O rombo contábil multibilionário que levou a Americanas à recuperação judicial mostra que os mecanismos de controle de reguladores como Banco Central e CVM (Comissão de Valores Mobiliários) estão defasados, disse o presidente da registradora de recebíveis Cerc, Fernando Fontes.
Segundo ele, há pelo menos seis anos questões envolvendo a antecipação por bancos a varejistas dos recursos para pagamento de fornecedores, o chamado “risco sacado”, são um assunto corrente no mercado. Essas operações foram justamente onde os problemas da Americanas ocorreram.
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Fontes afirmou que tanto BC quanto CVM têm tratado do tema na regulação, mas seus instrumentos de monitoramento não conseguiram detectar preventivamente o problema na Americanas.
“Os controles estão defasados”, disse ele à Reuters. “E os mecanismos usados pelas auditorias independentes, também.”
Há anos, o BC vem trabalhando no arcabouço para gradualmente fazer com que todos os recebíveis de maior uso sejam listados em registradoras e, assim, dar mais transparência ao mercado que movimenta trilhões de reais todo ano no Brasil. Um dos objetivos é evitar que detentores de recebíveis usem um mesmo papel para antecipar recursos mais de uma vez.
Atualmente, além da Cerc, há outras três registradoras de recebíveis no mercado: a Nuclea (ex-CIP), a B3 e a CRDC (Central de Registro de Direitos Creditórios).
Numa das etapas mais importantes, o sistema envolveu os recebíveis de cartões de crédito, em junho de 2021. Mas devido a problemas, como de interoperabilidade entre as registradoras, o BC foi levado a fazer ajustes na regulação, em novembro passado.
Com isso, um passo seguinte na agenda, que passaria a exigir o gradual registro eletrônico das duplicatas, ficou para depois.
Embora regulamentada há três anos, a duplicata eletrônica ou escritural, ainda não entrou formalmente em vigor. A expectativa de profissionais desse mercado é de que o BC anuncie no mês que vem uma agenda de implementação dessa modalidade, o que pode levar até dois anos para estar totalmente operacional.
Em paralelo, a CVM editou recentemente novas regras que exigem que os FIDCs (fundos de investimento em direitos creditórios) registrem seus recebíveis em centrais depositárias a partir de abril próximo.
Para Fontes, com as duplicatas eletrônicas, as informações sobre as operações ficarão mais organizadas e visíveis para o regulador, facilitando também para fornecedores e instituições financeiras o cruzamento de informações, que permitirão, por exemplo, identificar operações como a do risco sacado.
Foi no registro dessas operações em suas demonstrações financeiras que a Americanas anunciou há duas semanas ter detectado “inconsistências contábeis” ao longo dos últimos anos de pelo menos 20 bilhões de reais.
Segundo o executivo da Cerc, bancos de menor porte já estão utilizando dados sobre duplicatas eletrônicas – cujo registro ainda não é obrigatório – para aprimorar seus sistemas internos de prevenção de risco de crédito.
Num caso conhecido no mercado, alguns conseguiram evitar no ano passado prejuízos com empresas que entraram em recuperação judicial ou falência, como a paranaense Mixtel Distribuidora.
Fontes evitou comentar casos específicos, mas afirmou que após episódios recentes, a expectativa é de que a demanda por esse serviço cresça mesmo antes da exigência regulatória, esperada para começar a entrar em vigor em fases em 2024.
Procurados, BC e CVM não comentaram o assunto de imediato.