultura, os controles e a gestão necessários para eliminar esses problemas?
- E, de qualquer forma, por que alguém confiaria no Wells Fargo no final das contas?
Como adendo, aqui está parte de uma declaração que o Wells Fargo enviou à Forbes:
“O acordo anunciado pela Justiça de Nova York compreende um pagamento de US$ 37,3 milhões relacionado a problemas de precificação em nosso negócio de câmbio que ocorreram antes de 2017. Esse comportamento passado é inaceitável. Desde então, o Wells Fargo pagou aproximadamente US$ 35 milhões para indenizar totalmente os clientes afetados e revisou extensivamente nossas práticas e procedimentos de precificação de câmbio. Melhoramos significativamente nossas políticas de negócios, procedimentos e supervisão relacionados ao gerenciamento e à precificação de transações de câmbio. Continuamos comprometidos em atender às necessidades de nossos clientes FX.”
Veremos. Gosto de lembrar esta frase de William Faulkner :“O passado não está morto. Não é nem passado.” Talvez, se as pessoas e instituições pudessem se lembrar disso, elas poderiam mudar.
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