As falências do SVB (Silicon Valley Bank) e do Signature Bank, nos dias 10 e 12 de março, provocaram um abalo sísmico no mercado bancário norte-americano. A turbulência só não foi maior porque as autoridades agiram depressa. Ainda no domingo (12), o Fed (Federal Reserve), a Secretaria do Tesouro e o FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation) anunciaram que os correntistas não perderiam dinheiro, e que estavam estabelecendo uma linha de crédito para socorrer os bancos. Isso acalmou o mercado. Porém, resta a dúvida do que ocorrerá a seguir, e quais os impactos para a economia brasileira.
Segundo um relatório do Itaú BBA, os bancos brasileiros não estão expostos às consequências da falência do SVB. Os analistas afirmam que as perdas financeiras para o sistema financeiro brasileiro são irrelevantes e os indicadores de capital e liquidez permanecem confortáveis. Entretanto, isso não significa que as instituições e o país não vão repercutir a quebra do banco de startups de forma indireta nas próximas semanas e meses.
O SVB era o 16º maior banco dos EUA. Seus principais clientes eram startups que abriam contas para receber valores de venture capital. Em 2020, quando o mercado de tecnologia estava aquecido, o banco cresceu de forma muito acelerada. De cerca de US$ 60 bilhões (R$ 319 bilhões) em depósitos recebidos em 2019, o número saltou para US$ 190 bilhões (R$ 1,01 trilhão) em 2020.
Para não ficar com tanto dinheiro parado, o SVB colocou uma grande quantia em títulos do governo norte-americano e em títulos do mercado imobiliário. Entretanto, o aumento dos juros nos Estados Unidos teve dois efeitos negativos. O primeiro foi fazer esses títulos perderem valor de mercado. O segundo foi reduzir o apetite dos investidores por startups. Isso afetou duplamente o SVB. A queda do valor dos títulos provocou prejuízo, e os clientes do banco começaram a resgatar seus investimentos.
O SVB teve de vender os títulos e arcar com o déficit para devolver às startups o dinheiro resgatado. A perda em títulos chegou a US$ 1,8 bilhão (R$ 9,5 bilhões). Já o saque de startups somou US$ 42 bilhões (R$ 223 bilhões) até o dia 9 de março.
Com os eventos recentes, os bancos dos EUA viveram um momento de contágio e tiveram queda de US$ 110,9 (R$ 590 bilhões) bilhões de valor de mercado no pregão da segunda-feira (13). Conforme dados da plataforma TradeMap, no dia 10 de março o valor de mercado de 29 bancos listados nos EUA era de US$ 1,65 trilhão contra US$ 1,54 trilhão ontem.
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A Forbes conversou com analistas e levantou sete possíveis discussões e efeitos indiretos que a situação nos Estados Unidos poderá repercutir no Brasil.
1) Os dividendos dos bancos podem mudar
“Se ‘Caixa é Rei’, os bancos deveriam pagar menos dividendos para preservar o caixa?”, questiona Pedro Leduc, analista-chefe que assina o relatório do Itaú BBA, e ele mesmo responde. A questão no Brasil é que os bancos podem reduzir seus impostos ao distribuir dinheiro aos acionistas na forma de JCP (Juros Sobre Capital Próprio).
Em um cenário de pagamentos menores, não só os investidores receberiam menos dinheiro, como os lucros dos bancos seriam menores devido à tributação. Por isso, segundo Leduc, os bancos não devem reduzir seus dividendos. Ele diz, porém, que essa discussão “pode avançar, dependendo da evolução dos mercados financeiros globais”.
2) Podem haver novas quebras no sistema bancário como a do SVB?
Em 2008, o mundo vivenciou uma crise financeira global após a quebra de um banco nos Estados Unidos. Rodrigo Pimenta, fundador e CEO da Hubchain Technologies, afirma que o cenário atual é outro. Segundo ele, embora o SVB tenha sido o banco de maior envergadura a declarar falência desde 2008, sua situação específica foi agravada pela elevação dos juros, que aumento os resgates e acabou provocando uma corrida bancária.
O risco imediato é que isso afete outras instituições financeiras. “Se houver novos casos, pode ocorrer um pânico generalizado e desencadear novas corridas, culminando na falência de outros bancos norte-americanos por falta de recursos”. Pimenta diz acreditar que este episódio mostra a necessidade de uma mudar as normas de modo a criar uma estrutura financeira mais confiável, segura e transparente no Vale do Silício.
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3) As fintechs terão menos acesso a capital
Leduc afirma que o caso SVB tem claras consequências para as fintechs com relação ao acesso a capital. Segundo ele, as startups que ainda não haviam levantado todos os investimentos necessários e as que estavam na fase de queima de caixa estão em pior situação. A perspectiva é que os financiamentos, que já estavam escassos, diminuam ainda mais nos próximos meses.
Entretanto, o analista vê os bancos digitais brasileiros Nubank e Inter em vantagem. “Isso se deve em parte aos seus enormes recursos de levantamento de capital e em parte devido a seus balanços pouco alavancados”. Leduc destaca que ambas as instituições têm espaço de capital para aumentarem suas carteiras de crédito em 3,4 vezes o Nubank e 2,7 vezes o Inter.
4) Os juros podem subir menos nos EUA e no Brasil
Antes da quebra do SVB, o mercado precificava um aumento de 0,5 ponto percentual nas taxas de juros pelo Fed (Federal Reserve) neste mês. Isso após os indicadores econômicos de fevereiro mostrarem a resiliência do mercado de trabalho e a persistência da inflação no período. No entanto, a percepção de que o banco de startups faliu devido o cenário de restrição monetária mudou as apostas.
Os analistas do Goldman Sachs, por exemplo, não esperam nenhum aumento dos juros neste mês, sendo que na semana passada projetavam alta de 0,25 ponto percentual. A decisão do Fed será divulgada na próxima quarta-feira (22). Os juros não subirem por lá é melhor para o Brasil, que ficará menos pressionado frente ao dólar. Taxas de câmbio menores, refletem em preços menores de produtos importados.
Eduardo Otero, head de alocação de investimentos da Warren, afirma que a queda de juros no Brasil está mais atrelada a agenda político-econômica interna, com a entrega do novo arcabouço fiscal e a reforma tributária. “Toda comunicação do banco central no passado recente reforça a questão do arcabouço fiscal. Mas a depender a gravidade da questão dos EUA, seria um elemento novo que passaria por isso da questão fiscal. Hoje, esse é o assunto que pauta a decisão dos juros aqui”, diz Otero.
5) O crédito para as demais empresas pode ficar mais escasso
Desde a recuperação judicial Americanas (AMER3), o Brasil passa por um período difícil para o mercado de capitais em termos de crédito corporativo. Segundo Leduc, do BBA, a volatilidade dos spreads de crédito globais com esse evento do SVB não facilitará a busca por opções dentro do mercado local. “Os mercados internacionais de títulos tornaram-se recentemente uma alternativa atraente na ausência de um mercado local fluido”, diz. Entretanto, complementa que “as condições de crédito mais rígidas [também] aceleram a deterioração da qualidade do crédito”.
6) Os investimentos em ações americanas e BDRs vão ficar menos rentáveis
A quebra do SVB provocou alguma turbulência nas ações, com os papéis de bancos americanos caindo bastante na segunda-feira (13). A turbulência durou pouco, devido à ajuda governamental aos bancos e aos correntistas. No entanto, as notícias terão um efeito negativo sobre as ações no longo prazo. Os papéis de bancos menores têm caído nos pregões, devido à incerteza dos investidores. E a expectativa ainda é de alta nos juros. Ainda que o Fed possa desacelerar o aperto na política monetária, a trajetória dos juros segue sendo de alta.
7) Investimentos em imóveis nos EUA serão afetados, mas não muito
Há duas grandes diferenças entre a quebra do SVB e a falência do banco de investimentos Lehman Brothers, em 2008. Há 15 anos o mercado imobiliário americano estava muito mais endividado do que está atualmente, e as ramificações dos empréstimos de má qualidade, o chamado “subprime” estavam espalhadas por todo o sistema financeiro, muito além das fronteiras americanas. Agora, o problema é bem menor e muito mais localizado no setor de tecnologia. Assim, os investimentos de brasileiros em imóveis nos Estados Unidos podem ser afetados, mas não muito. Segundo especialistas, não haverá uma crise generalizada do crédito imobiliário, mas a continuidade da alta dos juros vai tornar os empréstimos mais caros e tornar as compras mais difíceis.