A B3 (B3SA3) divulgou este mês um conjunto de normas que visam trazer avanços importantes no debate sobre diversidade nas empresas.
A proposta inicial, aberta para discussão em audiência pública até 16 de setembro, traz como exigência a eleição de pelo menos uma mulher e um integrante de minorias no conselho ou diretoria de empresas listadas em Bolsa.
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Alguns outros aspectos ligados à ESG que também são desdobramentos importantes na questão da representatividade estão presentes na proposta, e constituem arcabouço fundamental para que tenhamos uma economia mais inclusiva e isonômica.
A mudança cultural tem que ser de dentro para fora
Como profissional do mercado financeiro, e cercado por uma equipe predominantemente feminina, quero aproveitar essa importante pauta aberta pela B3 e fazer um recorte que, a meu ver, precisa ser contemplado nos debates e merece um olhar especial por parte da indústria dos investimentos: a participação das mulheres em cargos de liderança dentro do mercado financeiro.
E para começar, vamos a alguns dados do mercado brasileiro:
– Dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais) informam que do total de profissionais CGA (Certificação de Gestores de Carteiras Anbima) somente 7% são mulheres;
– No site da Apimec (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais), dos 1313 analistas CNPI credenciados, apenas 186 (14%) são mulheres. (Aqui, uma nota positiva: a Apimec é presidida por uma mulher, a socióloga, doutora em Economia, Lucy Sousa);
– Dos 966 nomes de pessoas físicas cadastradas na CVM como consultores de investimento, 21% (212) são mulheres (abre parêntese para o professor aqui, orgulhoso, dizer: algumas delas foram minhas alunas);
– De acordo com pesquisa do IBGE, em 2021, apesar das mulheres terem maior escolaridade que os homens, apenas 37,4% dos cargos gerenciais são ocupados por elas. Sua renda também é 77% menor.
Exigir que as empresas de capital aberto de variados segmentos tenham mulheres em seus quadros de comando é um avanço que precisa se desdobrar também para o board de todas as empresas que constituem o ecossistema de nosso mercado de capitais.
O mercado precisa ser mais inclusivo em todas as pontas
Um estudo realizado em 2021 pelo BNY Mellon entrevistou pessoas em 16 mercados financeiros mundiais, entre elas 100 gestores de ativos, e, entre inúmeros dados altamente significativos sobre mulheres e investimentos, apurou aspectos reveladores quanto às oportunidades profissionais ainda negadas a elas dentro do mercado financeiro.
A pesquisa indica que 73% dos gestores entrevistados acreditam que a indústria de investimentos seria capaz de atrair mais mulheres para investir se o setor tivesse mais gestoras do sexo feminino.
Esse dado é ainda mais significativo se levarmos em conta outro dado apontado pelo mesmo estudo: se mulheres investissem na mesma proporção que os homens, o mercado financeiro global teria uma injeção de capital superior a US$ 3 bilhões.
Nesse sentido, um mercado financeiro que propicie mais espaço de comando às mulheres, além de mais justo, será também mais próspero e dinâmico.
Um relatório do S&P Global Market Intelligence de 2019 mostrou que empresas com CFO mulheres tiveram desempenho 8% melhor no retorno de suas ações em comparação com a média do mercado. Ainda assim, elas ocupam apenas 15,1% das vagas, conforme estudo da Crist Kolder Associates.
Apesar de alguns avanços terem ocorrido na última década, o fato é que a gestão de ativos ainda é predominantemente dominada por homens.
No estudo do BNY Mellon, 50% das empresas gestoras de fundos afirmou que 10% ou menos de seu board é composto por mulheres.
Isso, inclusive, nos ajuda a entender porque o setor ainda enfrenta tantos desafios para ter também, na outra ponta, maior número de investidoras no mercado.
Se o setor tivesse mais mulheres nos cargos de comando, certamente não teríamos, conforme apontado pelo BNY, 86% dos gestores ratificando que os produtos de investimento são voltados principalmente a informar e enfatizar características que geralmente atraem mais homens do que mulheres.
Temos um mercado (incluindo o setor focado em educação financeira) em que o conceito de performance e êxito na construção de patrimônio é expresso por desempenho, gamificação e competição, em vez de focar em sustentabilidade, interesse coletivo e construção de riqueza no longo prazo, que são aspectos com os quais as mulheres têm, sabiamente, muito mais afinidade de valores.
O mercado financeiro precisa evoluir nesse quesito e compreender que não se trata de apenas colocar rostos femininos em sua publicidade ou usar cor de rosa em alguns materiais. Trata-se de trazer a maturidade e inteligência de mercado das mulheres para a gestão de fundos, corretoras e bancos, bem como para sua estratégia de comunicação institucional.
Mudar o mercado de capitais para mudar o mundo para melhor
Inúmeras pesquisas revelam que mulheres pensam finanças pessoais com um olhar de longo prazo, focado em independência e no impacto social que seus investimentos podem ter.
Este olhar, devidamente incorporado pelo setor financeiro, dando voz e liderança a mulheres, será o caminho para quebrar uma barreira que hoje faz com que mulheres investidoras tenham desconfiança em entregar seu dinheiro a um setor que as invisibiliza em todas as frentes.
Essa linguagem com maior inteligência emocional e compromisso com sustentabilidade só será possível quando o setor financeiro tiver ações concretas para eliminar a lacuna entre gênero e investimento.
Mulheres à frente de grandes empresas do mercado financeiro trarão muitas outras para o mundo dos investimentos, e isso beneficiará a sociedade, o mercado financeiro e o planeta.
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