Na quarta-feira (14), o Instituto Nacional de Estadística y Censos (Indec), versão argentina do IBGE, divulgou a inflação de agosto. Com uma alta de nada invejáveis 78,5% em 12 meses, o país enfrenta a terceira maior inflação mundial entre os países relevantes, atrás apenas da Turquia e da Venezuela. Para combater a alta galopante de preços, que mina os salários e as poupanças dos argentinos, o BCRA, banco central argentino, elevou os juros para 75% ao ano.
No entanto, se engana quem pensa que esse é o único problema do país vizinho. Professores de Economia e de Ciência Política ouvidos pela Forbes Brasil explicam que a Argentina enfrenta duas instabilidades. Uma é a econômica, de longa data e que piorou com a pandemia. A outra é a política. No poder desde dezembro de 2019, o presidente Alberto Fernández deu posse, em julho deste ano, ao terceiro ministro da Economia desde o início de seu mandato.
Acompanhe em primeira mão o conteúdo do Forbes Money no Telegram
O resultado? O país, que antes era referência de igualdade socioeconômica na América do Sul, tem atualmente 40% de pessoas abaixo do nível de pobreza. E esse percentual tende a aumentar conforme a inflação avança e corrói o poder de compra do consumidor.
“A inflação gera mais instabilidade política, o que torna mais difícil combater a inflação. Isso forma uma ‘tempestade perfeita’ para a Argentina”, diz Carlos Furlanetti, professor de Economia da FIA Business School. “Se formos analisar o que provocou tudo isso, eu diria que foi a paridade forçada do peso em relação ao dólar”, afirma, citando a medida adotada pelo ex-ministro da economia Domingo Cavallo em 1992. “Ela só fez aumentar a demanda por moeda forte no país e nunca mais parou, mesmo com sucessivos governos tentando adotar diversas medidas intervencionistas.”
O especialista acrescenta que, como as reservas internacionais são escassas, a Argentina “está sempre sujeita a ser mais abalada por qualquer tipo de crise global do que um país que tenha mais proteção.” Atualmente, as reservas em moeda forte são estimadas em US$ 32 bilhões, quase 29% menos que os US$ 44,9 bilhões do início do governo de Fernández.
Tudo isso torna muito difícil resolver os problemas. “Estamos falando de um lugar com baixa perspectiva de crescimento e que sofre com uma inflação muito alta, com analistas já prevendo que chegue a 100%. Eu diria que esse é o problema central da economia argentina, que anda de mãos dadas com a falta de expectativa sobre uma estabilidade política”, diz Furlanetti.
Uma inflação em 100%, para Ricardo Humberto Rocha, professor de Economia do Insper, já é uma tragédia em si, e gera outras. “Não tem uma palavra que descreva melhor esse cenário, já que o cidadão passa a ganhar menos e gastar mais. A Argentina caminha para um empobrecimento violento da sociedade, com uma situação muito crítica.”
Governo e economia instáveis
Leandro Consentino, professor de Ciência Política do Insper, explica que a Argentina não conseguiu estabilizar sua moeda, como fez o Brasil na metade da década de 1990. O Plano Real, decretado durante o governo de Itamar Franco e com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à frente da Fazenda, conseguiu baixar a inflação para patamares compatíveis com os de países desenvolvidos.
Isso não ocorreu no país vizinho. “Diante dessa falta, a Argentina sempre mergulha em graves problemas de irresponsabilidade fiscal devido à descontinuidade dos governos”, diz Consentino. O modelo dominante na política argentina ainda é o peronismo, nome do movimento populista criado pelo ex-presidente Juan Domingo Perón (1895-1974).
Perón presidiu a Argentina em três mandatos nas décadas de 1940 e 1950 e nos anos 1970. Seus governos se apoiaram em políticas populistas, trabalhistas e que incentivavam os gastos públicos. Desde então, o país não consegue estruturar uma disciplina fiscal e orçamentária. Os governos que tentam romper com o modelo peronista, como o de Maurício Macri, antecessor de Fernández, duram pouco e são sucedidos por governos peronistas. “Eles retomam as políticas anteriores, e a crise continua”, diz Consentino.
Furlanetti, da FIA Business School, concorda. “A Argentina vem há muito tempo com governos que mudam muito as suas linhas de atuação. Uma hora o governo está mais ligado às privatizações, como foi o caso do ex-presidente Carlos Menem. Depois há oscilações entre políticas de direita e de esquerda. Isso traz um grande impacto social e econômico.” Durante a gestão Menem, que presidiu o país de 1989 a 1999, foram definidas a dolarização e as privatizações. Agora, diz Furlanetti, há divisões dentro do próprio governo. Fernández e a vice-presidente Cristina Kirchner não se entendem sobre a política econômica.
Impressão de dinheiro
O governo argentino gasta muito mais do que arrecada. O déficit fiscal, de acordo com dados do Indec, cresceu 691% em junho quando comparado com o mesmo período de 2021. Rocha, do Insper, explica que a crise cambial, que fez o peso perder metade do seu valor em comparação com o dólar em 2018, resultou em endividamento – herança da gestão Macri.
“Quando um governo precisa de dinheiro, ele utiliza títulos públicos para arrecadar capital. Na Argentina isso não funciona mais. O país não tem credibilidade com os investidores e, sem acesso a crédito, Fernández precisou imprimir dinheiro para financiar os programas sociais durante a pandemia”, diz o especialista.
Rocha acrescenta que a intenção dos auxílios é até boa, mas “toda vez que você inunda a economia com dinheiro que não tem de onde sair [como através de impostos, por exemplo], há apenas mais moeda em circulação”. Isso faz com que as pessoas corram para comprar, provocando escassez. Quando o produto chegar novamente nas prateleiras, o preço vai subir de novo e, com isso, a inflação sobe. “Começa um ciclo. A partir do momento em que as pessoas não têm mais acesso à compra, já que a inflação a restringe, a população precisa de mais benefícios. E aí tudo começa de novo”, diz.
Eleições em 2023
No ano que vem os argentinos irão decidir qual será o próximo presidente do país o que, para Rocha, é uma medida importante para tentar tirar o país da limbo. Mais do que isso, também é preciso adotar planos econômicos de controle inflacionário, como foi o Plano Real no Brasil.
“Por incrível que pareça, mesmo estando em 2022, ainda há pessoas que acreditam que aumentar salários sem se preocupar de onde o dinheiro vem é uma forma de controle da economia. Não é e a situação econômica atual do país demonstra isso. O cenário só irá mudar quando colocarem no poder um governo que tenha um bom plano de controle da inflação – que serão duras, mas necessárias”, finaliza o professor de economia do Insper.
>> Inscreva-se ou indique alguém para a seleção Under 30 de 2022