Os temores causados pela possibilidade de uma recessão global, juntamente com a pior inflação em mais de 40 anos nos Estados Unidos, causaram estragos no mercado de criptomoedas este ano. O cenário desencadeou um “inverno cripto” feroz e levou empresas, antes em alta, a pedirem falência, além de empurrar os investidores para um movimento massivo de liquidações.
A turbulência já custou trilhões de dólares em valor de mercado, bilhões de dólares em fundos congelados e milhares de desempregos. Mas as baixas atuais podem ser apenas o início de uma tempestade.
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“Ainda aparecerão outras empresas em maus lençóis. Eu não acho que tudo isso acaba aqui”, disse Marcus Sotiriou, analista da corretora de ativos digitais GlobalBlock, de Londres, à Forbes. O especialista observa que cerca de uma dúzia de empresas – incluindo a Vauld, apoiada pelo bilionário Peter Thiel — enfrentam um destino incerto após bloquear clientes de seus fundos ou iniciar processos de reestruturação no mês passado. “Será um período prolongado de dor”, diz ele.
Ninguém sabe se a atual queda do mercado de criptoativos terá as mesmas proporções que os “invernos” de 2014 e 2018 – o último, inclusive, eliminou 80% do preço do bitcoin e dizimou centenas de novos tokens.
Sotiriou afirma que essa desaceleração pode durar até 12 meses, a menos que a persistente inflação norte-americana esfrie logo. Isso permitiria que o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, aliviasse os aumentos agressivos das taxas de juros, que tornam os ativos de risco menos atraentes para os investidores. Os analistas, no entanto, não têm tanta certeza de que isso irá acontecer.
“Isso é necessário para que qualquer mercado financeiro amadureça e evolua”, argumenta Matteo Dante Perruccio, sócio da empresa de investimento em criptomoedas Wave Financial, que prevê que os preços das criptomoedas levarão pelo menos seis meses – e até dois anos – para se recuperar, como em ciclos passados.
“Mas, desta vez, há uma diferença”, acrescenta ele, apontando para uma onda de recursos – vindos de empresas como Tesla, Goldman Sachs, Morgan Stanley e outras – que impulsionaram a adoção de criptomoedas durante a pandemia da Covid-19.
“Quando inevitavelmente voltarmos a um mercado de alta, ela será mais sustentada e saudável, com menos especulação e uma filosofia de investimento mais testada e verdadeira”, afirma Perruccio.
Enquanto os investidores de criptomoedas esperam por dias melhores, a Forbes fez um balanço deste inverno cripto, e analisou demissões, quedas de preços e vendas recordes – assim como os resgates e aquisições que podem ajudar a amortecer a queda. O dano, até agora, é este:
Trilhões em perdas
Baixas taxas de juros e medidas do governo aumentaram os preços das criptomoedas, que dispararam durante a pandemia. No entanto, a decisão do Federal Reserve de conter a inflação aumentando as taxas de juros alimentou o sentimento negativo dos investidores, dando início a algumas das maiores perdas do mercado de criptomoedas na história.
Depois de acumular um valor recorde acima de US$ 3 trilhões em novembro de 2021, o mercado cripto registrou seu pior primeiro semestre, despencando para cerca de US$ 950 bilhões. A queda foi de quase 60% este ano, segundo a CoinGecko.
Além do pessimismo, o token luna, emitido pela empresa Terra, perdeu praticamente todo o seu valor em maio. O luna foi um dos principais criptoativos do mercado e chegou a valer US$ 40 bilhões.
A queda ocorreu depois que a criptomoeda terraUSD, uma stablecoin criada para manter a paridade com o dólar, quebrou sua indexação. Na época, os mercados entraram em colapso, e as principais criptomoedas – bitcoin, ether e binance coin – caíram 70%, 75% e 65%, respectivamente.
O mercado levou anos para se recuperar de declínios semelhantes: em 2017, quando a introdução de medidas regulatórias desencadeou um inverno cripto feroz, foram necessários mais de mil dias para o bitcoin atingir um novo recorde de máxima.
Demissões em massa
Em meio às fortes quedas do mercado, as empresas de criptomoedas demitiram mais de 2 mil funcionários em menos de cinco semanas. A Coinbase desligou 1.180 pessoas, ou cerca de 18% de sua força de trabalho, em 14 de junho – semanas após o bilionário Brian Armstrong, CEO da empresa, alertar os investidores que uma possível recessão poderia levar a um prolongado mercado de baixa para as criptomoedas.
Em uma nota anunciando as demissões, o executivo disse que estava se preparando “para o pior” e reconheceu que a empresa “cresceu rápido demais” durante as altas registradas na pandemia. “Foi surpreendente, e foi difícil”, escreveu um ex-funcionário no LinkedIn. Outros descreveram os cortes como “bruscos” e “repentinos”.
Também em junho, a Gemini, exchange fundada pelos gêmeos bilionários Winklevoss, disse que cortaria cerca de 10% de seus funcionários. A Crypto.com e BlockFi anunciaram que demitiriam 5% e 20% de seus quadros, cerca de 260 e 170 funcionários, respectivamente.
Desde então, a empresa de financiamento cripto Celsius demitiu 150 colaboradores. A plataforma de negociação austríaca Bitpanda cortou 270 empregos e descreveu a medida como “necessária para navegar na tempestade e sair dela financeiramente saudável.”
Saídas de investidores
Os investidores resgataram seus aportes em fundos de investimento em criptomoedas em um ritmo recorde enquanto o bitcoin caiu para a mínima de 18 meses no mês passado. As saídas totalizaram US$ 423 milhões na semana de 17 de junho e superaram todas as entradas deste ano. Em janeiro, os aportes bateram recorde e chegaram a US$ 198 milhões, de acordo com a empresa de gerenciamento de criptoativos CoinShares.
A turbulência empurrou os ativos sob gestão de produtos de investimento em criptomoedas para um mínimo recorde de US$ 21,6 bilhões no mês passado, uma queda de 37% em relação a maio. “Ameaças de liquidação iminentes” alimentaram o “pânico” entre os investidores após o crash do luna, escreveram analistas da CryptoCompare em um relatório.
Enquanto isso, o Bank of America relata que o número de seus clientes que usam criptomoedas caiu mais de 50%, para menos de 500 mil, desde as altas do mercado em novembro.
Até as empresas de criptomoedas mais otimistas tiveram de lidar com as mudanças do mercado. Na última terça-feira (5), a mineradora Core Scientific revelou que vendeu, no mês passado, a maior parte de seu estoque de bitcoins a um custo médio de US$ 23 mil, levantando mais de US$ 167 milhões.
Em comunicado, o CEO Mike Levitt atribuiu as vendas ao “tremendo estresse”, impulsionado por mercados fracos, taxas de juros mais altas e “inflação histórica”.
A canadense Bitfarms ganhou as manchetes em janeiro ao se juntar à Tesla e à MicroStrategy, do ex-bilionário Michael Saylor, na compra de bitcoins para seu balanço. No final do mês passado, a empresa também liquidou um grande volume da criptomoeda, despejando 3 mil bitcoins no mercado, ou quase metade de seu estoque, por US$ 62 milhões.
“Vender durante os estágios finais de um mercado em baixa é um comportamento típico dos mineradores de bitcoin”, explica Sotiriou, observando que algumas empresas podem precisar de fundos para cobrir despesas ou para permanecer solventes no cenário de aumento dos custos operacionais.
Bilhões congelados
Citando “condições extremas de mercado”, a credora de criptomoedas Celsius se tornou a primeira grande plataforma a pausar saques e transferências entre contas de clientes, em 13 de junho. Em poucos dias, outros seguiram o exemplo: Babel Finance, CoinFLEX e Voyager também congelaram saques. Nenhuma delas reativou o acesso, efetivamente congelando bilhões de dólares de investidores.
“Eles estão em uma situação muito complicada porque foram irresponsáveis com os fundos dos clientes, de alguma forma perderam e agora não conseguem pagar. Não há garantia de que devolverão o que foi investido”, diz Sotiriou. Em seu último balanço, a Coinbase, que tem capital aberto, alertou sobre o risco de os clientes serem tratados como “credores sem garantia” no caso de falência.
Falências e liquidações
Várias empresas de criptoativos estão entrando em colapso. Em 27 de junho, a Voyager emitiu um aviso de inadimplência ao fundo cripto de hedge Three Arrows Capital (3AC) e não pagou US$ 675 milhões em empréstimos de bitcoins e stablecoins.
A 3AC chegou a gerir cerca de US$ 3 bilhões. Reguladores financeiros condenaram a empresa no final do mês passado por fornecer informações falsas e exceder o limite de ativos sob gestão – o fundo só teria autorização para administrar até US$ 250 milhões.
Além disso, os problemas da 3AC foram exacerbados pelo impacto da liquidação de seus produtos de investimentos com riscos altos, que supostamente incluíam apostas ‘superalavancadas’ no Grayscale Bitcoin Trust e cerca de US$ 200 milhões no token luna, agora sem valor.
Na última sexta-feira (1), um tribunal das Ilhas Virgens Britânicas ordenou a 3AC a liquidar seus ativos e declarou a empresa insolvente. Ela entrou com pedido de falência no mesmo dia.
Com o destino da 3AC selado, a própria Voyager entrou com pedido de falência na quarta-feira (6), apenas cinco dias depois de suspender as negociações.
“Embora eu acredite fortemente nesse futuro, a volatilidade prolongada e o contágio nos mercados de criptomoedas exigem que tomemos medidas decisivas agora”, disse o CEO da Voyager, Stephen Ehrlich, em comunicado.
Em documentos apresentados à Justiça, a empresa revelou que tinha mais de 100 mil credores e até US$ 10 bilhões em ativos. Vauld e Celsius também anunciaram que estão explorando opções de reestruturação.
Resgates e reservas de emergência
Algumas empresas de criptomoedas esperam ser resgatadas antes de serem forçadas a fechar suas portas. Na sexta-feira, a FTX, a exchange fundada pelo bilionário Sam Bankman-Fried, firmou um acordo para comprar a BlockFi por até US$ 240 milhões.
“Você sabe, estamos dispostos a fazer um acordo um pouco ruim, se isso for necessário para estabilizar as coisas e proteger os clientes”, disse ele à Forbes no mês passado, depois de fornecer à BlockFi e à Voyager US$ 750 milhões em linhas de crédito por meio da FTX e de sua empresa de negociação quantitativa, a Alameda.
Mais recentemente, ele disse que a FTX tem “alguns bilhões” a mais para ajudar empresas em dificuldades.
Enquanto isso, o Goldman Sachs tenta levantar US$ 2 bilhões para ajudar a comprar ativos da Celsius, e outras instituições tradicionais também estão demonstrando interesse.
“Tenho esse instinto de que, se você acredita que os fundamentos de um caso de longo prazo são realmente fortes enquanto tudo está caindo, é hora de dobrar a aposta”, disse Abby Johnson, CEO da Fidelity, que este ano decidiu permitir investimentos em bitcoin em seus planos de previdência.
“É encorajador”, diz Dante Perrucio. “Quando grandes instituições procuram criptoativos em queda significa que elas acreditam que o setor vai voltar – e voltar forte – apesar deste período complicado.”
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