No cenário em que o bitcoin vem quebrando patamares máximos de cotação e o ethereum também registrando grandes valorizações, o ativo começa a entrar na pauta de governos e legisladores. No Brasil, ainda que o Banco Central não tenha sinalizado nenhuma ação imediata sobre as criptomoedas, já há no Senado e na Câmara dos Deputados projetos de lei com o objetivo de criar uma legislação sobre o mercado e formas de aceitação de moedas digitais na economia brasileira.
João Pedro Nascimento, professor da direto na FGV (Fundação Getúlio Vargas) do Rio de Janeiro e sócio da JPN Advogados, destaca a “revolução completa” que as criptomoedas estão promovendo no sistema monetário do Brasil. Ele ressalta o uso que muitos brasleiros fazem do ativo para construírem uma reserva financeira. “O governo está atento às necessidades de incremento na segurança jurídica das relações de troca e de pagamento realizadas por meio destes ativos digitais”, afirma.
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Com o esforço, o legislativo busca conferir ordem, previsibilidade e segurança jurídica ao mercado de cripto, introduzindo alguma medida de controle do Estado nas intermediações e negociações do ativo. “Há também interesses no sentido de pensar em mecanismos mais eficientes para a tributação e prevenção de lavagem de dinheiro e corrupção”, diz Nascimento.
Um dos projetos é o 3.825/2019, de autoria do senador Flávio Arns (Rede-PR), que busca definir conceitos, diretrizes e um sistema de licenciamento de exchanges, também supervisionado pelo Banco Central e pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
“Atualmente, as empresas e pessoas que emitem ou fazem a intermediação desses ativos virtuais não estão supervisionadas e nem fiscalizadas. Dessa forma, a falta de leis gera grave insegurança jurídica e põe os consumidores de criptoativos em situação de extremo risco e vulnerabilidade“, destaca Arns. “Assim, esperamos que os investidores brasileiros possam ter maior segurança e confiança nas transações com criptoativos, conferindo uma maior proteção à economia popular, no sentido de que diversos crimes praticados mediante o uso de criptoativos possam ser prevenidos e combatidos de maneira mais eficiente”.
O deputado afirmou que não investe em criptomoedas e não pretende investir, mesmo que o seu projeto de lei seja aprovado.
Já o PL 4.207/2020, da senadora Soraya Thronincke (PSL-MS), busca estabelecer normas para a emissão de criptomoedas, além de criar condições e obrigações para marketplaces as utilizarem como pagamento. O texto pretende ainda atribuir medidas regulatórias e fiscalizatórias à Receita Federal, ao Banco Central, à CVM e ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras.
Ambos os textos, o 3.825/2019 e o 4.207/2020, foram analisados pela Comissão de Assuntos Econômicos, em 17 de agosto. A primeira proposta será votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e a segunda, distribuída ao senador Irajá Silvestre Filho (PSD-TO) para emissão de relatório.
Bruno Sousa, diretor jurídico e de compliance da gestora Hashdex, destaca a regulamentação do mercado como forma de abrir espaço para que empresas surjam já cientes do órgão que regulamentará o segmento. “O mais importante nesse momento é criar regras leves e que o papel da Comissão de Valores Mobiliários e do BC seja definido. Isso deixa o setor mais seguro juridicamente.”
A CVM informou à Forbes que tem acompanhado e participado das discussões a respeito do assunto, inclusive, no que diz respeito às iniciativas legais em andamento. No início deste mês, em evento do UBS, na capital paulista, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, comentou o tema em conferência virtual promovida pelo BIS (Banco de Compensações Internacionais). “Temos avançado, temos muitas coisas a resolver para assegurar que a moeda digital não seja disruptiva para os balanços dos bancos.”
As regulações também chegaram no Tio Sam
Outro país que também está abraçando a regulamentação do mercado de criptos são os Estados Unidos. A senadora norte-americana Elizabeth Warren apresentou no começo de outubro uma proposta de lei para investigar o papel das criptomoedas em golpes de ransomware, que consiste no bloqueio do sistema por um vírus até o pagamento de resgate em moedas digitais.
“Os ataques de ransomware estão se tornando mais comuns a cada ano, ameaçando nossa segurança nacional, economia e infraestrutura crítica”, disse, em comunicado, outra congressista norte-americana Deborah Ross, que também faz parte do projeto apresentado por Elizabeth. “Infelizmente, como as vítimas não são obrigadas a relatar ataques ou pagamentos às autoridades federais, não temos os dados necessários para compreender como funcionam as empresas cibercriminosas e combater essas invasões”, afirmou.
De acordo com o relatório de ameaças cibernéticas da SonicWall, subsidiária da companhia Dell, publicado em 29 de julho, os Estados Unidos foram o país que mais sofreu ataques ransomware no primeiro semestre deste ano. O Brasil apareceu no quinto da lista.
Complexidade
Nascimento, o professor da FGV, argumenta que o mercado de cripto tem proporções mundiais e, muitas vezes, a emissão desses ativos ocorre em outros países. Dessa forma, “trata-se de uma questão transnacional, que demandará um esforço a ser liderado por instituições como a IOSCO [Organização Internacional de Valores Mobiliários] e a OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento]”.
“Outra preocupação que ronda é a necessidade do legislativo brasileiro querer criar leis e regras para tudo, e que o excesso de restrições acabe com muitas empresas e projetos que queiram se desenvolver na área”, diz Sousa, da Hashdex. “Dessa forma, acredito que seja necessário ter leis, mas que isso seja feito com calma e apenas para as necessidades do setor.”
Bruno Demétrio, de 31 anos, investidor desde junho, que já aportou R$ 50 mil em bitcoin e altcoins, é mais um dos que pensam ser um passo importante “o governo enxergar um avanço tecnológico no setor e buscar regulamentá-lo”.
Ele destaca a preocupação de a legislação criar obrigações contábeis e tributárias com a em um ambiente burocrático, “se tornando complicado para um investidor que até o momento opera sem regras e, do dia para a noite, tem a chance de ser preso ou pagar uma multa por infringir algo que antes não existia”. Para Demétrio, se assim ocorrer, existe o risco de as novas leis afastarem os usuários do mercado de criptomoedas.
Segundo o levantamento da Hashdex realizado em setembro, existiam 325 mil investidores de criptomoedas no Brasil, número quase 1.000% maior que o de setembro de 2020, quando os usuários eram 30 mil.
Veja abaixo a lista de seis projetos de lei nacionais que pretendem alterar as estruturas das criptomoedas, além dos comentários de Adib Abdouni, advogado constitucionalista e criminalista no Adib Abdouni Advogados, e de Tatiana Guazelli e Leonardo Baptista Rodrigues, associada de Pinheiro Neto Advogados e sócio do mesmo escritório, respectivamente, sobre cada texto.
Vale destacar que, segundo o professor da FGV, existem alguns textos parecidos, já que os deputados tendem a se inspirar nas mesmas fontes de conhecimento para elaborar uma proposta.
Projetos de lei 2303/15 e 2.060/2019
Com a junção dos projetos escritos pelo deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), em 28 de abril, pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o novo texto assumiu o nome do mais antigo dos dois deles, o PL 2303/15. O primeiro texto foi apresentado em julho de 2015 e o segundo, em abril de 2019.
Na proposta, o autor pretende incluir as criptomoedas no rol de pagamentos controlados pelo BC, inserir no código penal a modalidade de crime de emissão de criptos sem a permissão legal da CVM, com pena de um a seis meses ou multa, e que a emissão só possa ser realizada desde que a finalidade seja compatível com a atividade ou o mercado de atuação do emissor.
Tatiana Guazelli e Leonardo Baptista Rodrigues: O PL 2303/15 é um projeto de lei antigo que, em sua versão original, buscava incluir os criptoativos na definição de arranjos de pagamento. No entanto, o texto desse projeto passou por diversas mudanças, inclusive afastando os criptoativos do conceito de arranjos de pagamento, o que foi positivo pois eles não devem, de fato, ser confundidos com o conceito de moeda eletrônica regulamentada pelo Banco Central. Esse projeto teve o seu novo texto aprovado recentemente na Comissão Especial e agora aguarda a apreciação pelo Plenário. Já o PL 3.825/2019 ainda espera apresentação de relatório na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.
A regulamentação do mercado de criptoativos será um passo importante para esse mercado e espera-se que possa eliminar algumas das incertezas que hoje atrapalham o seu desenvolvimento no país. No entanto, uma preocupação que surge é se as novas regras serão adequadas ao dinamismo característico desse mercado e não se tornarão um novo obstáculo para o seu crescimento. Isso dependerá do texto de lei que eventualmente venha a ser aprovado, inclusive de como este definirá criptoativo e como estabelecerá a competência para regulamentar esse mercado.
Projeto de Lei 3.825/2019
Em julho de 2019, o senador Flávio Arns (Rede-PR) propôs o Projeto de Lei 3825. Ele entende ser necessário o aval do Banco Central para que uma exchange tenha o direito de operar, que a instituição garanta a competitividade entre as operadoras de criptos e que as exchanges sejam proibidas de usar o nome “banco”, além de serem obrigadas a prestar informações aos clientes e à Receita Federal.
Tatiana Guazelli e Leonardo Baptista Rodrigues: No que diz respeito à autoridade reguladora, o PL 3.825/2019 é o que também traz uma maior clareza de como seria tal regulamentação. Esse projeto atribui ao Banco Central competência para autorizar e supervisionar as exchanges, de forma semelhante ao feito atualmente em relação às instituições financeiras e instituições de pagamento.
Projeto de Lei n° 3949/2019
O senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) apresentou, também julho de 2019, o Projeto de Lei 3949, que pretende estabelecer condições para o funcionamento das exchanges, como a prestação de contas à Secretaria da Receita Federal. Além disso, os recursos investidos pelos clientes em contas não poderiam ser considerados patrimônio da companhia. O autor diz ainda que compete ao Banco Central a ordem de baixar normas para disciplinar as operações com criptoativos.
Adib Abdouni: O PL 3949-19 também busca regular o funcionamento das exchanges de criptoativos, define crimes e traz regras tributárias proporcionais às praticadas em setores semelhantes no Brasil, reforçando a cobrança que a Receita Federal já faz sobre o ganho de capital auferido sobre a alienação de criptoativos.
Projeto de Lei 4.207/2020
A autoria do Projeto de Lei 4207 pertence à senadora Soraya Thronicke (PSL-MS). A deputada acredita ser necessário a criação de um comitê interministerial de acompanhamento e monitoramento de atividades relacionadas às criptomoedas. Além de impor uma responsabilidade ao Banco Central e à Comissão de Valores Mobiliários de regular e supervisionar esse mercado. Segundo a Agência Senado, com o texto, Soraya busca estender às moedas digitais o modelo de proteção vigente em bancos tradicionais. Ao apresentar o projeto, a parlamentar citou o caso do Banco Neon, que quebrou em 2018, e as contas dos clientes foram resguardadas.
Adib Abdouni: O PL 4207-20 centra-se na necessidade de garantir mecanismos jurídicos que possam permitir maior informação, transparência e proteção do investidor-consumidor e eventuais fraudes nesse mercado, com a necessidade de salvaguardar os dados pessoais e as carteiras virtuais, além da necessidade de criação de mecanismos para o monitoramento do mercado de ativos virtuais.
Projeto de Lei 2140/2021
O deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) apresentou em 10 de julho a PL 2140/2021 que pretende estabelecer um prazo de 180 dias para o Banco Central regulamentar as transações de criptomoedas. Segundo a Agência Câmara de Notícias, o autor argumenta que “tanto quanto os bancos privados e públicos, é preciso haver uma normatização e fiscalização rigorosa para que a população não seja enganada com promessas de altos lucros individuais, o que já tem ocorrido sobremaneira”.
Adib Abdouni: O projeto apenas prevê a determinação do prazo máximo de 180 dias para o Banco Central expedir atos normativos de regulamentação dessas transações.
Projeto de Lei 2234/2021
O deputado Vitor Hugo (PSL-GO) é autor da PL 2234/2021, que busca aumentar a pena do crime de lavagem de dinheiro praticado por meio da utilização de criptomoedas. Até o momento, a pena prevista em lei é de três a dez anos de reclusão e multa. Hugo propôs aumentá-la para o período de quatro a 16 anos e oito meses de reclusão e multa. Ele apresentou o projeto na Câmara dos Deputados em 17 de junho.
Adib Abdouni: O texto visa a utilização de criptomoedas para o cometimento do crime de lavagem, ocultação de bens, direitos e valores e prevê o aumento da pena desses delitos (reclusão de três a dez anos) de um a dois terços.