Mesmo com o aumento da pressão para punir oligarcas russos pela invasão da Ucrânia, Roman Abramovich não tem muito com o que se preocupar. O bilionário tem uma apólice de seguro para se proteger caso o Reino Unido vá atrás de seus bens: seu amado Chelsea FC.
O clube, que Abramovich comprou por cerca de US$ 190 milhões (R$ 969 milhões) em 2003 e transformou em vencedor da UEFA Champions League de 2021, foi avaliado pela Forbes em US$ 3,2 bilhões (R$ 16,3 bilhões) no ano passado. O Chelsea deve ao bilionário russo, seu acionista majoritário, impressionantes US$ 2 bilhões (R$ 10 bilhões).
Kieran Maguire, professor de finanças do futebol da Universidade de Liverpool, diz que isso confere a Abramovich bastante influência sobre o Reino Unido, dependendo de quão profundas forem as sanções.
O pior cenário para os torcedores do Chelsea se torna cada vez mais provável. “Se ele quiser recuperar seu dinheiro, pode cobrar o empréstimo do Chelsea”, diz Maguire. “Isso significa que o Chelsea iria à falência e [Vladimir] Putin poderá dizer: ‘Bem, foram vocês que começaram'”.
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A situação mostra como a crise atual pode impactar o mundo dos esportes, especialmente em um momento em que muitos times lutam para cortar os laços com a Rússia. O FC Schalke 04, da Alemanha, anunciou ontem (24) que removeria o logotipo da gigante russa de energia Gazprom de suas camisas.
O Manchester United ainda não comentou como ficará o patrocínio que recebe da maior companhia aérea da Rússia, a Aeroflot, depois que as sanções proibiram a empresa de operar no Reino Unido.
O golpe mais duro, até o momento, veio da UEFA: a entidade decidiu cancelar a final da Champions League planejada para acontecer em São Petersburgo. A expectativa é que mais eventos internacionais abandonem a Rússia.
A Forbes estima a fortuna de Abramovich em US$ 13,3 bilhões (R$ 67,8 bilhões), sendo boa parte advinda de siderurgia e metais. Seu nome aparece no topo da lista de oligarcas com maior probabilidade de serem alvos da próxima rodada de sanções do Reino Unido sobre ativos e interesses comerciais.
Na última semana, o Parlamento britânico foi forçado a se posicionar sobre o fluxo de dinheiro russo que passa por Londres, uma vez que políticos dos EUA e da União Europeia disseram temer que brechas nas regras do Reino Unido poderiam inviabilizar as sanções impostas.
O ataque mais significativo ocorreu ontem (24): Chris Bryant, do Partido Trabalhista, lançou mão de sua imunidade parlamentar e disse à Casa que Abramovich “não deveria mais ser dono de um clube [de futebol] neste país”, acrescentando que o Reino Unido “deveria tentar confiscar alguns de seus ativos, incluindo sua casa de £ 152 milhões (R$ 1,02 bilhão)”. Um porta-voz de Abramovich não respondeu aos pedidos de comentários da Forbes.
Os balanços mais recentes da Fordstam Ltd, empresa controladora do Chelsea, confirmam um empréstimo de US$ 2 bilhões por Abramovich. No ano passado, Abramovich emprestou ao Chelsea outros US$ 26 milhões (R$ 132,6 milhões), mesmo após o clube ter erguido o troféu da Liga dos Campeões em junho de 2021.
Maguire descreve os empréstimos como uma espécie de proteção contra qualquer ataque significativo aos ativos de Abramovich. “O clube não tem recursos para pagar o empréstimo”, diz ele.
“Se o Chelsea fosse vendido, em última análise, a venda seria feita pelo valor da empresa. Se esse dinheiro vai na forma de capital ou dívida é irrelevante. Mas o clube, potencialmente, pode estar preso a Abramovich porque ele pode exigir o dinheiro de volta.”
Maguire diz que o bilionário russo poderia facilmente argumentar que seus ativos estão congelados e que ele precisa do dinheiro, “e então o clube deixaria de existir”.
Um potencial comprador do Chelsea precisaria ter bolsos grandes. O preço pago pelo Newcastle United por um consórcio liderado pelo fundo soberano da Arábia Saudita – cerca de US$ 300 milhões (R$ 1,5 bilhões) – mostra que clubes menores que os compradores possam moldar à sua maneira podem ser um investimento melhor.
Para Kenneth Cortsen, economista esportivo da University College of Northern Denmark, a situação de Abramovich joga luz sobre uma questão maior envolvendo a Premier League ou qualquer organização de futebol europeu de primeira linha: quem deveria ou poderia ser dono dos times.
O Teste de Proprietários e Diretores da Premier League, por exemplo, analisa vários critérios, incluindo a ausência de condenações criminais, violações contra um órgão esportivo governamental e viabilidade financeira. Abramovich foi aprovado em todos eles.
Mas o aumento dos salários dos jogadores, a pressão de competir e o impacto da Covid-19 são apenas algumas das pressões econômicas que tornaram o futebol mais vulnerável a proprietários questionáveis.
As circunstâncias por trás da venda do Newcastle United, e agora do Chelsea, levaram a uma revisão da liga. As consequências da guerra da Rússia na Ucrânia só complicaram as coisas. A Premier League não respondeu a perguntas enviadas pela Forbes.
“A Rússia não tem sido uma boa parceira para os esportes internacionais nos últimos anos: houve vários casos de doping, uso político de atletas e outros incidentes ligados à reputação do país”, diz Cortsen. “Por que permitimos que alguns dos ativos esportivos mais importantes do Reino Unido, como o Chelsea, sejam propriedade de pessoas com conexões com, neste caso, a Rússia, considerando tudo o que aconteceu?”
Claro, o simples fato de ter esse poder não significa que Abramovich causaria o colapso financeiro de um dos clubes mais famosos da Europa apenas para irritar o governo do Reino Unido.
No entanto, ele mostrou do que era capaz quando participou na formação da Super League antes de liderar o êxodo contra ela. A opção de destruir seu precioso Chelsea ainda está na mesa.
“As pessoas têm falado sobre solidariedade e proteger a pirâmide do futebol europeu”, diz Cortsen. “Mas, ao mesmo tempo, eles permitiram que os clubes recebessem dinheiro sem realmente avaliar, em um nível aprofundado, o que isso implicaria.”