Estimar a melhor hora para vender um ativo no mercado de capitais costuma ser difícil. Para o empresário Abilio Diniz, a decisão de deixar de ser acionista da BRF após quase nove anos de investimento também envolveu perdas. Ele vendeu a participação de 3,8% à Marfrig por R$ 898,9 milhões. A previsão da Economática é que entre janeiro de 2012, ano de entrada de Diniz no quadro societário da companhia, e maio de 2021, data da saída, a BRF tenha se desvalorizado em 30,58% na Bolsa de Valores.
Porém, para diminuir os riscos de perdas futuras, as partes estabeleceram uma cláusula de “earn-out”, segundo contrato apresentado à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês). Ou seja, Abilio Diniz ainda pode lucrar com eventual alta dos papéis da BRF mesmo não sendo mais acionista.
Hermes de Assis, especialista em direito empresarial do Urbano Vitalino Advogados, explica que a cláusula de “earn-out” é normalmente utilizada em acordos de compra e venda de empresas. Basicamente, se trata de um pagamento adicional mediante a ocorrência de eventos futuros e incertos. “O comprador paga um preço adicional para o vendedor a depender de situações que possam afetar a performance da companhia em uma determinada janela de tempo”, afirma Assis.
No caso da venda dos papéis da BRF, o contrato prevê que caso as ações da empresa excedam a cotação de R$ 28,75, Abilio Diniz tem direito a 50% de todo o valor excedente, durante o período de 60 dias anteriores e 30 dias posteriores à assembleia geral de acionistas da empresa.
Por exemplo, caso as ações da BRF passem a valer R$ 29,75 durante os 90 dias previstos, R$ 1 a mais do previsto pelo contrato, a Marfrig (compradora) deve pagar R$ 0,50 por ação à Abilio Diniz (vendedor). É o que explica Christian Davies, especialista do escritório Levy & Salomão Advogados.
“O earn-out é uma cláusula utilizada quando uma das partes que comprar e a outra quer vender, mas elas não chegam a um acordo sobre o preço da operação”, diz Davies. “Assim, caso o vendedor acredite no negócio, ele pode aceitar vender por menos do que o desejado, com a condição de que pode receber um pagamento posterior”.
Assis acrescenta que o earn-out acontece na maioria dos casos, pois a parte compradora costuma ter receios sobre o futuro da companhia e, portanto, pressiona o preço para que seja menor do que o proposto pela parte vendedora. “Há earn-outs com duração de anos e que estão condicionados ao crescimento da empresa, à geração de lucros ou a outros critérios”, afirma.
Isso acontece porque a cláusula de earn-out também é comum quando investidores compram partes de empresas e os fundadores têm sua participação diluída. Max Bohm, head de small caps do TC, explica que nesses casos o earn-out é uma estratégia utilizada pelos investidores para que os antigos sócios não saiam totalmente do negócio e se comprometam a continuar trabalhando para que a empresa tenha sucesso. “Nesses casos, parte do pagamento só é realizado caso sejam observados melhora na margem ou outros resultados”, diz.
Davies, do Levy & Salomão, afirma que Diniz poderia estar considerando que Marcos Molina, dono da Marfrig, pretendesse participar do conselho da empresa. “Se isso acontecer e o mercado ver com bons olhos, as ações podem subir e, então, Diniz receberia um pagamento maior”, diz.
Porém, para o empresário, não há garantias de que os papéis subam. Caso o período do contrato passe, Diniz deixa de ganhar com possíveis valorizações.
No pregão de ontem, os papéis da BRF (BRFS3) encerram o dia a R$ 23,27. A empresa é conhecida pelas marcas Sadia e Perdigão. Já a Marfrig (MRFG3), também do setor alimentício, é dona da Seara. Ontem, os papéis da companhia foram cotados a R$ 26,75..
Após a saída da BRF, Abilio Diniz continua como membro do conselho de administração do Grupo Carrefour. O empresário já participou de empresas como Walmart e Pão de Açúcar. Atualmente, Diniz está listado na 17ª posição no ranking de bilionários brasileiros da Forbes, com fortuna avaliada em R$ 15,6 bilhões.