Antes de entrar em colapso neste mês, a FTX se destacou de muitos rivais na indústria de criptomoedas pouco supervisionada, gabando-se de ser a bolsa “mais regulamentada” do planeta e convidando um exame mais minucioso das autoridades.
A FTX quebrou após uma tentativa fracassada de Bankman-Fried de levantar fundos emergenciais. Ela estava sob supervisão regulatória por meio das dezenas de licenças que obteve após várias aquisições. Mas isso não protegeu seus clientes e investidores de prejuízos de bilhões de dólares.
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Agora, documentos da empresa vistos pela Reuters revelam a estratégia da agenda regulatória do fundador Sam Bankman-Fried, incluindo um acordo anunciado no início do ano com o IEX Group, plataforma de negociação de ações orientadas por computador.
Como parte do acordo, o Bankman-Fried comprou 10% da IEX, com opção de comprá-la completamente em dois anos e meio. Isso deu ao executivo de 30 anos a chance de fazer lobby junto ao órgão regulador da IEX, a SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos), sobre regulamentação de criptomoedas.
A FTX gastou cerca de US$ 2 bilhões em “compras para fins regulatórios”, segundo os documentos. No ano passado, a FTX comprou a bolsa de futuros LedgerX, que lhe deu três licenças da CFTC (Comissão de Negociação de Futuros de Commodities) de uma vez. As licenças deram à FTX acesso aos mercados de derivativos de commodities norte-americanos como uma bolsa regulamentada.
A FTX via seu status regulatório como forma de atrair investidores. Para apoiar seu pedido de centenas de milhões de dólares em fundos, ela citou as licenças como vantagem competitiva. Os “fossos regulatórios”, disse, criam barreiras para os rivais e dariam acesso a novos mercados lucrativos e parcerias além do alcance de entidades não regulamentadas.
Bankman-Fried não respondeu a um pedido de comentário sobre a estratégia regulatória da empresa. A FTX não respondeu aos pedidos de comentários.
Um porta-voz da SEC se recusou a comentar a reportagem. A CFTC também se recusou a comentar.
Perguntado se o elogio aos regulamentos era “apenas relações públicas”, Bankman-Fried disse em conversa com a Vox: “sim, apenas relações públicas … danem-se os reguladores … eles tornam tudo pior … não protegem os clientes de forma alguma.”
Advogados disseram que o fato de Bankman-Fried cortejar reguladores enquanto corria riscos maciços com fundos de clientes sem ninguém perceber mostra uma lacuna regulatória no setor de criptomoedas. “É uma colcha de retalhos dos reguladores globais”, disse Aitan Goelman, advogado de Zuckerman Spaeder e ex-promotor e diretor de fiscalização da CFTC.
Bankman-Fried tinha grandes ambições para a FTX, que neste ano havia crescido para mais de US$ 1 bilhão em receitas e representava cerca de 10% das negociações no mercado global de criptomoedas. Ele queria criar um aplicativo em que os usuários poderiam negociar ações e tokens e transferir dinheiro. O passo 1 para esse objetivo “é tornar-se o mais licenciado possível”.
Foi aí que iniciou a onda de aquisições da FTX. Em vez de solicitar todas as licenças, o que pode levar anos e, às vezes, perguntas incômodas, então Bankman-Fried decidiu comprá-las.
Um dos objetivos da FTX era abrir os mercados de derivativos dos EUA para seus clientes. Ele estimou que o mercado traria um volume de negociação adicional da ordem de US$ 50 bilhões por dia. Para fazer isso, precisava persuadir a CFTC a alterar uma das licenças detidas pela LedgerX.
O processo durou meses e a FTX teve que desembolsar US$ 250 milhões para um fundo de seguro de inadimplência, um requisito padrão. A FTX antecipou que a CFTC poderia pedir para aumentar o fundo para US$ 1 bilhão. A FTX colapsou antes que pudesse obter a aprovação e depois retirou seu pedido.
Comprar empresas para obter licenças também tinha outras vantagens, como facilitar acesso aos reguladores. Um exemplo é o acordo com a IEX anunciado em abril. Em entrevista à CNBC, o presidente da IEX, Brad Katsuyama, disse que queria “moldar a regulamentação que, em última análise, protege os investidores”.
Bankman-Fried foi convidado a se encontrar com o presidente da SEC, Gary Gensler, e outros oficiais da SEC junto com Katsuyama em março. A SEC rejeitou completamente o plano inicial porque envolvia a criação de um local de negociação menos regulamentado, algo que a agência se opõe para criptomoedas, disse a fonte familiarizada com a SEC.
A SEC não fez comentários sobre o inquérito.