Poucas semanas depois de lidar com uma regulamentação mais dura das grandes empresas chinesas de tecnologia, os investidores agora reagem a um possível calote da maior incorporadora imobiliária do país asiático, a Evergrande. A empresa tem US$ 300 bilhões em dívidas e o mercado imobiliário da China desacelerou como resultado das medidas que o governo chinês tomou há um ano para conter a alta nos preços dos imóveis. Essas medidas contribuíram para uma queda de 21% nas vendas de casas por incorporadores em agosto, há mais de um ano.
De acordo com um relatório da CNN Business, Ed Yardeni levantou o espectro de que um colapso da Evergrande poderia ter “riscos sistêmicos similares ao impacto que a quebra do banco Lehman Brothers teve no mercado de ações dos Estados Unidos”. Outros economistas, no entanto, minimizaram a probabilidade de contágio global e os investidores dos EUA parecem concordar, já que a repercussão fora da China foi limitada até o momento.
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Minha opinião é que um forte movimento de venda no mercado imobiliário da China não seria o mesmo que a quebra do mercado imobiliário dos EUA entre 2007 e 2009. No entanto, isso teria grandes repercussões para a economia da China. O motivo: imóveis representavam dois terços dos patrimônios das famílias chinesas em 2019, em comparação com cerca de um quarto nos EUA. Além disso, a estimativa mais recente para a China é maior hoje, chegando a 78%, devido à rápida valorização dos preços nos últimos dois anos.
Um calote da Evergrande seria diferente do colapso do Lehman Brothers em dois aspectos principais. Em primeiro lugar, o sistema financeiro da China está sujeito a um amplo controle do governo, que historicamente atua para conter a alta dos preços no mercado imobiliário e, quando o crescimento econômico está em risco, reverte suas políticas.
Embora o governo tenha se recusado a resgatar a Evergrande até agora, ele tem a capacidade de evitar um colapso total. Em comparação, o governo dos EUA não tinha experiência anterior nesse tipo de resgate antes da quebra de 2008, e relutou em socorrer o Lehman.
Em segundo lugar, as consequências de um default da Evergrande levariam muito mais tempo para serem resolvidas. Como os mercados dos EUA eram altamente securitizados, os valores dos ativos despencaram quando os fundos sofreram grandes saídas de capital. Em comparação, os empréstimos bancários para os incorporadores imobiliários da China não são instrumentos negociáveis, e renegociações estão sujeitas a termos complexos e supervisão regulatória que pode levar anos para ser concluída.
Isso não significa que a China está livre de uma bolha imobiliária. Quando as autoridades chinesas começaram sua repressão às incorporadoras, há um ano, a Goldman Sachs estimou que o valor total dos imóveis residenciais chineses e dos estoques dessas empresas havia chegado a US$ 52 trilhões, superando de longe o dos Estados Unidos. Além disso, estima-se que cerca de 20% dos apartamentos estejam desocupados, o que indica o grau de especulação imobiliária.
Uma das grandes incógnitas hoje é quantos credores imobiliários e incorporadoras precisarão ser resgatados na China. Como afirma o conselho editorial do Wall Street Journal, a Evergrande pode se tornar a maior vítima da bolha imobiliária chinesa, mas não será a última. Além disso, algumas áreas são mal regulamentadas, como produtos de gestão de patrimônio que são garantidos pela Evergrande e outras empresas do setor.
Uma reportagem de Xie Yu, do Wall Street Journal, mostra como os problemas se espalharam. As medidas tomadas pelos reguladores no ano passado incluíram limitar a exposição dos bancos ao mercado imobiliário tanto em empréstimos a incorporadoras, quanto em hipotecas. O governo também ordenou revisões em leilões de terrenos e, em algumas cidades, introduziu controles de preços sobre as vendas de casas. Enquanto isso, as margens de lucro das empresas do setor começaram a diminuir e, até meados de agosto, as incorporadoras já haviam deixado de pagar US$ 6,2 bilhões em dívidas de alto rendimento – mais do que na década anterior. Em resposta, o Moody’s Investors Service recentemente revisou sua perspectiva para o setor para negativa.
O impacto em outros setores foi restrito. Um dos motivos para isso é que a China resistiu à pandemia de Covid-19 razoavelmente bem no início, embora a atividade econômica tenha diminuído recentemente devido a novos surtos em partes do país. Uma pesquisa recente da Reuters com dez analistas e economistas mostrou que eles ainda estavam otimistas sobre os valores de imóveis: embora suas projeções de valorização dos preços das moradias para este ano tenham sido reduzidas de 5% para 3,5%, eles ainda esperam uma recuperação para 5% no próximo ano. Esse cenário, no entanto, parte da premissa de que o governo agirá em tempo hábil para evitar um colapso do mercado imobiliário.
Em última análise, o resultado depende de como as famílias chinesas responderão a uma eventual queda dos preços de imóveis. O principal risco é que a China enfrente uma perda de confiança das famílias em um momento em que a confiança das empresas está abalada por causa da repressão do governo às empresas de tecnologia. Essa combinação pode resultar em uma contração do crescimento de 3% a 4% no próximo ano, se não uma recessão total.
Por fim, a questão é se um colapso do mercado imobiliário da China poderia se espalhar para outras partes do mundo. A principal razão para acreditar que isso não acontecerá é que a participação de investidores estrangeiros no mercado imobiliário e no sistema financeiro da China é pequena. Em comparação, na crise de 2007-2008, os investidores estrangeiros estavam fortemente envolvidos em títulos lastreados em hipotecas emitidos por instituições americanas.
Dito isso, dada a importância da China na economia global e no comércio internacional, uma desaceleração teria efeitos colaterais para os principais parceiros comerciais da China na Ásia, Europa e América do Norte. Por esse motivo, os investidores norte-americanos precisam monitorar de perto os próximos acontecimentos no país asiático.
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