Se você investe em renda variável, certamente deve estar se perguntando o quanto precisa ficar ou não atento a dois temas internacionais que estão em evidência: a tensão política entre Rússia e Ucrânia e o aumento da taxa de juros norte-americana.
Apesar de a Bolsa brasileira já estar sub-precificada há algum tempo, o que reduz um pouco a força desses eventos sistêmicos sobre preços nominais dos ativos, é importante entender o que está acontecendo. Afinal, em um mercado globalizado, os impactos alcançam a todos – em maior ou menor grau.
Tensão Rússia X Ucrânia
A tensão entre a Ucrânia e a Rússia existe há mais de trinta anos e sempre orbitou em torno da questão energética e geopolítica.
Ocorre, entretanto, que as tensões vêm aumentando sistematicamente desde 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia, e, na região leste da Ucrânia, movimentos separatistas pró-Rússia se envolveram em uma guerra civil, ainda em curso, que já matou mais de 15 mil pessoas.
Mas eu não vou me aprofundar nos aspectos geopolíticos. O meu foco hoje é te explicar, de forma simples, como essa crise pode impactar as bolsas de valores do mundo todo.
Em linhas gerais o cenário é o seguinte: os países da União Europeia dependem muito do gás natural produzido na Rússia, e a maior parte desse gás chega à Europa através dos gasodutos que atravessam a Ucrânia.
Isso torna o país duplamente importante para Moscou: além dos bilhões de dólares envolvidos no transporte de gás natural, a Ucrânia é a porta de entrada da Rússia para a Europa. Dessa forma, uma possível anexação coloca a Rússia novamente com poderio frente à União Europeia e reacende o pavio da guerra fria entre Rússia e Estados Unidos.
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Para a Europa, as commodities russas são fundamentais: 50% do gás natural, 45% do carvão e 25% do petróleo consumidos nos países europeus vêm da Rússia.
Essa vulnerabilidade coloca a região em situação muito delicada. Não é à toa que as investidas mais radicais do presidente russo, Vladimir Putin, acontecem agora, no inverno.
Entre outras coisas, o gás natural é utilizado nas indústrias, comércio e residências europeias. Um corte no abastecimento de gás culminaria numa crise política e social em toda a Europa, afetaria diretamente o mercado de energia e impactaria o crescimento econômico europeu, resvalando em outros mercados.
O risco iminente de que o preço do barril de petróleo ultrapasse US$ 90, tem produzido reações negativas nas bolsas do mundo inteiro.
Como você sabe, o preço do petróleo não interfere apenas nos combustíveis, o que por si já seria problemático. A alta do barril impacta a produção industrial, o agronegócio, os fretes e, consequentemente, promove uma escalada no aumento de preços, elevando a inflação e a taxa de juros.
Outro fator que tem desestabilizado os mercados são as prováveis sanções que a Rússia sofrerá tanto dos Estados Unidos quanto da Europa caso avance sobre a Ucrânia.
Analistas cogitam sanções comerciais, financeiras e tecnológicas – esse tipo de incerteza sempre causa instabilidade aos mercados por causa do receio daquilo que a teoria econômica chama de risco sistemático, ou seja, um fato que atinge a economia como um todo.
Apesar de impactar diretamente o setor de energia, o efeito decorrente se desdobra para os demais setores.
Além de tudo, eventuais sanções econômicas impostas à Rússia pelos Estados Unidos e pela União Europeia não prejudicam apenas a economia doméstica russa. Efeitos multilaterais como interferência no câmbio, no comércio internacional e na cadeia de suprimentos global podem penalizar o PIB de vários países.
O aumento dos juros nos EUA
A subida da taxa de juros norte-americana e a redução dos estímulos à economia já era algo claro desde o último trimestre de 2021.
Na reunião de dezembro o Federal Reserve, banco central norte-americano, já havia indicado o rumo mais rígido da política monetária visando conter a alta inflacionária.
A sinalização de que em 2022 as taxas dos títulos públicos seriam majoradas de três a quatro vezes também já estava clara em dezembro de 2021.
Ocorre que as medidas da política monetária do Fed acabam impondo volatilidade ao mercado, em especial às ações de empresas ligadas à inovação tecnológica, como robótica, inteligência artificial, automação, pesquisas de genoma, entre outras.
Esse segmento é especialmente sensível a momentos de volatilidade por tratar-se de empresas cujo valor está baseado, em grande parte, em expectativas de crescimento e ganhos futuros, ou seja, são ativos de maior risco.
Além disso, boa parte das empresas de tecnologia ainda não é lucrativa e demanda muito financiamento de capital. Neste momento, em que a elevação das taxas de juros torna o dinheiro caro, as projeções de crescimento das tech serão revistas e, consequentemente, seu valor de mercado tende a sofrer fortes correções.
Quando o Fed reafirma sua posição de reduzir estímulos e elevar as taxas dos títulos do Tesouro dos EUA, os investidores tendem a priorizar empresas com fundamentos sólidos e resultados consistentes.
Desde o início de 2022, temos assistido à intensa volatilidade e tendência contínua de queda dos índices Dow Jones, S&P 500 e Nasdaq, assim como das criptomoedas, todos em correção.
Contudo, é importante salientar que tais correções não são necessariamente ruins, pois retiram os excessos verificados nos últimos meses e, no médio e longo prazo, isso tende a ser saudável para os mercados.
É importante por negrito neste ponto: médio e longo prazo. Ou seja, as bolsas continuam sendo o paraíso dos pacientes e um desafio à saúde emocional e financeira dos impacientes.
Frente ao cenário de inflação e ao aperto da política monetária do Fed, mais os crescentes problemas geopolíticos entre Rússia e Ucrânia, é certo que a volatilidade dos mercados ainda persistirá, no mínimo, ao longo do primeiro trimestre.
Como fica a Bolsa de valores brasileira?
Como eu disse no início deste artigo e venho reafirmando há meses, a Bolsa brasileira está barata. Fatores externos, aliados às questões políticas e fiscais internas, têm feito com que ativos excelentes estejam muito descontados. Essas oportunidades vêm sendo muito bem aproveitadas pelos investidores estrangeiros.
Conforme divulgado pela B3, os investidores estrangeiros vêm aportando fortemente, e a entrada de capital estrangeiro em janeiro está positiva em mais de R$ 20 bilhões.
Por outro lado, o investidor pessoa física vem sacando seus recursos em Bolsa, o que demonstra que os pequenos investidores não estão sabendo aproveitar as oportunidades e continuam vítimas do efeito manada que, historicamente, faz com que as pessoas percam dinheiro por venderem na baixa e comprarem na alta, quando deveriam fazer justamente o contrário.