O livro “Olhai os lírios do campo” foi o primeiro sucesso do escritor Erico Verissimo. Li esse romance quando eu tinha menos de 20 anos. Posso dizer que certamente é um livro que teve significativo impacto na minha forma de ver a vida.
Era a edição de 1966, que recebeu um segundo prefácio, em que o autor afirma que somente com o sucesso dessa obra é que ele realmente pôde viver da literatura. Ainda assim, ele diz não nutrir grande estima pelo romance, que qualifica como “um tanto falso e exageradamente sentimental” – e logo em seguida confessa que a enorme popularidade do livro às vezes lhe deixa constrangido. Porém, como a história conferia prazer a tantas pessoas, ele achou justo permitir que o livro seguisse seu caminho.
Lembro-me de ter ficado muito aborrecido com as críticas do autor à própria obra.
Trata-se de um sermão moralista que prega o propósito, o amor e a dedicação aos filhos como questões muito mais importantes do que a busca por riqueza e status social. É a história de Eugênio, um homem proveniente de família muito pobre que, com enorme sacrifício, conseguiu se formar em medicina.
Durante a graduação, ele conhece Olívia. Ela se apaixona por ele, porém não declara seu amor. O relacionamento se desenvolve para Eugênio muito mais como uma profunda amizade e o encontro de duas almas gêmeas.
Na sanha de abandonar a pobreza e adentrar as rodas da elite financeira, o protagonista se casa com Eunice, uma rica e culta herdeira de imensa fortuna. Vivendo em meio à riqueza e sustentando um casamento apenas por interesse, Eugênio se sente profundamente deslocado e triste.
Um dia, ele recebe uma ligação do hospital onde Olívia vive seus últimos momentos da vida. Ao chegar lá, já com Olívia morta, descobre que eles tinham uma filha, Anamaria. Então, o jovem médico resolve romper seu casamento para se dedicar à profissão e à criação da filha.
Ele assume o trabalho de médico comunitário e passa a atender pessoas simples. Assim, Eugênio finalmente encontra um propósito para sua vida e consegue lentamente superar um antigo e enorme complexo de inferioridade. Ele se torna próximo de dr. Seixas, que tinha dedicado toda a sua vida à medicina dos pobres e, já muito velho e pessimista, lamenta não ter conseguido deixar bens materiais para o sustento da sua família.
O caráter romântico da obra se acentua com a percepção de Eugênio sobre a inutilidade do dinheiro para a garantia da felicidade – pensamento típico da moralidade urbana da década de 1930. Ele abandonou uma vida de riqueza material e status social em favor de uma vida de virtude e sacrifícios. É uma visão bastante maniqueísta entre o bem, retratado por uma vida longe da riqueza, e o mal, retratado como a busca de conforto e bens materiais.
Ao colocar tanta amargura nas escolhas altruístas feitas por dr. Seixas, Verissimo cria um contraponto entre uma vida conduzida pelo egoísmo e uma vida dedicada ao bem comum. Mas a verdade é que a maior parte das pessoas constrói suas vidas longe dos extremos.
Reli o livro depois do último Natal, durante o episódio de Covid-19 que me acometeu. Então, percebi que concordo profundamente com o prefácio. E me dei conta de que provavelmente o segundo prefácio foi escrito quando Verissimo tinha 60 anos, a mesma idade que tenho agora. O velho dr. Seixas também tem 60 anos – um detalhe interessante que certamente me passou despercebido na primeira leitura, mas que agora me pareceu muito significativo.
Quase um século se passou desde a época em que a obra foi lançada. A expectativa de vida aumentou, mas as angústias humanas e os conflitos morais retratados permanecem extremamente atuais. A enorme diferença é mesmo a longevidade.
Pessoas de 50 ou 60 anos não precisam se resignar e esperar o fim. Não precisam agir como o dr. Seixas e viver passivamente as angústias por suas escolhas do passado. Atualmente, muitas pessoas nessa faixa etária sentem-se cheias de disposição para mudar de vida, para reconstruir suas histórias.
Muitas pessoas que se dedicaram ao acúmulo de bens materiais, conforto, sucesso e status social estão reconfigurando suas vidas para contribuir com o bem comum, para dedicar mais tempo a suas famílias e para reconstruir seus selfs – visto que, no passado, muitas vezes precisaram mascarar sua essência para vencer a dura batalha da vida.
Pessoas 50+ estão abrindo empresas, se dedicando a novas carreiras, ingressando em universidades, aprendendo a tocar instrumentos e se dedicando com afinco aos esportes. Rompendo antigos relacionamentos fracassados e iniciando novos relacionamentos e novas atividades. Por isto, os novos 50 estão sendo chamados de segunda adolescência.
Se você está próximo ou já passou dos 50, ao contrário do dr. Seixas, ainda pode ver um longo horizonte pela frente, sem ficar lamentando escolhas que não voltam mais. Há tempo para reconfigurar sua vida e fazer aquilo que você ainda não conseguiu. Nosso passado pode ser imutável, porém construir o futuro é algo plenamente possível.
Jurandir Sell Macedo Jr é doutor em finanças comportamentais, professor universitário e, desde 2003, ministra na Universidade Federal de Santa Catarina a primeira disciplina de finanças pessoais do Brasil. É autor de inúmeros livros sobre educação financeira e tem pós-doutorado em psicologia cognitiva pela Université Libre de Bruxelles. Escreve sobre Finanças 50+ quinzenalmente, às quintas-feiras. Instagram @jurandirsell E-mail [email protected]
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