A participação do crédito no PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro subiu levemente para 54,3% em agosto ante 54% em julho, informou ontem (28) o Banco Central (BC). O volume de operações alcançou R$ 5,067 trilhões, alta de 16,8% em 12 meses. Apesar de pequeno em termos percentuais, o crescimento do crédito surpreendeu, pois os juros elevados deveriam desestimular a concessão de empréstimos.
Tanto os financiamentos para pessoas físicas quanto os para as pessoas jurídicas acumulam altas de dois dígitos nos 12 meses até agosto. O saldo de créditos a pessoas físicas chegou a 20,7%, com uma carteira total de R$ 3 trilhões. Para as empresas, o crescimento no período foi de 11,5%, com o estoque total chegando a R$ 2,1 trilhões.
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Rodrigo Simões Galvão, professor de finanças da Faculdade do Comércio de São Paulo (FAC-SP), diz que a busca por crédito continua forte devido aos impactos da inflação nos salários e nos negócios, aos problemas na cadeia de produção global que diminuíram a oferta e aos desequilíbrios fiscais do Brasil.
“Esse volume de crédito alto é um reflexo do nível do caixa das empresas que está baixo ou negativo, e da situação financeira das famílias que está prejudicada. Por isso, mesmo com os juros altos, o crédito ainda é visto como uma solução de curto prazo”, diz o professor.
Segundo Eduardo Vilaim, economista do Banco Original, o rápido ciclo de aumento da taxa Selic nos últimos meses ainda não foi absorvido pelos juros atrelados às novas concessões de crédito.
“Para se ter uma ideia, quando a Selic atingiu 14,25% no passado, os juros para pessoas físicas chegaram a 70% de absorção. Hoje, a Selic se encontra em 13,75%, mas os juros ainda estão em 53,9%”, explica Vilaim.
O economista do Banco Original diz que a atividade econômica está mais forte do que o esperado neste ano e isso tem reflexo no volume de crédito. Para ele, somente quando a economia arrefecer de forma mais clara, as concessões também devem diminuir.
“Isso provavelmente vai acontecer quando o custo dos juros básicos tiver sido repassado integralmente ao crédito”, diz Vilaim.
2023 chega marcado
De acordo com o mais recente Relatório Trimestral de Inflação (RTI), divulgado hoje (29) pelo BC, o PIB do Brasil deve crescer 2,7% em 2022. O BC elevou sua projeção, que era de 1,7% no RTI anterior, divulgado em junho. Pelo o Relatório Focus, também do BC, os economistas do mercado financeiro esperam que a inflação seja de 5,88% e que a taxa Selic encerre o ano nos atuais 13,75%.
>> Leia também: Banco Central melhora projeção de alta do PIB neste ano a 2,7%
Segundo Galvão, o crescimento econômico deste ano já está dado. “Muitas empresas já compraram seus estoques para os próximos três meses, as negociações de exportações e importações também já foram definidas e este ano está praticamente fechado. Os desafios são para o próximo ano”, diz o professor da FAC.
Isso porque o cenário para o próximo ano será bem diferente. Em 2022, a economia brasileira contou com incentivos fiscais do governo federal para aquecer a economia e se aproveitou do aumento da demanda internacional. Vários países procuraram novos parceiros comerciais, ou aumentar as relações com os existentes, para se recuperarem da pandemia.
O cenário de 2023 é outro. “Vemos os Estados Unidos e a Europa em vias de ter uma recessão. A China também enfrenta um desaquecimento econômico. E o governo que se eleger para 2023 terá que arcar com uma série de desarranjos fiscais”, diz Galvão.
Além disso, os juros terão sido absorvidos e o custo do crédito será maior. Para o professor, tudo isso indica que a economia irá andar de lado no próximo ano, um termo usado para indicar fraco crescimento.
Segundo o Focus, em 2023, o PIB deverá avançar 0,5%, a Selic chegar a 11,25% até dezembro e a inflação fechar em 5%.
“Essa combinação será refletida no aumento da inadimplência por parte das empresas e, principalmente, das famílias”, afirma Galvão.
Cartão de crédito cheio e caixa vazio
O capital de giro das empresas com prazo inferior a 365 dias subiu 67,9% em agosto frente a julho. Para Vilaim, isso indica que as companhias estão contratando crédito para arcar com custos de curto prazo. O economista também indica que o financiamento de importações aumentou 6% no mês passado, o que sugere que os custos de importação subiram e é necessário tomar crédito para financiar a atividade.
“São duas linhas de crédito que chamam a atenção porque contam uma história interessante de como está a situação financeira das empresas. É natural esperar que a desaceleração econômica que deve ocorrer em 2023 traga alguma perda no ímpeto de crédito para pessoas jurídicas”, diz Vilaim.
Para as pessoas físicas, o cenário que Galvão vê é de priorização das dívidas a partir do próximo ano. “As famílias devem priorizar bens de consumo, como água, energia e alimentos. Dívidas de vestuário, eletrodomésticos e veículos devem ficar em segundo plano”, diz o professor que vê uma relação direta da inadimplência com o problema de caixa das empresas.
Para ele, a inadimplência diminui o caixa das companhias, o que gera problemas financeiros e priorização por diminuição de custos. “Isso pode resultar em dois caminhos: renegociação de prazos e dívidas ou corte de mão de obra”.
Atualmente, o endividamento das famílias já está em níveis recordes, de 53,1%, alta de 5,1% em 12 meses. Já o comprometimento de renda chegou em 28,6%, com variação positiva de 3,8% em um ano.
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