Duas bolas da vez: tokenização e créditos de carbono. A primeira é recente, surgiu na última década junto com a tecnologia blockchain. O segundo é mais antigo, existe há pelo menos três décadas. Já a junção dos dois é a última aposta do mercado voluntário de créditos de carbono – uma aposta não unânime.
Há quem veja na tokenização dos créditos de carbono a oportunidade de democratizar o mercado voluntário e expandir o seu alcance entre as empresas e as pessoas físicas. Para os críticos, há problemas de transparência e diversas dúvidas em relação aos projetos, aos tokens e ao lastro em créditos de carbono reais.
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Tokens são a representação digital de um ativo físico na blockchain. A rede blockchain é um sistema virtual que garante o registro e permite rastrear as informações inseridas ali.
Em teoria, a tecnologia blockchain só traz benefícios para o mercado voluntário de carbono. “Vejo com bons olhos a possibilidade de liquidez dos ativos, segurança com a rastreabilidade, divisão dos créditos em frações menores e escalabilidade do modelo”, diz Alaercio Nicoletti Junior, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Para Tatiana Revoredo, consultora e membro fundadora da Oxford Blockchain Foundation, a inovação da tecnologia blockchain está justamente no leque de possibilidades. “Você consegue programar o token da maneira que quiser, tudo depende das orientações do projeto”, diz.
Como funcionam os créditos de carbono?
Créditos de carbono são títulos emitidos por uma empresa que reduziu suas emissões de gases de efeito estufa. Um crédito de carbono é equivalente a uma tonelada de CO2 (dióxido de carbono) que deixou de ser produzido e liberado no meio ambiente.
O avanço da agenda ESG (ambiental, social e de governança, na sigla em inglês) aumentou a visibilidade desse mercado voluntário nos últimos anos e a busca por créditos de carbono. Nesse processo, surgiram as iniciativas de tokenização dos ativos via blockchain.
“Tokens não se confundem com o ativo em si. Token é a representação de um ativo em um ambiente virtual” explica Revoredo. Se ações representam um percentual de participação em uma empresa, os tokens representam a titularidade de um crédito de carbono. “A grosso modo, há a digitalização do título representativo do crédito de carbono, que é colocado no mundo digital via blockchain.”
Por meio de programação é possível incorporar aos tokens informações de propriedade, controle de acesso, dados de transferência entre outras especificações, como o lastro em um crédito de carbono certificado e número de série. “Quem define tudo isso é o desenvolvedor, seguindo as orientações do projeto para o qual ele foi contratado”, afirma Revoredo.
O problema é que não existem regras sobre como criar um token de crédito de carbono – essa é a principal controvérsia desse mercado em expansão.
Quem garante o lastro?
Fábio Gallo, professor de finanças da FGV, explica que não é claro para o mercado o lastreamento de um token em créditos de carbono. “Por ser na rede blockchain, tecnicamente há um contrato firmado, sem a possibilidade de falsidade. O problema é a garantia com um crédito real, em que empresas trabalhem em projetos e a descarbonização aconteça”, diz.
Segundo Gallo, fraudes em vínculos não é uma novidade no mercado financeiro. “Vimos isso acontecer em 2008, com a bolha imobiliária nos EUA. Houve um problema na geração de certificados que não tinham mais lastro nenhum e multiplicaram os ativos sem controle”, diz.
As brasileiras MOSS e Celo4 Earth, que atuam no mercado nacional de tokenização de créditos de carbono, garantem que isso não é um problema. Ambas afirmam que seus tokens são emitidos com base em créditos de carbono certificados no mercado internacional.
Na prática, significa que os créditos representados na forma de tokens dessas empresas já passaram por auditoria e são títulos de projetos de descarbonização confirmados e validados.
A MOSS, por meio do token MCO2, movimentou R$ 100 milhões em 2021 – o equivalente a 2,3 milhões de toneladas de carbono. Entre seus clientes estão empresas de peso, como Gol, iFood, Elo e Arezzo.
“Os projetos escolhidos pela MOSS passam por um critério rigoroso de seleção. Trabalhamos apenas com processos certificados por protocolos globais, projetos como Agrocortex, Madre de Dios, Ituxi e Florestal Santa Maria”, afirma Fernanda Castilho, COO da Moss. Os projetos citados são brasileiros e voltados para a preservação de florestas.
Já a Celo4 Earth, em parceria com a Bitcointoyou, criou o token CO2R a partir de créditos de carbono da Rima Industrial. Em 2005, a empresa de magnésio metálico iniciou um projeto de redução de carbono e outros poluentes em sua operação e deixou de emitir cerca de 278 mil toneladas de CO2 anualmente com a troca de combustíveis fósseis por biomassa e gás natural.
Essa descarbonização resultou em créditos de carbono que possuem registro regulado pela UNFCCC (Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima). Cerca de R$ 20 milhões desses títulos foram tokenizados na forma do CO2R.
Mudança de propósito
Mesmo a compra de créditos certificados gerou um segundo problema: a especulação do ativo financeiro. Por meio dos tokens, investidores passaram a comprar o ativo para esperar a sua valorização futura e lucrar com a diferença.
Houve também um movimento semelhante entre empresas, que começaram a estocar créditos de carbono na forma de tokens para compensar emissões futuras.
Ao “segurar” o token, os créditos de carbono vinculados a ele deixam de compensar a emissão de poluentes, o que era seu propósito original. A Verra, instituição sem fins lucrativos que certifica projetos e custodia grande parte dos créditos de carbono comercializados no mercado voluntário, viu um problema nisso.
Em maio deste ano, a instituição determinou que os créditos certificados por eles não poderiam mais ser negociados na forma de tokens como forma de evitar a compra dos ativos sem a garantia de que eles fossem utilizados para o seu destino final, que é a compensação de emissões de carbono.
À Forbes, Steve Zwick, gerente de relações com a mídia da Verra, explicou que a instituição não é contra a tokenização, mas que a falta de transparência nessas transações é um problema.
“O esforço para tokenizar créditos da Verra reduziu a transparência para nós e abriu as portas para transações fraudulentas. A Verra não se opõe à tokenização ou à tecnologia blockchain para melhorar o mercado voluntário, mas isso deve ser feito corretamente”, diz Zwick.
Na última semana, a instituição abriu uma audiência pública sobre como tratar a tokenização de créditos de carbono. Ao longo de agosto, a Verra irá divulgar propostas e convidou o mercado para contribuir com sugestões.
“A Verra vem trabalhando na integração da tecnologia blockchain em seu registro há um ano. Nossa consulta pública irá durar 60 dias e a partir daí teremos novas determinações”, diz Zwick.
Tokens diferentes
O preço do crédito de carbono mostra por que a especulação e a compra antecipada de tokens por empresas se mostram atraentes. Em 2020, um crédito valia US$ 2,5. Em 2021, o valor subiu para US$ 12,00. Neste ano, é negociado a US$ 15. E o preço dos tokens acompanha essa valorização.
A expectativa é de que o mercado voluntário cresça 15 vezes até 2030, o que elevará o preço dos tokens mais ainda. Em 2021, a MOSS negociou R$ 100 milhões em ativos. Neste ano pretende chegar a uma marca de aproximadamente R$ 150 milhões.
Tanto o MCO2 quanto o CO2R têm suas compensações vinculadas à escolha do cliente. Castilho, da MOSS, afirma que o lastro em blockchain dado ao token garante que cada crédito seja rastreável e compensado apenas uma vez.
“A MOSS disponibiliza publicamente o monitoramento em tempo real dos tokens MCO2. Por meio dele, os detentores dos ativos podem verificar o ciclo total de tokens na blockchain Ethereum e compará-los com o inventário do mercado de créditos de carbono”, diz a COO.
A liquidação ou não do token após a compra do ativo é uma opção da empresa, explica Tatiana Revoredo. “É possível programar para que o token se esgote depois da primeira compra, ou não. Tokens liquidados não voltam para a mesa de negociação. Isso depende do projeto do ativo”, diz.
A liquidação programada é um mecanismo existente no token da Ambify, uma empresa do Grupo Ambipar (AMBP3). Os tokens da Ambify não são negociados no mercado secundário, ou seja, não podem ser usados para especulação.
João Valente, diretor de ativos digitais da Ambipar, explicou à Forbes que os tokens são cancelados logo após a compra no aplicativo da empresa. “Essa é uma forma de dar transparência aos tokens e concretizar o propósito dos créditos, que é a compensação”, diz o diretor.
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