Passada a operação de privatização, a Eletrobras (ELET3/ELET4) começa uma “virada de chave” para a gestão privada que promete ser longa, mas com um desafio imediato e que deve ganhar atenção já no curtíssimo prazo: o reforço de sua área de comercialização, a fim de definir uma estratégia para a energia que ficará descontratada já em janeiro de 2023.
O processo de desestatização permitiu que a maior companhia elétrica da América Latina mudasse o regime de contratação de 22 usinas hidrelétricas, que somam 7,5 gigawatts (GW) médios de garantia física (parâmetro de quanta energia um empreendimento pode vender).
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A partir da chamada “descotização”, a Eletrobras poderá negociar a energia dessas hidrelétricas no mercado livre, segmento que se tornou mais competitivo nos últimos anos, à medida que as grandes elétricas deixaram de focar sua estratégia no mercado regulado, que diminui de tamanho.
O processo de descotização será gradual: o volume de energia que a Eletrobras poderá vender no mercado livre aumentará 20% por ano, ao longo de cinco anos. Mas uma quantidade relevante, de cerca de 1,5 GW, já ficará disponível no início do próximo ano, podendo ser vendida a preços bem acima dos praticados no regime de cotas.
Embora a Eletrobras já comercialize uma parcela de sua energia no mercado livre, essa atividade não era relevante para a companhia no passado, afirmou o analista do UBS Giuliano Ajeje.
“Quando falamos de descotização, são cerca de 7 GW. O consumo brasileiro hoje é de 70 GW, a Eletrobras vai ter que criar uma expertise para negociar 10% da energia do país nos próximos cinco anos”, disse.
O analista lembrou ainda que, com a privatização, a companhia também passou a ficar responsável pelo risco hidrológico das 22 hidrelétricas com novos contratos –antes, o ônus desse risco caía no colo do consumidor.
Com isso, a empresa precisará reforçar suas estratégias de “hedge” de energia, ou deixando parte dela descontratada, ou acrescentando novas fontes de geração ao seu portfólio, como eólica e solar.
“Ou ela monta (uma área de comercialização), ou ela compra alguém. Eu acho que deveria ser rápido, porque já vai ter energia descontratada a partir de 2023 e em dezembro ela precisa declarar a curva de sazonalização para o ano que vem, já entra uma parte de inteligência”, disse Ajeje.
Carlos Eduardo Alves, sócio da gestora Polo Capital e analista de utilities, avaliou que a comercialização de energia será a prioridade “número 1” da Eletrobras nesse momento. O mercado livre vem se tornando cada vez mais competitivo e sofisticado, destacou Alves, de forma que a companhia terá que se reformular para acompanhar os outros players.
O volume de energia negociada no mercado livre, em transações fechadas diretamente entre um fornecedor (gerador ou comercializador) e o consumidor, soma cerca de 35% da energia total consumida no Brasil.
Segundo levantamento da Abraceel, associação que representa o segmento, o país tem hoje mais de 450 comercializadoras. São empresas que otimizam a gestão de energia, minimizando riscos às partes, e muitas vezes operam no “trading”, ganhando dinheiro a partir da compra e venda de contratos de energia elétrica.
A maioria das grandes geradoras tem reforçado seus braços de comercialização nos últimos anos. AES Brasil, Omega e Auren se lançaram no mercado “varejista” do setor elétrico, mirando o nicho de consumidores de pequeno porte que deve se expandir nos próximos anos, com a abertura gradual do mercado.
Já a estatal Cemig, que tem uma das maiores comercializadoras do país, fez uma reestruturação interna para capturar melhores ganhos da operação.
Em relação a preços, o analista da Polo Capital afirma que o mercado tem projetado um preço de energia de longo prazo em torno de 160 a 170 reais por megawatt-hora –patamar acima dos cerca de 65 reais por megawatt-hora do regime de cotas–, o que pode trazer importantes ganhos de receita caso a companhia consiga boas condições para contratação de sua energia.
“A nova Eletrobras vai ter pouco tempo para endereçar isso… Se não conseguir comercializar, vai liquidar no PLD (preço de referência do mercado livre)”, disse, apontando que há uma diferença importante, de cerca de 100 reais por megawatt-hora, entre o preço mínimo do PLD (60 reais) e os preços de longo prazo no mercado livre.
Uma fonte ligada à Eletrobras afirma que a companhia vem se preparando internamente há meses para fortalecer sua área de comercialização.
Segundo essa fonte, a elétrica está mapeando iniciativas e áreas de atuação no segmento para apresentar ao futuro conselho de administração.
A ideia é de que a companhia aposte não só nos clientes tradicionais para venda de energia, mas também entre no “varejo” do setor elétrico.
Procurada, a Eletrobras não comentou o assunto imediatamente.
O “Board da transição”
As mudanças de estratégia esperadas para a Eletrobras dependerão do novo conselho de administração, que já teve uma chapa indicada por acionistas representativos de mais de 5% do capital da companhia. A expectativa é de que o novo “board” também mexa na composição da diretoria.
Na visão de analistas, a chapa anunciada traz nomes preparados para a transição da mentalidade e operação estatal para a privada.
Ilan Arbetman, analista de equity da Ativa Investimentos, ressalta as indicações de Ivan Monteiro, ex-CEO da Petrobras e co-CEO do Credit Suisse no Brasil, e de Marisete Pereira, ex-secretária executiva do Ministério de Minas e Energia, com larga experiência em assuntos regulatórios no setor.
Ajeje, do UBS, destaca os nomes de Carlos Piani e Octavio Lopes, ex-executivos da Equatorial Energia, considerada pelo mercado uma das elétricas mais eficientes, tendo entregado “turnarounds” bem-sucedidos em várias empresas deficitárias.
Outro destaque, segundo analistas, é Vicente Falconi Campos, um dos especialistas mais renomados do país em gestão e controle de custos.
A assembleia geral extraordinária que deverá eleger os novos membros do conselho da Eletrobras está prevista para o dia 5 de agosto.