A população do Brasil é, majoritariamente, preta ou parda: 56% das brasileiras e brasileiros se declaram assim. Porém, apenas 4% estão em cargos de liderança, de acordo com uma pesquisa do Instituto Ethos. A situação vale também para o setor de tecnologia. Apesar de um terço dos profissionais da área se declararem negros, pardos e indígenas, segundo a Brascom, há poucos em cargos de liderança. Porém, Tiago Santos, CEO da Husky, empresa que facilita transferências internacionais, quer mudar esses dados.
Filho de migrantes nordestinos, Santos recebeu recentemente a maior confirmação de sua competência e esforço, após a Husky ser adquirida em novembro pela fintech Nomad, que oferece soluções financeiras em dólar.
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Em sua visão, nada disso seria possível sem estudo. “Meus pais tinham como missão nos fazer estudar até o ensino médio sem que nós precisássemos trabalhar, o que não era comum na nossa família nem no nosso círculo de amizades”, diz ele. “As pessoas do nosso círculo consideravam ricos só por ter a chance de estudar em uma escola pública, o que diz muito sobre a nossa sociedade.”
Com nove anos, a família se mudou de São Paulo para Cuiabá, no Mato Grosso. E foi lá que eles sentiram, pela primeira vez, que era possível sonhar com um curso superior. Sua mãe foi a primeira a se aventurar, prestando vestibular na Universidade Federal de Mato Grosso, única acessível à renda da família.
“A faculdade ficava no centro da cidade e nós passávamos por lá todos os dias no caminho da escola e cada dia parecia uma coisa mais próxima da nossa realidade”, diz Santos. “Em São Paulo, nós tínhamos apenas um conhecido que tinha conseguido entrar na universidade, o resto só trabalhava. Não era uma realidade nossa.”
Santos cursou lá sua graduação em Ciência da Computação por lá se candidatou a mestrados em outras regiões do Brasil. Ele evitou o setor público, única opção possível na capital do Mato Grosso. “Eu já me considerava vitorioso por ter conquistado a graduação”, diz ele. Mas olhei algumas vagas no setor público e pensei que dava para fazer coisas mais legais na vida.”
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A oportunidade para prosseguir nos estudos chegou com uma vaga no mestrado da Unicamp, Universidade Estadual de Campinas. O garantiu a Santos uma vaga como engenheiro de software na IBM, empresa que é sinônimo de informática. E a realidade se impôs. “Na Unicamp e na IBM eu percebi o quanto a minha educação era defasada”, conta Santos. “Meus colegas eram fluentes em inglês desde o ensino médio, alguns falavam francês e chinês, outros tinham estudado ou feito estágio fora do país, e eu nem conseguia entender o que o gestor americano falava.”
Isso exigiu um esforço extra para permanecer na IBM. Santos diz ter passado seus dois primeiros anos na corda bamba, apesar de se esforçar muito para atingir o nível dos colegas. “Eu consegui me manter por sete anos lá”, diz Santos. “Isso fez com que eu nunca perdesse o olhar para as diferenças sociais.”
Empreendendo
Em meados de 2013, Santos percebeu que seu futuro na empresa não era muito promissor e decidiu empreender. Como não sabia nem o que significava o termo startup, foi preciso aprender. Após ler alguns livros, ver vídeos no YouTube e pedir auxílio para conhecidos, Santos começou a testar diversas ideias nos dois anos seguintes. “Algumas duraram um mês, outras oito, mas nenhuma realmente foi para frente”, conta. “Uma delas era sobre café da manhã por assinatura. Parecia que ia dar super certo, mas no final sempre morria.”
Ele percebeu que a melhor opção seria trabalhar em uma startup, já que precisava aprender fazendo como criar a sua própria. Conseguiu uma oportunidade em uma empresa internacional, a Must Have Menus, que tem um site focado na criação de cardápios para restaurantes em diversas partes do mundo.
Por lá, Santos conheceu um colega de trabalho que também tinha vontade de criar uma empresa do zero. Eles investiram no desenvolvimento de uma companhia que ajudasse candidatos que buscavam trabalhar fora do país. Nesse processo, eles perceberam um problema ainda maior: como receber o dinheiro dos serviços prestados no exterior?
Foi assim que nasceu a ideia da Husky. “Nós criamos o melhor software para automatizar esse tipo de serviço, que ainda era de baixo acesso para os prestadores de serviços”, conta Santos.
Os desafios foram muitos. A administração, feita por dois desenvolvedores que nunca tinham lidado com situações como ter a necessidade de pagar salários; parcerias com empresas que querem estrangular o negócio e até o medo de que as criptomoedas pudessem tomar o lugar da startup fizeram parte da trajetória.
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“Esses últimos sete anos da empresa foram de formação de um executivo. Hoje eu consigo olhar para o mercado e saber o valor que eu tenho”, afirma Santos. “Acredito que consigo passar isso para as pessoas que trabalham com a gente também, para que elas tenham experiências parecidas.”
A companhia ultrapassou o montante de R$ 2,8 bilhões em transações neste ano e foi adquirida pela fintech Nomad. A aquisição foi vista como um prêmio. “Já estávamos buscando um parceiro há um ano e meio. Sabemos que tem que ter um alinhamento perfeito para existir uma negociação e sentimos isso com a Nomad”, afirma Santos.
“Lembro de sair da reunião e começar a chorar de tão realizado que fiquei. É a materialização de um trabalho muito longo, né? Não só para mim, mas também para as pessoas que fizeram parte do processo de criação e desenvolvimento da Husky.”
Para ele, esse é o início de um novo ciclo de muito aprendizado. E existem muitas coisas novas para vir por aí. “Talvez o meu papel daqui pra frente seja ajudar as pessoas ao meu redor a fazer uma limonada com os limões que a vida dá”, afirma.