A Rússia está à beira de um tipo raro de crise de dívida que, segundo investidores, seria a primeira vez que uma grande economia de mercado emergente é forçada a dar calote em seus títulos por razões geopolíticas, e não por falta de dinheiro.
Até o Kremlin iniciar um ataque à Ucrânia, em 24 de fevereiro, poucos teriam cogitado a possibilidade de a Rússia dar calote em seus títulos denominados em moeda forte. Seu bom histórico de solvência, receitas de exportação abundantes e um banco central focado em combater a inflação tornaram o país um dos favoritos dos investidores entre os mercados emergentes.
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Mas a decisão do Tesouro dos Estados Unidos de não estender uma licença que permitia à Rússia fazer os pagamentos da dívida apesar de amplas sanções deixa Moscou a caminho da inadimplência.
O Ministério das Finanças russo transferiu cerca de US$ 100 milhões em pagamentos de juros referentes a dois títulos com vencimento hoje (27) para uma instituição de liquidação doméstica. Mas, a menos que o dinheiro apareça nas contas dos detentores de títulos estrangeiros, isso constituirá um calote, de acordo com algumas definições.
E, mesmo que a Rússia consiga transferir o dinheiro desta vez, pagamentos de quase US$ 2 bilhões devem ser feitos até o final deste ano. Um pagamento com prazo no final de junho, por exemplo, deve necessariamente ser liquidado fora da Rússia –uma tarefa que os especialistas dizem ser impossível sem a licença dos EUA.
“Esta é uma crise completamente diferente de outras crises de mercados emergentes, não se trata de capacidade ou vontade de pagar, eles tecnicamente não podem pagar”, disse Flavio Carpenzano, diretor de investimentos do Capital Group, um gestor de ativos que –como muitos outros– estava exposto à Rússia antes do início da guerra.
O impacto é amplificado pelo fato de que este seria o primeiro grande calote de títulos estrangeiros da Rússia desde logo após a revolução bolchevique de 1917. As sanções contra Moscou e suas próprias contramedidas separaram a Rússia efetivamente dos sistemas financeiros globais.
Comparações com inadimplências recentes, como a da Argentina em 2020, são inadequadas, porque as finanças da maioria dos países estão deterioradas quando ocorrem calotes, disse Stephane Monier, diretor de investimentos da Lombard Odier.
“Esta seria a primeira inadimplência externamente e politicamente motivada na história dos mercados emergentes”, disse Monier.