Os recursos alocados por brasileiros em criptoativos no exterior saltaram 145% em 2021, um movimento que tem sido acompanhado de perto pelo Banco Central, mas sem acender qualquer alerta interno, segundo duas fontes do governo com conhecimento direto do assunto.
Apesar de o FMI (Fundo Monetário Internacional) ter chamado a atenção sobre os riscos associados ao aumento desse fluxo em mercados emergentes, a avaliação é que no Brasil o tema não chega a representar uma preocupação.
De janeiro a agosto, o volume investido por brasileiros nesses ativos alcançou US$ 4,3 bilhões, ante US$ 1,7 bilhão em igual período do ano passado e US$ 1,7 bilhão no mesmo intervalo de 2019.
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Sozinho, o montante aportado em 2021 representa 36,8% do estoque total já alocado historicamente pelos brasileiros em criptoativos: US$ 11,7 bilhões desde 2016, quando esses números timidamente começaram a sensibilizar as estatísticas do BC.
Embora o diretor de Política Monetária da autarquia, Bruno Serra, tenha reconhecido recentemente que o aumento nos valores foi expressivo, uma fonte do Banco Central disse à Reuters, em condição de anonimato, que o acompanhamento pelo órgão regulador se dá mais por curiosidade do que por risco neste momento. “[Volume investido] é muito pouco para gerar qualquer problema”, disse.
Na semana passada, o FMI fez um alerta sobre o assunto em seu Relatório de Estabilidade Financeira Global, ressaltando que o aumento da comercialização de criptoativos em mercados emergentes pode potencialmente levar à desestabilização dos fluxos de capital.
O Fundo observou, no documento, que esse movimento pode estar acelerando a dolarização e erodindo a eficácia das restrições cambiais existentes e de medidas de gestão de controle de capital.
“Mercados emergentes e economias em desenvolvimento que enfrentam esses riscos devem priorizar o fortalecimento de políticas macro e considerar os benefícios da emissão de moedas digitais por bancos centrais”, explicou.
Uma segunda fonte do governo, familiarizada com as discussões sobre o tema, apontou que no Brasil não há nenhum grande volume investido em criptoativos, mas “alguma alocação” feita por parte de agentes que apostam na sua valorização.
Esse investimento é feito tanto diretamente, via exchanges que não são reguladas, como por meio de fundos de investimento, que são regulados normalmente pela Instrução 555 da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
Embora o BC esteja de fato engajado no projeto de uma moeda digital, isso não guarda nenhuma relação com o avanço dos criptoativos, destacou a segunda fonte.
A recomendação do FMI pressupõe que as pessoas utilizam ativos virtuais para pagamento e para guardar valor porque buscam alguma forma de moeda que seja digital e, na ausência de uma moeda emitida pelo governo, acabam recorrendo aos criptoativos.
“Isso está muito longe da realidade. No Brasil temos boa parte dos pagamentos já na forma digital. O que as pessoas buscam nos criptoativos é uma possibilidade de investimento de alto risco, mas também com alta probabilidade de retorno”, afirmou a fonte.
A situação seria outra, por exemplo, a da Venezuela. “Os venezuelanos não confiam no Bolívar. Então, para não ficarem com uma moeda podre na mão, compram bitcoin. E lá é mais fácil comprar bitcoin que dólar”, acrescentou.
A euforia com criptoativos no Brasil tem como pano de fundo uma valorização galopante desses ativos: no ano, o bitcoin – criptoativo mais negociado no mercado – acumula alta de 114% depois de subir 304% em 2020.
Na última sexta-feira (15), Serra, do BC, voltou a falar sobre o aumento do aporte por brasileiros em criptoativos, classificando o movimento como uma busca de investidores por diversificação de patrimônio.
“Acho que essa dinâmica de diversificação no exterior é uma dinâmica que talvez venha para ficar. Os canais pra diversificação se abriram bastante. A regulação cambial caminha para flexibilizar nesse sentido, é algo que a gente tem que lidar”, disse ele, em evento promovido pela gestora Upon Global.
Num exercício para estimar a marcação a mercado desses ativos não internalizados, os criptoativos detidos pelos brasileiros somariam quase US$ 50 bilhões, ante US$ 16 bilhões detidos em ações norte-americanas, apontou o diretor.
“É um negócio muito grande, chama a atenção dos reguladores no mundo todo, não é só no Brasil”, afirmou ele.
Serra frisou que no Brasil a autoridade monetária conta com “mercado de câmbio muito controlado”, o que lhe dá visão sobre todas essas operações.
“Temos contrato de câmbio para todas as transações, 100% delas a gente consegue mapear. Não é todo BC ou todo regulador que tem esse tipo de informação. Então é algo que está sendo discutido nos fóruns dos bancos centrais”, disse. (com Reuters)